sexta-feira, 14 de novembro de 2025

VAI DAR CERTO!


 

* Honório de Medeiros



- Vai dar certo. Mas só três vezes.

- Três?

- Não se lembra? Eu lhe disse. Mais que três fica perigoso. Uma já é perigoso. Três é bom, se tudo der certo: a primeira para experimentar; a segunda para se saciar; a terceira para se despedir.

- Você é muito esquisito.

- Vai ver que é por isso que você me quer. Ou será que é porque eu sou inteligente, lindo, elegante, charmoso, cheiroso?

- Bicho besta...

- Então, topa? E feche essa porta, mulher, você sabe como são as pessoas neste escritório, basta um nada para fazerem um tudo.

- Topo. E vou logo lhe dizendo: topo mundo pensa que você me come, que come a estagiária.

- Isso aí não tem como evitar, mas tem como manipular.

- Lá vem você.

- Não esqueça tudo que conversamos, viu? Depois das três é cada qual pra seu canto, somente fica a amizade...

- Não precisa ficar dizendo isso o tempo todo.

- É só para deixar bem claro. Você sabe, eu não sou muito de acreditar que uma menina nova e bonita como você queira ir pra cama comigo, um cinqüentão, só porque tem tesão em mim. Se fosse mais velha, eu não dizia nada, mas é muito nova. Será que é froidiano, seu caso?

- Que porra é isso?

- Deixa pra lá.

(...)

- Por que você não atende minhas ligações?

- Não estou atendendo?

- Sim, mas faz muito tempo que estou tentando. E eu que não queria acreditar que você só ia sair mesmo três vezes comigo...

- Eu lhe disse! A gente conversou, tá lembrada?

- Você pode ter comido muitas mulheres, mas não entende nada de coração feminino. Não se mancou que eu estava mesmo afim de você?

- Eu lhe disse que não acreditava nessa história.

- Você não queria acreditar, só queria me comer. Quer dizer que não quer mesmo mais saber de mim?

- Eu lhe expliquei mil vezes. Não dá certo. Eu não vou acabar meu casamento e arranjar inimizade com meus filhos por conta de um caso. Eu lhe disse: não é bom para mim nem para você.

- O que é bom para mim só eu sei. Egoísta!

- Não é isso, eu bem que não queria essa história, você que insistiu, insistiu...

- Quer dizer que não tem jeito?

- Você sabe que não.

- Isso não vai ficar assim!

(...)

- O que é que você tem?

- Nada não, só estou meio chateado, meu amor.

- Com quê?

- A liberdade que uma estagiária lá no escritório vem tomando comigo.

- Como é que é? E porque não botam ela pra fora?

- Ela é muito competente e é quem faz o trabalho todo do sócio novo. Fica chato eu persegui-la. E perigoso. Vão pensar que eu quis dar em cima dela e ela não me deu bola. Você sabe como é escritório que tem estagiárias bonitas. Semana passada o pessoal estava falando em câncer de pele e eu disse que tinha muito medo desse negócio, e que tinha um sinal do tamanho de um feijão do lado esquerdo do pênis, vivia mostrando à dermatologista. Sabe o que ela me disse depois, no corredor?

- O quê?

- Então, doutor, muita mulher já viu esse feijão, não foi?

- E você?

- Dei-lhe um carão grande. Não gostei da intimidade. Por azar algumas colegas dela escutaram. E não gostei de como ela me olhou...

- Deixe isso prá lá. Mas cuidado, eu estou de olho...

- Não brinque com isso não.

(...)

- Pois é, você pode até não acreditar no que eu estou dizendo, mas eu tive mesmo um caso com seu marido e tudo só acabou porque ele me enganou, prometeu que ia lhe deixar e ia viver comigo, e o tempo foi passando e nada.

- Olhe, não acredito em nada disso que você está me dizendo, e até em respeito a ele eu vou desligar. Você procure tratamento especializado, seu problema é psicológico, talvez psiquiátrico.

- Vc está dizendo que eu sou doida, é? Pois eu vou lhe provar, p-o-pro-provar, que não estou mentindo. Você conhece bem os atributos do seu marido, não é? Pois eu vou lhe provar: ele tem um sinal, mais ou menos do tamanho de um feijão, do lado do pau. Agora me diga, tive ou não um caso com ele?

