sábado, 17 de agosto de 2013

TUCÍDIDES E A PESTE


Franklin Jorge
 
 
Tucídides, historiador e comandante naval que viveu em 460 antes de Cristo sobreviveu à peste e a descreveu, objetiva e subjetivamente, como depoimento pessoal e como testemunha ocular dos fatos narrados em curto e contundente relato. Assim pode escrever que, enquanto homens morriam como mosquitos, à sua volta, “nenhum temor às leis divinas os refreava”. Era cada um por si e pela hora da morte.
 
Escreveu e pôs em palavras a própria experiência que desde então dá uma descrição da peste. Como uma presa da epidemia que avassalou Atenas, sentiu Tucidides em seu íntimo - como os seus demais companheiros de infortúnio - que uma sentença bastante mais severa lhes fora, irrevogavelmente, proferida e esta anulava decretos e costumes humanos. E, antes que a sentença se cumprisse, queriam todos ainda extrair algum prazer da vida.
 
Ora, a ordem do mundo se inverte tão logo a peste é reconhecida, adverte-nos Elias Canetti [1905-1994] em sua obra magna de pensador provocado pelo fenômeno das massas, quando ele se reporta em um denso e curto ensaio sobre o horror que reina sob o domínio da peste. Sabe-se já que a peste não desaguará em outra coisa senão na morte conjunta de todos, e isto, por si, explica toda descrença e revolta. Na iminência do extermínio físico, os vínculos morais entre os homens são extintos e prevalece como padrão a ânsia e o instinto de sobrevivência que faz o homem, ainda que agonizante, lutar pela vida até o último suspiro.
 
Eis, pois, o que a peste tem em comum com o terremoto: a aniquilação total, segundo a síntese de Tucidides que a vivenciou na alma e na própria pele. Em sua ação cumulativa, parece ter a peste sobre os homens o efeito de um cataclisma. No começo da peste, poucos são os apanhados. E no fim do ciclo pestilencial - que pode durar meses e até um ano inteiro -, poucos são testemunhas de uma grande mortandade, como nos terremotos.
 
Por um processo semelhante ao da peste, sorrateiramente, um partido da mais alta periculosidade, encapuzado de PT, infiltrou-se por toda a parte contaminando com o vírus deletério da corrupção a máquina do estado e, de maneira contundente desconstruindo os costumes, urdindo em surdina a dissolução da família e estimulando conflitos raciais e de fé entre brasileiros que antes não se digladiavam e viviam em paz. E, como resultado desse processo de desmonte da nação, instituições abaladas; corrupção e impunidade como faces de uma mesma moeda em que se transformou, aos olhos do mundo, o país de Macunaíma regido pelo lullupetismo.
 
Foi o que aconteceu no último decênio que solapou a paz pública sob a bandeira de um partido – ou facção partidária – oriunda do sindicalismo e amamentada de ideias marxistas e gramscianas, em uma permanente luta pelo poder através da doutrinação e do aparelhamento do estado por hordas de militantes dispostos a tudo. O Brasil tornou-se um subproduto dessa ideologia que aspira ao totalitarismo. A república da esbórnia, do crime e duma pseudo democracia, isto é, do populismo irresponsável e incontinente, para ludibriar incautos.
 
Nenhum partido terá produzido entre nós uma herança mais deletéria. O PT, do qual resultou esse caldo de culturas socialistas que contaminou e infeccionou a democracia, fazendo do país o que é sob o desgoverno petista.
 
Mancomunados com dirigentes das mais execráveis tiranias – como as que integram o Foro de São Paulo -, armou o PT uma teia criminosa e tem tentado em todas as ocasiões controlar e amordaçar a imprensa e a internet, privando-nos a todos da liberdade de opinião, dos principais pilares de uma democracia firme. Promoveu a cultura dos trabalhadores que, como sabemos, prega o ressentimento, separa e confronta, acirrando a luta de classes. A participação de membros do governo ou dele beneficiários em confrontos de rua, agindo como vândalos, tenta desacreditar um movimento que brotou da indignação dos brasileiros. Todo esse descalabro sem nome sedimentou-se e expandiu-se ao longo desses últimos dez anos sem que nos déssemos conta da sabotagem do PT contra a democracia e o seu empenho incansável em domesticar a opinião e manietar a imprensa, sempre em seu ansiado projeto de transformação do Brasil em um gulag bolivariano.
 
