sábado, 1 de setembro de 2012

A CRÍTICA É O PRESSUPOSTO DO CONHECIMENTO CONSCIENTE

 
A Árvore do Conhecimento


Leia mais em: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2010/02/arvore-do-conhecimento.html



Honório de Medeiros


                        Um dos maiores, senão o maior, males do qual padece a Educação, é a crença – o termo correto é esse – no aprendizado por informação.
 
                        Por essa crença nosso cérebro é como um recipiente vazio que deve ser preenchido com o conhecimento que nos for fornecido.
 
Popper denomina essa crença de “Teoria do Balde Vazio”, e ela depende, fundamentalmente, da suposição de que conhecemos por que observamos, o que nos conduz a um empirismo ingênuo, no qual a observação do que somos e do que nos cerca é possível graças ao raciocínio indutivo.
 
Este não é o espaço apropriado para analises acerca dessas teorias. Convém lembrar, de forma parafraseada, entretanto, um “blague” que Popper, em tom irônico, apresenta em uma de suas obras dedicadas à Teoria do Conhecimento: se solicitarmos a algumas pessoas que durante certo tempo cronometrado apenas observem, e, em seguida, nos digam o que aprenderam com essa observação, provavelmente todas elas indagarão: “em relação ao quê?”
 
Pois parece óbvio que somente é possível o conhecimento de algo a partir de um conhecimento já existente, o que situa a observação no seu devido lugar, qual seja o de comprovar, ou negar, uma teoria já existente.
 
Não por outra razão a informação (conhecimento) que não é precedida de um conhecimento real, concreto, indiscutível, que nos permita aceitar de forma crítica, e, portanto, entender aquilo acerca do qual que se está sendo informado, resulta em nada.
 
E, também, não por outra razão, lê-se sem que se compreenda, participa-se dos fatos sem que se aquilatem suas causas, essência, e consequências, fala-se e escreve-se o que não tem sentido, concretizando a imagem fiel da alienação intelectual que descreve tão bem os habitantes do mundo em que vivemos.
 
Para que se estabeleça o processo de aquisição do conhecimento é preciso que algo deflagre, em nós, a angústia criativa de sobreviver a uma realidade que não mais é apreendida pelo que sabíamos até então. Ocorre em situações críticas, e independentes de nossa vontade. O senso comum diz isso de forma brilhante: “a necessidade é a mãe da invenção”.
 
Podemos, entretanto, gerar esse processo de conhecimento. Se formos estimulados a criticar (no sentido de buscar falhas, contradições, desarmonias) na informação que nos é fornecida, com certeza avançaremos. A crítica, portanto, é o pressuposto do conhecimento consciente. Não por outra razão Bachelard, o poeta/filósofo, afirmou: “O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”.
 
 E não por outra razão Kiekergaard nos impeliu a “duvidar de tudo”.
 
Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam do contraste entre o conhecimento antigo, a expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin.
 
A técnica mais banal para o exercício da crítica é o uso do contra-argumento (contraexemplo). Uma vez tendo recebido alguma informação, submetamo-la à crítica, argumentando na medida de nossas possibilidades, contra ela. Nada teremos a perder, muito teremos a ganhar em utilizando tal técnica. Outra técnica simples é indagar, dialogar com a informação. Para tanto cabe usar o que nos ensina a técnica jornalística, indagando a nós mesmos e também respondendo: Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê?
 
Uma vez que o espírito da crítica pedagógica, a vigilância epistemológica que pode conduzir à ruptura epistemológica, à “reforma das ilusões”, se estabeleça como “Paidéia”, padrão cultural, ideal civilizatório, o avanço será inexorável, e a nossa Educação somente ganhará com essa opção.
 