- Desista, querida. Ele me disse, um dia desses, duas coisas: que estava muito chateado com uma estagiária que estava se botando para cima dele, faltando com o respeito, e que descobrira isso quando contou, no escritório, que tinha muito medo de sinais, de câncer de pele, e que tinha um do tamanho de um caroço de feijão perto do pau, como diz você. Eu chequei a história. Me disseram que o sócio dele e a estagiária estavam na hora. Confirmei tudo. Você saiu do escritório porque é oferecida demais. Vive se oferecendo pra tudo quanto é homem que tenha dinheiro. Vá com Deus e mude de vida.

- E você acreditou nesse teatro? Não percebe que ele planejou tudo? Tem nada não: nada melhor que um dia após o outro com uma noite pelo meio. Acorde logo. Se demorar, você vai se lascar.

(...)

- Sabe de uma coisa?

- O quê?

- Eu acho que você comeu a estagiária.

- Você é doida, é?

- Intuição, meu filho, intuição! Mas como eu não posso provar nada...

- Se fosse verdade, o que você faria?

- Ah! Essa vai ser sua angústia. Agora eu lhe digo: você iria chorar lágrimas muito amargas...

- Crie juízo, mulher!


honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

OBSTÁCULOS NO CAMINHO DE GESTÕES PÚBLICAS

 



* Honório de Medeiros


Os servidores públicos, no geral, são os verdadeiros heróis nesta imensa bagunça que é a máquina estatal brasileira. 

Altruístas, competentes, dispostos, quando o são, carregam o piano, muito embora, o mais das vezes, não vejam seus esforços serem recompensados. 

Mal pagos, não recebem elogios; são preteridos por carreiristas; estão sempre no centro daquele evento nefando que é a cara da nossa administração pública: quando acertam, o mérito é do chefe, quando erram, a culpa é deles. 

Entretanto, há o outro lado da moeda: parte dos servidores públicos, como em qualquer instituição, são venais; outros, podem não o ser diretamente, mas se omitem, e sua omissão é danosa. 

Veem o errado acontecendo e, qual avestruzes, escondem a cabeça no buraco mais próximo,por medo. 

Não estamos abordando, aqui, o caso daqueles que por cansaço, desencanto, preguiça, mal costume, e assim por diante, impedem que haja qualquer tipo de avanço na administração governamental. 

Há, também, um outro tipo de servidor que é muito prejudicial ao serviço público, qual seja aquele que por compromisso ideológico ou mera opção “tribal” pelo grupo político derrotado, cuida de solapar diariamente a o novo governo. 

É sabido por quem quer que tenha alguma experiência na administração de pessoas na gestão pública, que esse tipo de servidor é um dos maiores obstáculos, ao lado dos corruptos, na implementação de reformas administrativas, ou mesmo de ações, projetos ou programas governamentais. 

O mais das vezes são órfãos de governos anteriores, às vezes oligárquicos, ou têm um projeto específico de natureza ideológica a ser alcançado.

E, por assim serem, criam obstáculos, engavetam documentos, fazem circular indefinidamente decisões que impliquem em ações, projetos e programas importantes, levantam dificuldades inexistentes, criam cizânias no ambiente de trabalho, solapam deliberadamente... 

São o joio entre o trigo (Mateus 13:24-30). 

O gestor público, ao exercer qualquer cargo que implique em tomada de decisões, precisa estar extremamente atento ao acontece no ambiente no qual exerce seu comando.

Às vezes seu órgão é pequeno, mas tem a imensa capacidade de atrapalhar toda a administração. 

Há meios eficazes para eliminar ou conter esse problema. Um deles é o critério do mérito; outro, o do controle; por fim, o último, o da punição. 

Qual o mais apropriado? Os três?


* honoriodemedeiros@gmail.com
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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

LIBERDADE E CONHECIMENTO

 



* Honório de Medeiros


Uma das consequências do mundo virtual de hoje, ou pós-modernidade, se assim o quiserem denominar, é que somos todos ignorantes no geral e conhecedores no particular. 

Sabemos cada dia mais acerca de cada dia menos, e, nesse ritmo, talvez saibamos, um dia, individualmente, quase tudo acerca de quase nada.

Isso me lembra algo vivido na adolescência: um Congresso Internacional de Fitopatologia, promovido pela Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), para o qual se anunciou a presença de um belga, professor-doutor, especialista na reprodução de um tipo de mosca sazonal, somente existente em nossos litorais.

Ou seja, sabia quase tudo acerca de quase nada.

A verdade é que nosso cérebro possivelmente não suporte fazer a síntese de todo o conhecimento específico ao qual temos acesso, para então estabelecermos generalizações consistentes.

Os troncos que compõem o nosso conhecimento comum, Marx, Freud, Darwin, Einstein, e alguns (poucos) outros, para ficarmos no século XX, breve estarão de tal forma diluídos na nossa memória, que o conhecimento específico possível e atual, consequências dessas teorias fundantes, de tão afastado do original que o precedeu, dele somente guardará, se guardar, pálida lembrança.