Em resumo, o PT tem sido uma peste em nossas vidas. E, se Hannah Arendt tivesse conhecido essa realidade que todos de alguma maneira vivenciamos a cada momento, diria: Quem sobreviver ao lullismo viverá entre ruínas.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO



Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O MINISTRO BARROSO BARROSEOU...

 
Honório de Medeiros
 
O ministro Barroso afirmou que "a corrupção é um mal-em-si". Criou uma nova categoria de "mal": o mal que é-em-si, ou seja, não é criação humana, do qual faz parte a corrupção. Vamos lá, ministro, NOS ILUMINE: quais são os tipos de mal que são criação humana, e quais são os tipos de mal que o são-em-si-mesmo, além da corrupção?

O LAMENTO DE UM DINOSSAURO



Publicado em 20/10/2012 

MÁRIO CHIMANOVITCH 

Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum momento algo muito importante se rompeu e ninguém lhe deu a menor importância.
Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem mais novos do que os demais.
Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou sobrando.
Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a coisa complica.
Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.
Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou. Desempregado desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte.
Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém.
Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo. A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e a minha própria história.
Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.
MÁRIO CHIMANOVITCH, 67, é jornalista há 44 anos. Repórter investigativo, cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo.  Transcrito do blog Montbläat.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A CONSTITUIÇÃO É O QUE O STF DIZ QUE ELA DEVE SER, NÃO AQUILO QUE QUEREMOS QUE ELA SEJA

Honório de Medeiros


 Uma das lições a ser extraída do julgamento do Mensalão diz respeito ao Direito, mais especificamente ao Ordenamento Jurídico brasileiro e à forma de interpretar as normas que o constituem.
A lição é simples: a interpretação de uma norma jurídica, ou de um conjunto de normas jurídicas, poderá ter qualquer feitio, seja qual seja ele.
Em linguagem coloquial: uma norma jurídica está para uma nota musical assim como um conjunto de normas jurídicas está para uma partitura. Imagine-se, então, uma mesma composição musical sendo interpretada de infinitas formas por infinitos músicos.
Isso lembra, por exemplo, um show antológico de Sivuca, interpretando o frevo “Vassourinhas”, a música “oficial” do carnaval pernambucano, de acordo com o “padrão” musical japonês, chinês, russo, francês, sueco. Ou o carro que vende bujões de gás alertando a vizinhança com acordes da Quinta Sinfonia em ritmo de forró.
Ou seja, a interpretação da Constituição Federal Brasileira, por exemplo, vai depender, sempre, da correlação de forças entre os ministro do STF.  Nada impede que com as próximas escolhas de Ministros a serem feitas pelo Executivo, assuntos até então considerados “pacificados” tenham o entendimento da Corte radicalmente modificado. Como aconteceu logo depois com o conceito de "direito adquirido", violentado, apesar de "cláusula pétrea", para permitir a cobrança de contribuição previdenciária aos aposentados.
Outra lição a ser extraída diz respeito à conduta dos Ministros e é, praticamente, um corolário da anterior.
A lição é a seguinte: é impossível discernir, FORMALMENTE, se e quando fatores extrajurídicos preponderam na interpretação a ser realizada.
Trocando em miúdos: o intérprete escolhe o resultado que almeja e usa a interpretação, dando-lhe a roupagem técnica adequada ao caso, para alcançá-lo.
Como quando queremos tocar a mesma Quinta Sinfonia de Beethoven em ritmo de rock, e não de forró, e fazemos a adaptação.
Essa lição também deixa, por sua vez, outro corolário: fica claro que a suposta cientificidade do Direito é um discurso ideológico; e fica claro que a interpretação da norma jurídica é sempre conjuntural.
Como superar esses obstáculos em termos de democratização do processo?
Mobilizando a Sociedade contra o Estado. Atualmente o Estado manieta a Sociedade. É preciso que a Sociedade maniete o Estado. Denunciando a suposta supremacia técnica dos intérpretes pagos pelo Estado.
Em uma Sociedade organizada, os intérpretes das normas jurídicas não serão mais supostos detentores de verdades que eles criam e nos apresentam como sendo apreendidas a partir de essências inatingíveis pelos mortais comuns, tais quais o “Justo”, o “Certo”, o “Bom”.
Como a realidade é cambiante, principalmente e mais que nunca hoje em dia, qualquer veleidade quanto a uma interpretação que fira os interesses da Sociedade deve ser vigorosamente rejeitada.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