Para que se tenha ideia de como não evoluímos ao longo desses anos, em discurso na solenidade de formatura de todas as turmas concluintes do ano de 1982, representando os alunos, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tive a oportunidade de dizer:
 
                        “Como entender, por exemplo, que no âmbito da Universidade, onde o sonho e a crítica deveriam caminhar de mãos dadas, permeando a efígie do futuro de esperança e conhecimento, nada mais se encontre do que o imediatismo, o pragmatismo solerte e a mera repetição anacrônica de informações? Como aceitar a inacreditável relação professor-aluno, completamente abstraída da consciência do saber, que conjuntamente com a preocupação de suscitar dialéticas, referendar críticas e debates livres, numa ontologia da ideia ensinada e na aplicação do racionalismo docente, constitui a preocupação básica de Gaston Bachelard, exposta em sua obra “Racionalismo Aplicado”, onde nos lembra: “De fato, numa educação de racionalismo aplicado, de racionalismo em ação de cultura, o mestre apresenta-se como negador de aparências, como freio a convicções rápidas. Ele deve tornar mediato o que a percepção proporciona imediatamente. De modo geral, ele deve entrosar o aluno na luta das ideias e dos fatos, fazendo-o observar bem a inadequação primitiva de ideia com o fato”.
 
                        Se na observação do problema limitamo-nos ao componente psicológico da relação professor-aluno, necessário se faz observar os próprios problemas estruturais em torno dos quais gravitam os específicos. Precisamos ir ao encontro do espírito mais geral que preside os fatos e as idéias no âmbito da Universidade. Fundamental é retornar à consciência crítica e política no sentido socrático-aristotélico, que é seu pressuposto maior. Fundamental é acreditar que quimera e contestação, a discussão, a livre manifestação de idéias - alicerce do conhecimento - caminham ou caminharão nos corredores da Universidade.”
 
                        Portanto precisamos ensinar a criticar, para que seja possível o conhecer, afastando, de vez, essa perspectiva ideologicamente equivocada e intelectualmente ultrapassada de informar para formar.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

CD NOVO DE KHRYSTAL É UMA OBRA DE ARTE!

 
CD de Khystal: do outro mundo, de tão bom!
 

Honório de Medeiros

Encantado com "Dois Tempos", CD novinho, novinho, dessa jóia da música brasileira chamada Khristal, mandei um e-mail para Zé Dias, seu Produtor Executivo, e "o cara" que é "a cara" da música no nosso RN:
 
Que CD lindo, lindo, Zé.
Gostei demais, como sempre gostei de tudo em que vc e Khrystal põem o talento para render...
Mas lhe confesso que minha predileta é "De Contente".
Perfeita: letra e música. Arranjos impecáveis.
Parabéns!
Um abração.
Honório.
 
Zé respondeu:
 
Meu Tarik de Souza do Alto Oeste,
QUERER DE GENTE POBRE: Ontem de dia, ALCEU LIGA DO GALEÃO querendo ir almoçar com KHRYSTAL e após o almoço, refazer uma fala do FILME dele que ela participa, pois a mesma não ficou boa. Fiquei feliz pela Lembrança.
A Noite, o NOVO JORNAL do DOMINGO que sai no SABADO, dá UMA PAGINA falando bem do CD, a exemplo do JORNAL DE HOJE e de TARIK DE SOUZA.
Fiquei muito feliz. A noite eu e Khrystal fomos ao Show e ALCEU se tranca com ela no CAMARIM e haja papo que em nenhum momento teve o convite para uma participação dela no Show. Sem sabermos, a PRODUÇÃO MANDOU preparar um MICROFONE a parte para alguma necessidade. No começo do show, ele a cita, dedicando a noite a ela e já no final a convida para dividir o palco. O publico foi a loucura. AUTO ESTIMA POTIGUAR, lá em CIMA. A menina que deu a cara para bater, cantando as COISAS do RN e do Nordeste, tinha o aval popular de um dos ícones da MODERNA MÚSICA NORDESTINA. No Domingo pela manhã, um AMIGO querido que é voce, AVALIZA o novo trabalho de KHRYSTAL. Querer o que? FUI PRA GALERA.
Grato, MEU TARIK DE SOUZA do ALTO OESTE.
Zé.
 
O CD não para de rodar aqui em casa e eu, embevecido, começo e termino escutando "DE CONTENTE", letra e música de Khrystal! Mas desde já adianto: todas são lindas...

