sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

DISTORCER PARA MANIPULAR

* Honório de Medeiros

Em "On Liberty", de 1859, Sir John Stuart Mill sugere que "A única liberdade que merece esse nome é a de perseguir nosso próprio bem, à nossa própria maneira, desde que não tentemos privar os outros de seus bens, ou impedir seus esforços para alcançá-los... O único propósito pelo qual o poder pode ser exercido de forma correta sobre qualquer membro de uma sociedade civilizada contra sua vontade é impedir o mal aos outros. Seu próprio bem, físico ou moral, não é justificativa suficiente."

Não é preciso salientar a importância dessa obra para a construção do pensamento liberal. Mas é preciso ressaltar que esse ideário é um dos mitos fundantes do Estado contemporâneo fulcrado em uma Democracia tal qual encontrada nos países ocidentais.

Tampouco há necessidade de enumerar as críticas existentes a essa Democracia nos moldes ocidentais. São muitas. Algumas corretas. Entretanto vale a pena lembrar Sir Winston Churchill, e sua famosa "boutade": "A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Também vale a pena lembrar os países ocidentais como aqueles que detêm os melhores índices de desenvolvimento humano.

Entretanto as elites políticas sequiosas de obtenção e manutenção do poder já compreenderam, de há muito, o ponto fraco na argumentação de Sir John Stuart Mill, e o distorceram para manipularem e manterem seu "status quo" de dominação. A chave é "impedir o mal aos outros". 

Hoje em dia esse argumento retórico foi substituído por outro mais sofisticado e condizente com os tempos atuais: "a predominância do público sobre o privado". Ou seja, tudo quanto for oriundo do Estado (daqueles que detêm os aparelhos do Estado em suas mãos) deve ser respeitado e obedecido, já que implica, necessariamente, no interesse do predomínio do público sobre o privado. E a prevalência do público sobre o privado existe única e exclusivamente no intuito de impedir (que se faça) o mal aos outros.

O que está por trás dessa concepção, quando não se trata única e exclusivamente de banditismo, é a crença que as elites dirigente têm em sua capacidade de saber o que é o certo e o melhor para todos. As elites dirigentes creem ser, para isso, ungidas pelos deuses, ou pelo suposto próprio conhecimento, ou pelo destino para imporem, aos comuns dos mortais, as regras que estes devem seguir em Sociedade.

Nada mais autoritário. Nada mais arcaico. Nada mais atual.

OBRA PÚBLICA VERSUS PROGRAMA SOCIAL

* Honório de Medeiros

Há uma lógica perversa que induz a realização da obra pública em detrimento do programa social na administração governamental. Essa lógica é ainda mais perversa por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas.

Em primeiro lugar a obra pública é conseqüência de uma demanda específica levada a efeito pelas grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados. Um corolário é que, convenhamos, essa demanda resulta do fato de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, das elites governantes.

Em segundo lugar a obra pública é conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres raspados das elites políticas vencedoras dos pleitos eleitorais, bem como a necessidade de construírem reservas financeiras para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar a obra pública é conseqüência de mais uma demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão governamental, sob a alegação (interna) de que eles não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o exercício de seus cargos.

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras públicas e, como conseqüência, induzir seu surgimento – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal. Na maioria das vezes praticamente não há sobra para investimento em políticas públicas de longo prazo e, não por outro motivo, a Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo sistematicamente desrespeitada.

Tal círculo vicioso engendra, também, uma custosa propaganda com o objetivo de persuadir a Sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra pública que esteja sendo feita. Assim, toda e qualquer obra pública surge, após passar pelo crivo da propaganda, como decorrência de uma “demanda social” e destina-se ao “desenvolvimento sustentado”.

Obras públicas através das quais circula o capital financeiro das elites para perpetuar a apropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia. Quem muito tem, pouco se importa com tributos; quem nada ou muito pouco possui, tampouco se importa.

Tudo isso soa como palavras ao vento... E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta pela queda nos índices de mortalidade infantil, a luta pela melhoria na qualidade do ensino e na segurança pública, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

* Republicado.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O PT DESTROÇOU A PETROBRAS

 * Honório de Medeiros

O PT dizia que o PSDB queria privatizar a Petrobrás. Antes isso. Bem melhor que destroça-la. Somente ontem a Petrobras encolheu para lá de 14 bilhões de reais.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

DA FALA PRESIDENCIAL

* Honório de Medeiros

O Brasil aguardava angustiado o discurso da Presidente Dilma. A Presidente Dilma falou. O Brasil ficou ainda mais angustiado.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O SERVIDOR PÚBLICO E AS ELITES

* Honório de Medeiros


Costumava iniciar, ano a ano, o curso de Filosofia do Direito, quando ensinava, dizendo a meus alunos que filosofar é desvendar a realidade, como se esta tivesse véus que a ocultassem e, por assim ser, impedisse os menos persistentes de encontrar a verdade que ela persiste em nos esconder.

Essa imagem inicial guarda débito, óbvio, com a bela elaboração da mitologia hindu, que nos apresenta a deusa MAYA enquanto responsável exatamente pela impossibilidade de enxergarmos a realidade tal qual ela é, bem como percebermos que tudo quanto nos cerca nada mais é que pura ilusão, um devaneio infindável a nos impedir o verdadeiro conhecimento.

Um desses véus mais persistentes é – se pudermos usar essa imagem para melhor explicarmos – aquele que despersonaliza a ação concreta do ser humano e a atribui a uma abstração, como é o caso da ideia de Estado.