É o que se observa, por exemplo, nas citações de trechos descontextualizados de pensadores, possíveis de serem encontrados em trabalhos acadêmicos, com os quais guarda vaga relação.

Vejamos o exemplo da produção dita científica nos mestrados e doutorados, hoje: de tão especializada se apresenta que seus elaboradores passam a ver a realidade por um olho só, quando deveriam ser como Ladão, o dragão com corpo de serpente da mitologia grega, guardião do Pomo das Hespérides, que tinha cem olhos.

Caso queiramos pensar em profundidade, estabelecendo as conexões possíveis do presente com o passado intelectual da espécie humana, teremos sempre que nos reconstruir teoricamente, buscando reiteradamente nossas fundações intelectuais, em uma escala que não tem fim, dado o conhecimento existente.

Onde iremos parar?

Não há tecnologia que nos permita esse maciço empreendimento de inferências, de intuições e deduções, partindo-se de premissas gerais que nos conduzam às conclusões possíveis, após relacioná-las com as infinitas possibilidades que são os fatos ou fenômenos atuais.

Talvez os computadores quânticos consigam, no futuro, mas até onde se sabe, não dispõem da célula-mater, a intuição.

Experimentem teclar, por exemplo, no Google, o verbete “marxismo”, e constatem a quantidade de textos ao qual o leitor tem acesso!

Assim, em consequência, encastelados em nichos de saber, seremos cada vez mais manipuláveis, posto que os fundamentos do conhecimento que alicerçam nossa compreensão acerca do que nos cerca, como a questão da liberdade, está se esgarçando rapidamente.

Acaso as novas gerações se dão conta das causas e do contexto no qual surgiu a discussão acerca da liberdade?

Sabem do titânico choque de ideias entre Platão e os Sofistas no que diz respeito à relação entre o Homem e sua Realidade Moral? Entendem que a vitória de Platão e o consequente exílio intelectual dos sofistas conduziu a civilização ocidental a um longo período de trevas no que diz respeito à liberdade?

Esgarçamento que ocorre, também, em decorrência da necessidade inexorável de vivermos vertiginosamente uma realidade que não compreendemos, de tão fugaz e complexa, de não podermos parar para compreendê-la, o que torna possível a reconstrução diária, por parte de quem controla a mídia, ao seu gosto e interesse, do sentido do que seja liberdade.

Esse é o processo do qual são criadores e criaturas as elites dominantes.

Não vivemos uma plenitude intelectual; sobrevivemos enquanto espasmos.

Somos iludidos e nos auto-iludimos. Estamos hoje tão nus intelectualmente falando, no que diz respeito ao conhecimento geral, quanto nossos ancestrais mais remotos, quando lutavam em meio hostil, caçando e coletando, muito embora as selvas, os desertos e o gelo, onde nos debatemos hoje, sejam de outro tipo.

Como não podemos Conhecer, com C maiúsculo, somos manipuláveis.

Somos crianças com os conhecimentos específicos necessários para sobrevivermos e alimentarmos a realidade que nos nutre e da qual nos alimentamos. Sabemos, como dito acima, cada dia mais acerca de cada dia menos. Sabemos quase tudo, cada dia, sobre quase nada. Este é nosso destino, nossa glória, nosso ocaso...

E como sabemos cada dia mais acerca de cada dia menos, e somos impelidos a tal, e aceitamos, para sobrevivermos na superfície da realidade, com uma extrema especialização, perdemos o contato com o restante do todo, e, em nossa ignorância quanto a esse fato, nos curvamos aos que vêm nos dizer o que nós somos e como devemos fazer em relação às pessoas, às coisas e aos fenômenos.

Somos instados, manipulados, a não perguntarmos acerca do que nos dizem ou escrevem, para não escutarmos que se não nos perguntamos acerca do que conhecemos, porque devemos indagar acerca do que não conhecemos?

Cada qual com seu cada qual. É dessa forma, por exemplo, que as finanças públicas, constituídas pelo nosso suor, às vezes nosso sangue, são um verdadeiro mistério.

"Razões de Estado", dizem. O que é uma "Razão de Estado"? Qual Estado queremos?

Viveremos, no futuro, como os seres humanos de Matrix, sonhando que viviam, quando viviam para sonhar, enquanto a máquina que os mantinha imersos em sonhos, e que é uma alegoria do Estado, se nutria desse sono eterno?


* Arte em vedanta.pro.br
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