FRANÇOIS ABSOLVIDO MAIS UMA VEZ


 
François Silvestre
 
 
Lembram da notícia divulgada sobre mais um processo movido contra mim e o espólio de Décio Holanda? Pois bem. Eu os chamei de Urubus Fascistas, num artigo no Novo Jornal. Esse processo foi julgado. Fomos absolvidos eu e o espólio de Décio Holanda, acatada a defesa feita por Francisco Nunes e Ésio Costa.
 
Nas duas últimas semanas fui absolvido duas vezes, numa Ação Criminal e noutra Ação de Improbidade, na Vara da Fazenda Pública. Engraçada a isenção noticiosa da nossa imprensa. Inclusive deste Portal do qual faço parte. Um parecer aluado de um promotor Junto ao TCE; junto, no sertão, significa amigado, mereceu destaque por doze horas neste Porta No Ar, tudo porque inocentava o irmão de Wilma de Faria, na sacanagem do Foliaduto. E para inocentá-lo precisava o rapaz do MP/TCE de um culpado. Quem? Eu.
 
Na província não é difícil apurar os interesses. Eu conheço os interessados e não tenho nenhuma dificuldade em apontá-los. É só uma questão de tempo e propriedade.

Enquanto isso vou sendo absolvido regularmente pela Justiça do meu Estado. Esse é o quinto processo de derrota do fascismo. E não vejo nenhuma notinha sobre as absolvições. Quanto ao relatório do Foliaduto, no TCE, tô esperando intimação para desmoralizá-lo. Como desmoralizarei qualquer cretino ou cretinice que se oponha à minha dignidade pessoal.
 
O que me deixa triste é ver a nossa imprensa se declarar isenta e desmentir-se na mais comezinha declaração diária de escolha facciosa. Parecer sem contraditório vira manchete. Absolvição, mesmo de primeira instância, nem é considerada. É imprensa ou festa? É imprensa ou partido? É notícia ou escolha? Se colhem do fórum o que interessa para manchar, porque de lá não buscam as notícias que apagam as manchas?
 
Não peço favor, exijo notícia. E imprensa séria não briga com a notícia. Se noticiou o que macula tem obrigação de noticiar o que inocenta.

O "SALTO TRIPLO CARPADO HERMENÊUTICO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO"


Do http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/lewandowski-acaba-de-decretar-que-a-constituicao-e-mero-texto-%E2%80%9Cformal%E2%80%9Dou-salto-triplo-carpado-hermeneutico/
 

Publicado em 25/04/2012

 

Por Reinaldo Azevedo 

O ministro Ricardo Lewandowski acaba de dar a chave da aprovação da política de cotas — para negros ou quaisquer outras “minorias” que as reivindiquem, quero crer. A igualdade de que fala o Artigo 5º da Constituição, segundo ele, tem sentido meramente “formal”. Haveria uma contradição entre essa “formalidade” e o “sentido material da igualdade”. Para tanto, depreende-se de seu raciocínio, é preciso promover a desigualdade.
Como diria o ministro Ayres Britto, também pró-cotas e ora presidente do tribunal, é o que se chama “salto triplo carpado hermenêutico” e retórico. Também é o princípio do fim de qualquer fundamento constitucional. Se o que está na letra da Constituição, justamente num artigo que é cláusula pétrea, é só uma formalidade em contradição com a vida, então onde está a garantia jurídica? De fato, estão julgando mais do que cotas. Em julgamento, está a Constituição.
Celso de Mello acaba de fazer um aparte à fala de Lewandowski; concorda com os argumentos do colega e os reforça. Os ministros não são idiotas. Sabem que estão recorrendo ao tal “salto triplo carpado hermenêutico”. Por que o fazem? Em alguns casos, é ideologia mesmo; em outros,  medo. Não vão querer comprar brigas com as minorais influentes.
Em todas as democracias do mundo, as cortes supremos funcionam como um filtro: asseguram a legalidade, a despeito das muitas vozes em conflito na sociedade — o que é normal e saudável. O STF brasileiro é hoje refém de grupos de pressão organizados. Como o silêncio, perdoem-me a tautologia, é característica das maiorias silenciosas, as minorias buliçosas vão arrancando seus privilégios.
De hoje em diante, está estabelecido: a Constituição é aquilo que a maioria de turno do STF disser que é a Constituição. E ponto! Soberano não é o povo. Soberana não é a Constituição. Soberano é o STF — eventualmente, a história dirá, sob a gerência de um partido.
 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A CONSPIRAÇÃO DOS DERROTADOS (JOAQUIM BARBOSA PODE RENUNCIAR)