DIREITOS FUNDAMENTAIS, PACTO SOCIAL, CORRELAÇÃO DE FORÇAS POLÍTICO-SOCIAIS E RETÓRICA

O entendimento do que sejam direitos fundamentais é um pacto social construído historicamente pelos homens, dentre eles, obviamente, com maior expressão, os integrantes do "campo jurídico". Tal construção resulta da correlação de forças político-sociais existente em cada circunstância, e é pensada e expressa via Retórica.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

TOFFOLI ENVERGONHA O STF



 terça-feira, 28 de agosto de 2012 | 05:10

O aluno reprovado Toffoli tentou dar aula ao professor emérito Luiz Fux

Por Carlos Newton 

Foi uma aula de direito às avessas. Todo enrolado, sem saber o que dizer, fazendo pausas intermináveis, o ministro Dias Toffoli deu um voto destinado a ficar na História, mas às avessas, para que os alunos de Direito assistam diversas vezes e aprendam como não se deve proceder ao ocupar uma caderia na mais alta corte de Justiça. 
Ficou mal para ele e pior ainda para quem o conduziu até essa investidura. Sua nomeação para o Supremo mostra que, em seu permanente delírio de grandeza, Lula acabou perdendo a noção das coisas. Fez um bom governo, foi o primeiro operário a chegar à presidência da República de um país realmente importante, pelo voto poder, tornou-se uma festejada personalidade mundial, mas o sucesso lhe subiu à cabeça, começou a fazer bobagens, uma após a outra. 
Lula poderia ficar na História como um dos mais destacados líderes da Humanidade, mas não tem a humildade de um Nelson Mandela nem o brilho de um  Martim Luther King. Suas tiradas acabam soando em falso e os erros cometidos vão se avolumando. 
Dias Toffoli foi um dos maiores equívocos cometidos pelo então presidente, que sempre se orgulhou de jamais ter lido um só livro. Desprezando o sábio preceito constitucional que exige notório saber jurídico, Lula nomeou para o Supremo um advogado de poucos livros, que por duas vezes já tinha sido reprovado em concursos para juiz. 
O resultado se viu no julgamento de segunda-feira. Todo atrapalhado, Toffoli não sabia quando estava lendo alguma citação ou falando por si próprio.  O mal estar no plenário foi num crescendo. Os outros ministros já não aguentavam mais tamanha incompetência. Toffoli não se comportava como um magistrado, que necessariamente tem de examinar os argumentos de ambas as partes. Limitava-se a citar as razões dos advogados de defesa dos réus, sem abordar nenhuma das justificativas da Procuradoria Geral da República ou do relator. 
Ainda não satisfeito com essas demonstrações de inaptidão  e de parcialidade, Dias Toffoli resolveu inovar. De repente, para justificar seu papel grotesco, proclamou que a defesa não precisa provar nada, quem tem de apresentar provas é a acusação. Fez essa afirmação absurda e olhou em volta, para os demais ministros, cheio de orgulho, como se tivesse descoberto a pólvora em versão jurídica. 
Os demais ministros se entreolharam, estupefactos,  e Luiz Fux não se conteve. Pediu a palavra e interpelou Toffoli, que repetiu a burrice, dizendo que não cabe à defesa apresentar provas, isso é problema da acusação. 
Infelizmente, a TV não mostrou a risada de Fux, considerado um dos maiores especialistas em  Processo Civil, um professor emérito e realmente de notório saber. 
Até os contínuos do Supremo sabem que as provas devem ser apresentadas tanto pela defesa quanto pela acusação, mas na faculdade Toffoli não conseguiu aprender nem mesmo esta simples lição. É um rábula fantasiado de ministro, uma figura patética.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ: COMO ERA A CIDADE NA ÉPOCA DA INVASÃO


 

 
Mercado Público de Mossoró, poucos anos após o ataque de Lampião

Em 1926, com mandato previsto até 1928, era Presidente da Intendência[1] de Mossoró, Rodolpho Fernandes de Oliveira Martins, tendo como Vice seu parente próximo Hemetério Fernandes de Queiroz. Os outros intendentes eram Luís Colombo Ferreira Pinto, Francisco Clemente Freire, Antonio Teodoro Soares Frota, Manuel Amâncio Leite e Francisco Borges de Andrade. 

