A Árvore do Conhecimento
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Honório de Medeiros
Um
dos maiores, senão o maior, males do qual padece a Educação, é a crença – o termo
correto é esse – no aprendizado por informação.
Por
essa crença nosso cérebro é como um recipiente vazio que deve ser preenchido
com o conhecimento que nos for fornecido.
Popper
denomina essa crença de “Teoria do Balde Vazio”, e ela depende,
fundamentalmente, da suposição de que conhecemos por que observamos, o que nos
conduz a um empirismo ingênuo, no qual a observação do que somos e do que nos
cerca é possível graças ao raciocínio indutivo.
Este não é o
espaço apropriado para analises acerca dessas teorias. Convém lembrar, de forma
parafraseada, entretanto, um “blague” que Popper, em tom irônico, apresenta em
uma de suas obras dedicadas à Teoria do Conhecimento: se solicitarmos a algumas
pessoas que durante certo tempo cronometrado apenas observem, e, em seguida,
nos digam o que aprenderam com essa observação, provavelmente todas elas
indagarão: “em relação ao quê?”
Pois parece
óbvio que somente é possível o conhecimento de algo a partir de um conhecimento
já existente, o que situa a observação no seu devido lugar, qual seja o de
comprovar, ou negar, uma teoria já existente.
Não por outra
razão a informação (conhecimento) que não é precedida de um conhecimento real,
concreto, indiscutível, que nos permita aceitar de forma crítica, e, portanto,
entender aquilo acerca do qual que se está sendo informado, resulta em nada.
E, também, não
por outra razão, lê-se sem que se compreenda, participa-se dos fatos sem que se
aquilatem suas causas, essência, e consequências, fala-se e escreve-se o que
não tem sentido, concretizando a imagem fiel da alienação intelectual que
descreve tão bem os habitantes do mundo em que vivemos.
Para que se
estabeleça o processo de aquisição do conhecimento é preciso que algo deflagre,
em nós, a angústia criativa de sobreviver a uma realidade que não mais é
apreendida pelo que sabíamos até então. Ocorre em situações críticas, e
independentes de nossa vontade. O senso comum diz isso de forma brilhante: “a
necessidade é a mãe da invenção”.
Podemos,
entretanto, gerar esse processo de conhecimento. Se formos estimulados a
criticar (no sentido de buscar falhas, contradições, desarmonias) na informação
que nos é fornecida, com certeza avançaremos. A crítica, portanto, é o
pressuposto do conhecimento consciente. Não por outra razão Bachelard, o
poeta/filósofo, afirmou: “O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”.
E não por outra razão Kiekergaard nos impeliu
a “duvidar de tudo”.
Muito mais
recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a
filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam do contraste
entre o conhecimento antigo, a expectativa de que regularidades, padrões, se
mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que
o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas
expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Observe-se que tal
teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no
que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin.
A técnica mais
banal para o exercício da crítica é o uso do contra-argumento (contraexemplo).
Uma vez tendo recebido alguma informação, submetamo-la à crítica, argumentando
na medida de nossas possibilidades, contra ela. Nada teremos a perder, muito
teremos a ganhar em utilizando tal técnica. Outra técnica simples é indagar,
dialogar com a informação. Para tanto cabe usar o que nos ensina a técnica
jornalística, indagando a nós mesmos e também respondendo: Quem? Quando? Como?
Onde? O quê? Por quê?
Uma vez que o
espírito da crítica pedagógica, a vigilância epistemológica que pode conduzir à
ruptura epistemológica, à “reforma das ilusões”, se estabeleça como “Paidéia”, padrão
cultural, ideal civilizatório, o avanço será inexorável, e a nossa Educação
somente ganhará com essa opção.
Para que se tenha
ideia de como não evoluímos ao longo desses anos, em discurso na solenidade de
formatura de todas as turmas concluintes do ano de 1982, representando os
alunos, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tive a oportunidade de
dizer:
“Como entender, por exemplo, que no âmbito
da Universidade, onde o sonho e a crítica deveriam caminhar de mãos dadas,
permeando a efígie do futuro de esperança e conhecimento, nada mais se encontre
do que o imediatismo, o pragmatismo solerte e a mera repetição anacrônica de
informações? Como aceitar a inacreditável relação professor-aluno,
completamente abstraída da consciência do saber, que conjuntamente com a
preocupação de suscitar dialéticas, referendar críticas e debates livres, numa
ontologia da ideia ensinada e na aplicação do racionalismo docente, constitui a
preocupação básica de Gaston Bachelard, exposta em sua obra “Racionalismo
Aplicado”, onde nos lembra: “De fato, numa educação de racionalismo aplicado,
de racionalismo em ação de cultura, o mestre apresenta-se como negador de
aparências, como freio a convicções rápidas. Ele deve tornar mediato o que a
percepção proporciona imediatamente. De modo geral, ele deve entrosar o aluno
na luta das ideias e dos fatos, fazendo-o observar bem a inadequação primitiva
de ideia com o fato”.
Se na
observação do problema limitamo-nos ao componente psicológico da relação
professor-aluno, necessário se faz observar os próprios problemas estruturais
em torno dos quais gravitam os específicos. Precisamos ir ao encontro do
espírito mais geral que preside os fatos e as idéias no âmbito da Universidade.
Fundamental é retornar à consciência crítica e política no sentido
socrático-aristotélico, que é seu pressuposto maior. Fundamental é acreditar
que quimera e contestação, a discussão, a livre manifestação de idéias -
alicerce do conhecimento - caminham ou caminharão nos corredores da
Universidade.”
Portanto
precisamos ensinar a criticar, para que seja possível o conhecer, afastando, de
vez, essa perspectiva ideologicamente equivocada e intelectualmente
ultrapassada de informar para formar.
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