Ouvimos e vemos sempre que o Estado não se faz presente, no caso do Brasil, desde épocas passadas, na luta contra a desigualdade e exclusão social – algo inquestionável, por sinal, pois podemos constatar que, de fato, evoluímos quanto ao aparato tecnológico com o qual o capital se instaura, mas não conseguimos solucionar questões comezinhas como a da eliminação do analfabetismo. Não é o Estado que não se faz presente. Somos nós mesmos que estamos ausentes. Despersonalizar a ação de quem detém o poder, mascarando-a com esses artifícios, dificulta sua responsabilização.

Outro véu onipresente é aquele que nos impede de percebermos como se instaura uma determinada lógica na ação daqueles que detém o Poder. Uma vez instaurada, essa lógica passa a fazer parte do nosso cotidiano sem que, em qualquer momento, passemos a questioná-la em seus fundamentos básicos. É o caso da persistente e programada despersonalização da ação da elite, através de artifícios que pretendem legitima-la, haja vista o caso do atual conceito vigente de Estado que deixa de ser o “topos” onde ocorre a ação, para ser o instrumento burocrático atrás do qual se esconde o processo de instauração dos mecanismos do Poder.

Podemos considerar que a despersonalização é conseqüência coerente da necessidade de ocultar o real. Seria como uma manobra diversionista, se utilizássemos a linguagem da guerra. E qual é esse discurso real? Lembremo-nos que, no Brasil, desde a ocupação portuguesa, o espaço público foi privatizado. Não é desconhecida a carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei solicitando regalias para sua família. Tampouco o é o episódio das Capitanias Hereditárias.

O fato é que, desde o início, e até o presente, esse espaço público pertence à elite e esta tem se revelado de um atraso inigualável. Raymundo Faoro demonstra, em sua obra “Os Donos do Poder”, criando o conceito de “estamento”, o quanto, ao longo dos anos, até o presente, a elite privatiza o público e o utiliza em proveito próprio. Ou seja, segundo Faoro, no capitalismo brasileiro não há, necessariamente, uma apropriação dos meios de produção por parte da elite, mas, sim, uma privatização do espaço público em proveito próprio. Assim é que vemos filhos de juízes sucederem aos pais, generais aos avós, deputados aos antepassados e assim por diante.

A vingança dos excluídos tem sido, ao longo do tempo, variada, mas permanente. Não é à toa que na literatura, na música, na arte, de uma forma geral, o “barnabé” é permanentemente motivo de chacota. Mas o resultado é inócuo. Continuamos tendo o espaço público privatizado.

Essa ação da elite tem seu preço: a ampliação do espaço público, o gigantismo, o excesso de burocracia. Burocracia: mais cargos para atender a demanda, mais ações para atender a procura. Com a globalização, essa burocracia passou a ser um entrave para o grande capital internacional legitimado pela doutrina do “Consenso de Washington”. A ordem passou a ser: devemos nos render ao Estado mínimo.

Chegamos, agora, ao ponto fulcral desta análise. A doutrina que passou a prevalecer após o ideário do “Consenso de Washington” exige um Estado mínimo para que não haja dificuldade na circulação do capital. Este tem que vir e voltar logo, bem mais gordo, para os bolsos de quem o possui. Para que não haja dificuldade nessa circulação, é necessário impor a ótica financeira na ação governamental. Essa ótica financeira demanda opções típicas de mercado, como equilíbrio nas contas públicas e pagamento dos juros extorsivos do dinheiro emprestado pelos organismos internacionais. Portanto, as políticas públicas de longo alcance, bem como os serviços e servidores públicos através dos quais elas são realizadas devem desaparecer para que a lógica do capital prevaleça, em detrimento da meta intangível.

Não é à toa que os políticos somente pensam em termos de obras físicas. Acaso o investimento em uma meta real, concreta, significativa, de erradicação do analfabetismo traria retorno em termos de voto e dinheiro para financiamento de campanhas políticas? Construir uma ponte, sob o argumento de que é preciso desenvolver, traz retornos mais concretos, segundo essa ótica, que investir na erradicação da mortalidade infantil.

Então vemos o surgimento da publicidade: o “Governo investiu tantos milhões em obra tal e qual”, e a sociedade esquece que mais importante é alcançar metas mais abstratas, como a diminuição dos índices de violência pública. Sem contar que o discurso para legitimar as obras é impressionante em sua vacuidade: construamos para acelerarmos o desenvolvimento e aumentarmos a riqueza; aumentando a riqueza, todos ganham.

Claro, o capital precisa de rapidez para circular. Então construamos estradas, rodoanéis, viadutos, pontes e outros mais, e esqueçamos o analfabetismo, a mortalidade infantil, a exclusão social, por que a riqueza vai circular mais rápido e tornar mais rico quem detém o capital, mas a desigualdade permanecerá, como o demonstra o crescimento desde Getúlio até os dias de hoje e a permanência dessa mesma desigualdade.

Nesse afã de tornar o Estado mínimo, faz-se a política da terra arrasada: não temos tempo nem queremos distinguir entre o que vale e o que não vale a pena eliminar: todo serviço público é ruim, e todos os servidores são ineptos.

Esse é o discurso da elite a encontrar eco na sociedade nauseada com o mau serviço público e os maus servidores que existem exatamente na justa medida da apropriação do espaço público pela elite ansiosa para se locupletar.

Assim, aquilo que parece óbvio, qual seja a recompensa pela vocação do servidor, uma aposentadoria digna, está desaparecendo e, com ela, o interesse em se devotar ao Estado.


* Republicação.