Publicado em 20/10/2012
MÁRIO CHIMANOVITCH
Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava
na unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos
conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum
momento algo muito importante se rompeu e ninguém lhe deu a menor importância.
Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos
disputam a honra de serem mais novos do que os demais.
Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser
inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis
louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa
história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou sobrando.
Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que
cada campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada
vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e
prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não
arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é
tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas
criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua
própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte,
por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a coisa complica.
Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a
experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como
eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles
que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico
descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.
Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o
muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e
reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou. Desempregado desde 2007,
sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos meus limites.
A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos não resistiram e acabaram
sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte.
Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência
toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo
imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém.
Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que
parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a
vantagem de que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos,
no meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo. A informação
brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento
tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder
navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e a
minha própria história.
Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa
de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um pé
de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me
oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.
MÁRIO CHIMANOVITCH,
67, é jornalista há 44 anos. Repórter investigativo, cobriu conflitos no
Oriente Médio, na África e na Amazônia. Publicado originalmente na Folha de S.
Paulo. Transcrito do blog Montbläat.
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