Mossoró, segundo Raul Fernandes[2], em 1927 competia com Natal, a capital do Estado. Enquanto esta tinha 30.600 habitantes, aquela possuía 20.300. 

A denominada “Capital do Oeste” era ligada ao litoral por uma estrada de ferro que se estendia até o povoado de São Sebastião, atual Dix-Sept Rosado, na direção Oeste, percorrendo quarenta e dois quilômetros, enquanto, por ela, estradas de rodagem convergiam de vários recantos, percorridas por caminhões que, aos poucos, substituíam o transporte animal. 

Possuía a cidade o maior parque salineiro do país. Três empresas descaroçavam e prensavam algodão, produto denominado, na época, e por muito tempo ainda, de “ouro branco[3]”. 

 Centro comercial importante, em Mossoró se comprava peles, algodão e cera de carnaúba. Exportava-se, pelo porto de Areia Branca, tudo quanto era trazido pelos longos comboios de mercadorias chegados do interior da Paraíba e do Ceará, que voltavam levando sal e produtos oriundos de centros mais avançados. 

Havia energia elétrica, que alimentava várias indústrias nascentes, assim como repartições públicas federais e estaduais, além da agência do Banco do Brasil, que era o único estabelecimento de crédito da região. 

Na cidade circulavam três jornais: ‘O Correio do Povo’, o ‘Nordeste’, e ‘O Mossoroense’, este o mais antigo do Município, e um dos mais antigos do Brasil, fundado em 1872. O ensino era ministrado por intermédio de estabelecimentos para ensino secundário – a Escola Normal e a de Comércio, e em dois colégios com internato – o Diocesano Santa Luzia para rapazes, e o Sagrado Coração de Maria, dirigido por religiosas franciscanas, portuguesas, para moças.

PERFIS
 
Dona Bernadete – Maria Bernadete Leite Duarte – guardava, aos oitenta e cinco anos, a beleza dos traços que a fotografia – tirada no verdor de sua mocidade – pousada em cima da cristaleira antiga, muito bem conservada, revelava.
 
Ela nos recebeu a mim, Carlos Duarte e Cleilma Fernandes, estes do jornal mossoroense “Página Certa”, e Paulo Gastão, fundador da Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço – SBEC, em sua residência, no dia 18 de dezembro de 2006, em um final de tarde tipicamente sertanejo, tornado mais fresco pela presença do vento Nordeste e mais agradável pelo lanche com o qual nos brindou após a entrevista.
 
Dona Bernadete é filha de Manoel Duarte, um dos heróis da resistência a Lampião em Mossoró.
 
“Nasci em Mossoró”, diz-nos ela, “em 1921, e aqui morei até 1950.
 
Quando completei quinze anos fui estudar na Escola Doméstica em Natal. Minha mais antiga lembrança de Mossoró é dos meus pais. Minha infância foi igual à de todas as crianças daquela época: pulei corda, brinquei de roda, de boneca, gostava de bonecas de pano, fazia teatrinhos, aperreava o pavão de Dona Filomena de Seu João Carrilho...
 
Dormíamos cedo, às 19h00min. Tomávamos café da manhã às 07h00min, almoçávamos às 11h00min e jantávamos às 17h00min. Comíamos pão, biscoito, leite de vaca, ovos, cuscuz, coalhada no café da manhã; feijão de arranque temperado com carne, cebola, alho, coentro, cominho, arroz, farofa no almoço; mugunzá, cuscuz, coalhada no jantar. Comíamos frutas e bolachas pretas.
 
Já mocinha, escutávamos, enquanto arrodeávamos a Praça do Pax, a banda no coreto. Os rapazes ficavam em pé, de frente para a parte interior da praça. Às 21h00min todo mundo ia embora.
 
Freqüentávamos o Clube Ipiranga e íamos ao cinema diariamente com meu pai, Manoel Duarte. Eu adorava os musicais. Gostava também muito de ler historinhas, o "Tesouro da Juventude".
 
Quando eu estudei em Natal, na Escola Doméstica, saia nos finais-de-semana para a casa da esposa de Rodolpho Fernandes. Lembro-me da passagem do Zeppelin e do Hindenburgo por Natal. O Hindenburgo, que era mais grosso, ficava parado, suspenso no ar e soltava malas para o pessoal da terra.
 
Quando da invasão de Mossoró papai levou a família para Tibau e voltou para participar da resistência. Rodolpho Fernandes era compadre de papai, padrinho de meu irmão Antônio Leite Duarte.
 
Nunca ouvi falar na história de Massilon ser apaixonado por Julieta, filha de Rodolpho.
 
 Papai ficou na casa de Rodolpho, na parte de cá (que dava para a Igreja de São Vicente) e havia outros na Igreja. Estes não alcançavam os cangaceiros postados na parede lateral da casa de Alfredo Fernandes, esquina com a Avenida Alberto Maranhão, mas apontaram Colchete que já estava com uma garrafa de querosene na mão para jogar nos fardos de algodão. Papai atirou em Colchete e Jararaca. Muita gente correu da luta.”
 
Dona Iracema – Iracema de Assis Duarte – com seus oitenta e poucos anos, magra, espigada, alerta, faz coro ao depoimento de Dona Bernadete.
 
Estamos na calçada em frente à casa na qual ela mora sozinha. Não quer sair de lá, em hipótese alguma, e se render ao chamado dos filhos.
 
É o dia 19 de dezembro de 2006 e estamos quase ao lado da histórica sede da Prefeitura Municipal de Mossoró, antiga residência de Rodolpho Fernandes, na Avenida Alberto Maranhão, cujo tráfego, mesmo àquela hora crepuscular, não esmorece. Passantes vão e vêm. Não se dão conta de que há setenta e nove anos atrás o movimento, naquela avenida, se deu por motivos bem diferentes dos habituais.
 
“A casa em frente à de Alfredo Fernandes era de João Hollanda”, lembra Dona Iracema. “Os fundos davam para a casa de João Marcelino – o médico que cuidou de Jararaca.
 
Naquele tempo, no entorno da Igreja de São Vicente havia a casa da esquina da Rua Francisco Ramalho com a Alberto Maranhão do lado de cá (no alinhamento da Igreja); havia a minha casa (várias geminadas vizinhas ao palacete de Rodolpho), a de seu Artur Paula (palacete cuja frente dava para a lateral da casa em frente aos fundos da Igreja)[1], a casa onde hoje funciona a Escola 13 de Junho, outra de umas catequistas...
 
Não havia pudim, bolo, doces na minha infância. Era rapadura, cocada, pão doce, bolacha preta. Galinha aos domingos. Coalhada de manhã para o pai. Não havia o hábito da verdura. A hora das refeições era essa mesma que Bernadete falou. E as brincadeiras também. Meninos não participavam. As brincadeiras: escravos de Jó, tique, esconde-esconde, teatro infantil (representavam contos de fadas).
 
O cinema era o Almeida Castro, no Grande Hotel. Esse Grande Hotel concentrava a nata da sociedade nos grandes eventos. Os filmes eram mudos.
 
Manoel Duarte, um homem muito sério, achava graça com os retratos dos heróis nas trincheiras. Dizia que a máquina fotográfica era muito boa, pegava fulano e sicrano em Areia Branca... Zé Otávio – o que fotografou as trincheiras – era o fotógrafo da época. Os Fernandes[2] eram os ricos de Mossoró. Dizia-se que Tertuliano era o mais rico.”
 
É dezembro de 2006. Irmã Aparecida nos recebe, a mim e a Carlos Duarte, em seu gabinete no Colégio Sagrado Coração de Maria – o Colégio das Freiras, onde estudaram e estudam as filhas das elites de Mossoró, geração após geração.
 
Irmã Aparecida tem o mesmo tipo físico de Dona Bernadete e Dona Iracema. Nela, entretanto, o hábito de comandar se deixa perceber através das frases pontuadas de forma mais incisiva, como a evitar contestações. Irmã Aparecida, apesar da idade, ainda comanda o Colégio. Nada leva a crer, observando-se sua agilidade física e mental, que a aposentadoria esteja próxima.
 
