sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

OBRA PÚBLICA VERSUS PROGRAMA SOCIAL

* Honório de Medeiros

Há uma lógica perversa que induz a realização da obra pública em detrimento do programa social na administração governamental. Essa lógica é ainda mais perversa por praticamente excluir a opção pelas políticas públicas.

Em primeiro lugar a obra pública é conseqüência de uma demanda específica levada a efeito pelas grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados. Um corolário é que, convenhamos, essa demanda resulta do fato de seus proprietários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, das elites governantes.

Em segundo lugar a obra pública é conseqüência de outra demanda específica: a necessidade de encher os cofres raspados das elites políticas vencedoras dos pleitos eleitorais, bem como a necessidade de construírem reservas financeiras para as futuras demandas político-partidárias.

Em terceiro lugar a obra pública é conseqüência de mais uma demanda específica: a de gerar condições de manutenção ou aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão governamental, sob a alegação (interna) de que eles não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o exercício de seus cargos.

Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras públicas e, como conseqüência, induzir seu surgimento – consome o que sobra, no orçamento, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal. Na maioria das vezes praticamente não há sobra para investimento em políticas públicas de longo prazo e, não por outro motivo, a Lei de Responsabilidade Fiscal vem sendo sistematicamente desrespeitada.

Tal círculo vicioso engendra, também, uma custosa propaganda com o objetivo de persuadir a Sociedade acerca dos bons propósitos de toda obra pública que esteja sendo feita. Assim, toda e qualquer obra pública surge, após passar pelo crivo da propaganda, como decorrência de uma “demanda social” e destina-se ao “desenvolvimento sustentado”.

Obras públicas através das quais circula o capital financeiro das elites para perpetuar a apropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia. Quem muito tem, pouco se importa com tributos; quem nada ou muito pouco possui, tampouco se importa.

Tudo isso soa como palavras ao vento... E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta pela queda nos índices de mortalidade infantil, a luta pela melhoria na qualidade do ensino e na segurança pública, que não dão retorno financeiro – embora dêem retorno eleitoral (e como dão) – são deixadas de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.

* Republicado.

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