sábado, 15 de março de 2014

A BANALIDADE DA CULTURA ATUAL

Llosa



* Honório de Medeiros

Fecho o livro de Llosa, Mário Vargas Llosa, “A Civilização do Espetáculo”, cujo título foi calcado no “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, um dos mais originais pensadores do século, e me percebo confortável por ter encontrado um texto, da melhor qualidade, que desse corpo a essa sensação permanente de estranhamento e solidão vivenciada por mim e alguns poucos, originada pelo descompasso entre a “cultura” na qual fomos criados e a realidade que encontramos nos dias de hoje.

Não é, portanto, “saudosismo”, o que sentimos. Há, de fato, um progressivo, solerte e profundo processo de banalização dos valores fundantes da cultura, entendida esta como o pressuposto da construção do processo civilizatório. Cultura como a pensou, por exemplo, T. S. Elliot, citado por Llosa, em “Notas para uma definição de cultura”, de 1948, tão atual, posto que, por exemplo, lá para as tantas, expõe: “E não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, que possa ser considerado desprovido de cultura.”

É bem verdade que em ensaios tais como “A civilização do espetáculo”, e “Breve discurso sobre a cultura”, Llosa não nos aponta as causas do surgimento desse epifenômeno muito embora aluda, de forma enfática, à “necessidade de satisfação das necessidades materiais e animada pelo espírito de lucro, motor da economia, valor supremo da sociedade”, como a força que está por trás das rédeas que conduzem o processo de destruição da cultura tradicional. Não nos é oferecido, de sua lavra, uma macroteoria, que nos explique tudo.

Para Llosa, por exemplo, civilização do espetáculo é "a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal."

Como não lembrar do personagem de "O lobo da estepe", de Hesse, em seu permanente solilóquio: "O que chamamos cultura, o que chamamos espírito, alma, o que temos por belo, formoso e santo, seria simplesmente um fantasma, já morto há muito, e considerado vivo e verdadeiro só por meia dúzia de loucos como nós? Quem sabe se nem era verdadeiro, nem sequer teria existido? Não teria sido mais que uma quimera tudo aquilo que nós, os loucos, tanto defendíamos?"

Entendo, embora possa estar enganado, que mesmo Zygmunt Bauman e sua obra acerca da “vida líquida”, “modernidade líquida”, na qual mergulhei durante algum tempo, também não o conseguiu. Sua preocupação é, também, descrever um fato, ou melhor, um epifenômeno social, o processo civilizatório por nós vividos hoje, um degrau acima, em termos de tempo, com alguns instrumentos intelectuais diferenciados, como tentado pelo excepcional Norbert Elias.

Para Bauman, "a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante"; nas quais "as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades."

Eu me pergunto, em relação a Bauman: não há um padrão, uma lei geral que origine esse processo? Não seria essa "vida precária" em "condições de incerteza constante" uma face avançada do processo evolucionário de Darwin?

Aliás, ainda hoje somos devedores, nesse aspecto, dos titãs do século XX, quais sejam Freud, Marx e Darwin, por assim dizer. Mas não é o caso de abordar esse tópico por aqui. O caso aqui é apenas registrar o alívio ao constatar que não estamos errados nós que sentimos que somos, cada vez mais, órfãos de uma cultura que desde os meados do século XX, vem sendo deixada, cada dia mais velozmente, e de forma mais radical, para trás.

Que o digam, como pálido exemplo, a música, o teatro e a literatura contemporânea.

É a banalização da cultura...


Arte em desencarte.blogspot.com

domingo, 9 de março de 2014

QUATRO EX-PRESIDENTES E A DEMOCRACIA NA VENEZUELA


Nós, abaixo assinados, Oscar Arias Sánchez, Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Lagos e Alejandro Toledo,concordamos em formular a seguinte declaração conjunta:

Temos observado com preocupação e alarme os acontecimentos que vêm ocorrendo na Venezuela durante as últimas semanas. Manifestações estudantis de protesto pacífico contra as políticas do governo, fato normal em qualquer sociedade democrática, têm sido objeto de uma repressão desmedida por parte das forças de segurança e de ataques por parte de grupos armados ilegais que alguns meios de comunicações vinculam com partidos políticos no governo.

Estes fatos estão na origem de uma alarmante escalada de violência e de uma rápida deterioração da situação dos direitos humanos no país.

A violência já custou a vida de várias pessoas atingidas por balas; estudantes presos declararam publicamente terem sido submetidos a torturas e tratamento desumanos e degradantes por parte das autoridades; a imprensa independente tem sido perseguida e dificuldades foram criados para impedir que os meios de comunicação informem sobre os acontecimentos, incluindo a retirada do ar de um canal internacional de televisão e ameaças de fazer o mesmo com outro, agressões físicas a jornalistas e limitações à aquisição de papel para a imprensa escrita.

Numerosos estudantes presos estão sob a ameaça de processos penais; o senhor Leopoldo López foi sumariamente privado de liberdade

Além disso, o protesto cívico e da oposição democrática tem sido criminalizado. Numerosos estudantes presos estão sob a ameaça de processos penais; o senhor Leopoldo López, líder de um partido de oposição, foi sumariamente privado de liberdade e acusado, por motivos políticos, de diversos delitos. Outros líderes democráticos também têm sido submetidos a perseguições judiciais por razões políticas.

Condenamos estes fatos e instamos o Governo venezuelano e todosos partidos e atores políticos a estabelecer um debate construtivo no marco de referência dos princípios democráticos universalmente reconhecidos, tal como definidos na Carta Democrática Interamericana.

Fazemos um apelo especial ao governo para que contribua para a criação, sem demora, das condições propícias para esse debate, com uma agenda compartilhada e sem exclusões. Para tanto é imperativo que se ponha fim de imediato à perseguição contra os estudantes e os líderes da oposição, colocando em liberdade o senhor Leopoldo López e todos os demais detidos ou perseguidos por razões políticas. Faz-se também necessária a condução de uma investigação independente e transparente sobre as denúncias de torturas e outras violações de direitos humanos. Devem cessar as restrições e hostilidades impostas à imprensa independente, o que inclui o restabelecimento do sinal do canal internacional de televisão bloqueado pelo governo.

É igualmente necessário que as manifestações de protesto dos partidos de oposição e de outras organizações sejam conduzidas de forma pacífica, como ocorre nas sociedades democráticas e com o respeito devido ao mandato das diferentes autoridades do país, nos termos definidos pela Constituição venezuelana.

Na condição de amigos da democracia venezuelana, confiamos que esse país será capaz de superar a extrema polarização e a intolerância que dominaram a cena política nos últimos anos – males que minaram a eficácia dos mecanismos internos de debate democrático e a confiança na independência e imparcialidade de numerosas e relevantes instituições. Ao mesmo tempo, fazemos um chamamento à comunidade internacional para que se junte a um esforço concertado em prol do fortalecimento da democracia e da preservação da paz na Venezuela.

5 de março de 2014

Oscar Arias Sánchez, Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Lagos e Alejandro Toledo

* Oscar Arias, Fernando Henrique, Ricardo Lagos e Alejandro Toledo foram presidentes, respectivamente, da Costa Rica, Brasil, Chile e Peru.