“Merendávamos às 09h00min: coalhada, copo de leite, ovos batidos, fubá de milho com mel, ou gema de ovo com mel de abelha. Almoçávamos às 11h00min. Não se conhecia feijão preto e não se comia bode porque fedia. Comia-se melhor no campo que na cidade. Nas refeições, silêncio: era preciso manter-se o respeito.
 
À mãe competia a educação. O pai quase nunca se metia. Os castigos: ficar atrás do guarda-roupa e a palmatória. A educação era feita através da tradição oral: não mentir, por exemplo. Rezava-se o ofício, particularmente, todos os sábados. Mas não se misturava moral com religião.
 
A diversão dos homens era jogar sueca. A dos meninos irem para o terreiro. Líamos, quando muito, os livros didáticos. Assistíamos filmes mudos pelo menos duas vezes por semana.
 
As grandes famílias de Mossoró eram os Fernandes, os Leite, os Duarte. Ainda não havia Rosado. Não se sabia quem eles eram. Os ricos eram Costinha Fernandes, João Marcelino, Miguel Faustino, Tertuliano Fernandes...
 
Entretanto tão instigante quanto essas entrevistas a respeito da Mossoró da década de 20 do século passado é a leitura das “Memórias” de Sebastião Gurgel[3].
 
Em seu diário, no qual começa, no ano da invasão de Mossoró, portanto escrevendo em março de 1927, alude, desde logo, à inauguração, em 1º de novembro de 1926, do serviço da estrada de ferro Mossoró/São Sebastião (atual Governador Dix-Sept Rosado).
 
Informa que o inverno está sendo bom e que a estrada de ferro progride até Caraúbas.
 
Em julho noticia a invasão de Apodi por Massilon, a 10 de maio, e a de Mossoró, a 13 de junho, por Lampião e seu bando.
 
É avaro nas informações e mais ainda na análise do fato.
 
“Convém”, escreve ele em seu diário, “consignar um voto de louvor aos Srs. Cel. Rodolfo Fernandes, prefeito da cidade, Julio Maia, que melhor que outro qualquer dirigiu a defesa, Mirabeau Melo[4] que como encarregado do telégrafo, prestou enormíssimo serviço, Dr. Gilberto Studard Gurgel, tenente Abdon Nunes, Cornélio Mendes, João Fernandes, etc.”
 
E acrescenta, irônico: “Eu, já se sabe, nestas ocasiões, sou sempre o herói da retirada”.
 
Ainda em julho relata um acontecimento “sensacional – o casamento de Monsenhor Almeida Barreto com a senhorita Maria Nazareth de Oliveira.”
 
 Imaginemos o impacto que tal acontecimento deve ter suscitado na provinciana Mossoró do início do século XX!
 
Somente em outubro de 1927 Tião Fernandes volta a escrever em seu diário. Critica o governo do Ceará por não tomar providências contra o cangaço. Registra ter deixado suas duas filhas em Natal, para estudarem na Escola Doméstica. Em dezembro, no dia 4, lembra que
 
Em virtude de uma lei séria que garante o voto à mulher, nesta semana (passada) requereu o título de eleitora do município, a professora dona Celina Viana, sendo ela a primeira eleitora do Brasil.”
 
 E, também, que
 
 Em substituição do presidente da intendência Rodolfo Fernandes que morreu no dia 10 de setembro, foi eleito para o mesmo lugar Luiz Colombo Ferreira Pinto.”
              


[1] A casa onde residia Joaquim Perdigão, casado com Julieta Fernandes, filha de Rodolpho Fernandes.
 
[2] Em curiosa crônica escrita para “O Mossoroense”, em 12 de março de 1950, assim se refere aos Fernandes, ao aludir a Mossoró e seus capitalistas, Djalma Maranhão: “Fortunas imensas cimentadas no comércio do algodão e na indústria do sal. Vicente Fernandes e Alfredo Fernandes, capitães de indústria, legando aos seus descendentes Paulo, Pedro, Ezequiel, Xavier, Ademir e mais uma dúzia de jovens milionários, uma organização que é um verdadeiro estado dentro do Estado do Rio Grande do Norte;” (“NOVAS IMAGENS DE MOSSORÓ”; MAIA, Jerônimo Vingt-um Rosado; Coleção Mossoroense; Volume CVIII; 1980; Mossoró, Rn).

[3] “MEMÓRIAS DE UM COMERCIANTE E BANQUEIRO (DIÁRIO)”; GURGEL, Sebastião; Coleção Mossoroense; Série “C”; volume 1293; novembro de 2002; livro III; Mossoró, Rn.
 
[4] A quem se refere Paulo Fernandes, filho de Rodolpho Fernandes e ex-Prefeito de Mossoró, de forma acrimoniosa, em carta transcrita neste livro endereçada a Nertan Macedo.

[1] Prefeito, à época.
 
[2] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; FERNANDES, Raul; 2ª. EDIÇÃO; Ed. Universitária – UFRN; 1981; Natal, Rn. 
 
[3] “No Rio Grande do Norte, a produção algodoeira do século XX refletiu todos os momentos de favorabilidade ou não das conjunturas.
 
                Confiantes na crescente demanda do produto e na consequente elevação dos preços, os grandes e pequenos proprietários do Seridó, Oeste e Trairi encheram suas terras com a lucrativa malvácea. Por causa dos seu alto valor, o algodão passou a ser chamado de ‘ouro branco’. Um município seridoense recebeu essa denominação, em 1918, para homenagear a planta tão valorosa (SOUZA, Itamar de; “A REPÚBLICA VELHA NO RIO GRANDE DO NORTE”; EDUFURN – Editora da UFRN; 1ª edição; Natal; 2008).

terça-feira, 28 de agosto de 2012

OS MERCADORES DA MORTE

EUA ficaram com quase 80% das vendas de armas em 2011
O Globo
 
Os Estados Unidos venderam em 2011 o maior número de armas em sua história, gerando R$ 134,26 bilhões, o que representou 77,7% do mercado mundial, segundo um estudo do Serviço de Pesquisas do Congresso (CRS, siglas em inglês) divulgado nesta segunda-feira. As vendas de armas americanas alcançaram um “crescimento extraordinário” em 2011, triplicando os números do ano anterior, ressalta o estudo. Em 2010, Washington obteve R$ 4,27 bilhões em exportações de armas, ou seja, 48% do mercado mundial.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

AINDA O GENIAL QUINO E OS RUMOS DESTE SÉCULO








QUINO, O GÊNIO QUE CRIOU MAFALDA, E OS RUMOS DESTE SÉCULO


Quino, o cartunista argentino autor da Mafalda, desiludido com o rumo deste século no que diz respeito a valores e educação, deixou impresso no cartoon o seu sentimento:
 
 

 
 








 
 
Obrigado, minha querida Rosa Bezerra, lá do Pernambuco!

 

domingo, 26 de agosto de 2012

O AVILTAMENTO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA

Honório de Medeiros
 
                   Os cursos de Direito das Escolas Privadas estão sendo encaminhados, lentamente, por imposição do mercado, para se transformarem em cursinhos preparatórios à concursos e exames da Ordem dos Advogados do Brasil, comprometendo o pouco que restou da preocupação das elites, após a ditadura militar, com a formação humanística.
 
                   A pressão para que isso ocorra, vem de todos os lados, ainda difusa, e não é contida pela presença formal, no currículo dos cursos, de disciplinas pertencentes à área propedêutica, como Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica, Teoria Geral do Estado e outras.
 
Incide essa pressão sobre os professores dessa área quando eles cobram os alunos, através de avaliações e presenças, e estes questionam apontando a pouca importância daquilo que lhes é ministrado em termos de mercado de trabalho; incide sobre os dirigentes institucionais, a quem se pede que obtenham o relaxamento dos educadores quanto ao desempenho dos educandos em Filosofia do Direito, por exemplo, mas, ao mesmo tempo, que sejam exigentes quanto ao que será ensinado pelos professores que proferirão as aulas ditas “práticas”; incide nos estudantes, vinda de seus pais, que estão de olho nos concursos públicos que seus filhos farão e acham que não adianta eles se preocuparem com o estudo de algo que não tem “utilidade”; incide insidiosamente em quem paga o curso dos seus rebentos, na medida em que são cobrados por parentes e amigos quanto ao futuro profissional de cada um deles.
 
                   O aparente renascer da Filosofia, que contrariaria o argumento acima exposto, constatado em alguns jornais e revistas de circulação nacional, não explora o aspecto “fashion” oculto na tardia opção de parcela da elite por algo tão obscuro e de difícil compreensão. Muito mais que curiosidade filosófica o que motiva essa elite é a necessidade de ser “in” em termos sociais, na medida em que ela possa falar, mesmo que superficialmente – é o que se permite em reuniões sociais - no nome de filósofos ou obras até então relegados às bibliotecas de alguns poucos excêntricos.
 
É isso mesmo, trocando em miúdos: esse renascer é aparente e decorrente da criação de mais uma forma alienada de se destacar socialmente, extremamente curiosa por que ela lida, concretamente, com o aparato intelectual – os livros e seus autores - que, em tese, em sendo utilizado corretamente, libertaria o alienado de sua alienação. Esse filme não é novo: posar de intelectual, há alguns anos, já teve seu charme...
 
                   O certo é que a proliferação de cursos de Direito oferecidos por instituições privadas vem acentuando o aviltamento do ensino. As universidades querem poder estampar nos jornais a relação dos seus alunos aprovados em concursos para poderem captar mais clientes, e como, para eles serem aprovados, precisam submeter-se à lógica educacional própria dos cursinhos preparatórios, onde o superficial e contingente prepondera sobre o profundo e estrutural, está armado o cadafalso onde serão guilhotinadas gerações presentes e futuras de possíveis pensadores, humanistas e críticos substanciais da nossa realidade.
 
                   Tais alunos terminam construindo um perfil básico para si que é quase um padrão: agressivos, competitivos ao extremo, conhecedores de leis, jurisprudências e doutrinas específicas, hábeis em citações deslocadas do contexto de onde são arrancadas, restritos ao mundo jurídico, leitores de orelhas de livros de divulgação doutrinária em Filosofia do Direito, assíduos frequentadores de manuais jurídicos, todos com a profundidade de um pires com água.
 
                   Ressaltem-se, obviamente, as exceções que nos surpreendem e são verdadeiros outsiders por conseguirem pensar para além do viés técnico.
 
                   Aliás, essa é a diferença entre o técnico e o pensador: enquanto aquele executa, aplica, este planeja, pensa. Que os leitores apressados não suponham que estou a descrever algo estanque. Claro que não. Alguém que executa e aplica pode planeja e pensar. Entretanto, hoje, o contexto (palavra antipática), a correlação-de-forças impõe, cada vez mais, o fortalecimento das barreiras que estabelecem a segmentação que organiza a Sociedade capitalista selvagem na qual vivemos.
 
                   Não interessa ao modelo político vigente do qual o Estado é causa e consequência, uma realidade social na qual seus cidadãos não sejam alienados, ao contrário, possam refletir criticamente acerca do seu papel de correia-de-transmissão entre o topo e a base fortalecendo essas estruturas injustas que são nossa herança e virão a ser, ao que tudo indica, nosso legado.
 
                   Fatos como aquele ocorrido com um amigo meu, professor, que em sala de aula leu textos de Fernando Sabino, na tentativa de estabelecer com seus alunos a cumplicidade através do belo, e no final foi indagado acerca de em qual livraria seria encontrado “seu” livro fatalmente tende a ser um padrão, assim como aquele outro ocorrido comigo, no qual um aluno me comunicou, findo suas férias, que havia lido integralmente, nesse período, capa-a-capa, “O Positivismo Jurídico”, de Norberto Bobbio, e antes que minha alegria me levasse a usá-lo como exemplo em sala-de-aula, concluiu dizendo “mas não entendi nada”.
 
Que tempos, estes...