Carlos Chagas
 

Serão desastrosas as conseqüências, se  os mensaleiros conseguirem convencer a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal a iniciar o segundo tempo do julgamento do maior escândalo político nacional, dando o dito pelo não dito e o julgado por não julgado, na  apreciação dos embargos apresentados até quinta-feira. 
Primeiro porque será a desmoralização  do Poder Judiciário, tendo em vista que os réus já foram condenados em última instância, em seguida a exaustivas investigações e amplas condições de  defesa. 
Depois, porque como reação a tamanha violência jurídica,  Joaquim Barbosa poderá renunciar não apenas à presidência do Supremo, mas ao próprio exercício da função de ministro. Esse rumor tomou conta de Brasília, ontem, na esteira de uma viagem que o magistrado faz a Costa Rica, de onde retornará amanhã. Se verdadeiro ou especulativo, saberemos na próxima semana, mas a verdade é que Joaquim Barbosa não parece capaz de aceitar humilhações sem reagir. Depois de anos de trabalho  como relator do processo, enfrentando até colegas de tribunal, conseguiu fazer prevalecer a Justiça, nesse  emblemático caso  em condições de  desmentir o mote de que no Brasil só os ladrões de galinha vão para a cadeia. Assistir de braços cruzados a negação de todo o esforço que ia redimindo as instituições democráticas,  de jeito nenhum. 
Em termos jurídicos, seria a falência da Justiça, como,  aliás,  todo mundo pensava antes da instauração do processo do mensalão. Em termos políticos, pior ainda: será a demonstração de que o PT  pode tudo,  a um passo de tornar-se  partido único num regime onde   prevalecem interesses de grupos encastelados no poder. Afinal, a condenação de companheiros de alto quilate, por corrupção, ia revelando as entranhas da legenda que um dia dispôs-se a recuperar o país, mas cedeu às imposições do fisiologismo. 
Teria a mais alta corte nacional mecanismos para impedir esse vexame? Rejeitar liminarmente os embargos não dá, mas apreciá-los em conjunto pela simples reafirmação de sentenças exaustivamente exaradas, quem sabe? Declaratórios ou infringentes, os recursos compõem  a conspiração dos derrotados.

domingo, 11 de agosto de 2013

IVES GANDRA E O ATIVISMO DO STF



Por Ives Gandra Martins
 
"Penso que o ativismo judicial fere o equilíbrio dos Poderes e torna o Judiciário o mais relevante, substituindo aquele que reflete a vontade da nação." 

Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional. Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não como julgadores. 
À luz da denominada “interpretação conforme”, estão conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes. 
Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente, deputado Ulysses Guimarães. 
Lembro-me que a ideia inicial, alterada na undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime parlamentar italiano, foi adotada. 
Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez declarada a omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção se não a produzisse. 
Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência para legislar. 
Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo que ferisse sua competência. 
No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo – entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os próprios constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual. 
Aos pares de mesmo sexo não se excluiu nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era – para os constituintes – uma família. 
Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França, em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar. 
Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros – e não por um homem só -, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante dos três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão representadas. 
Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante do que ser politicamente correto. 
Sinto-me como o personagem de Eça, em “A Ilustre Casa de Ramires”, quando perdeu as graças do monarca: “Prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino”. 
* Ives Gandra Martins é professor emérito da Universidade Mackenzie e presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio.