sábado, 30 de novembro de 2013

QUANTOS DEGRAUS TEREI QUE SUBIR PARA ENCONTRA-LO, Ó SENHOR!

 

AS CABEÇAS TROCADAS E A FUGA DO DIREITO NO TRE-RN

Carlos Santos


Como não poderia deixar de ser, os rodeios, labirintos, escapismos, contorcionismos e malabarismos que campeiam no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) vão se transformar em denúncia. O caso deverá ser formalizado à Corregedoria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
 
Ouvimos essa informação de uma fonte credenciada e influente, com livre trânsito nos corredores do mundo forense potiguar.
 
 
 
 
O julgamento que nunca chega ao fim na corte eleitoral, de variados recursos, deixou de ser simples emperramento processual ou esperteza de hábeis processualistas, para se transformar em aberração jurídica e desdém à própria sociedade.
 
O ridículo com pompa é, assim mesmo, ridículo.
 
Até para um leigo, fica fácil perceber que estamos diante de uma chicana (abuso de recursos, sutilezas e formalidades na Justiça com finalidade de adiar decisão).
 
Em benefício de quem? Por quê?
 
Um estudante de Direito que acompanhou as mais recentes sessões dessa corte deve se sentir deslocado. Perceberá a nítida distância entre o que é ensinado na academia e o que existe na prática.
No TRE temos de tudo, menos o direito – deve imaginar o outrora utópico acadêmico.
O tal “direito” saiu há tempos pela porta dos fundos, como um anjo torto ou quasímodo moral, se esgueirando por corredores, salas e escadarias até alcançar a rua. Por vergonha, medo ou sabe-se lá por qual razão… sumiu.
 
Deve estar nas mãos de algum julgador que em vez de julgar, se transformou em estafeta, espécie de ASG (Auxiliar de Serviços Gerais) em tráfego de papeis de grandes causas.
 
A vida de milhares de cidadãos e instituições públicas, em alguns municípios, ficam à mercê da boa vontade de umas poucas pessoas engravatadas.
 
Só para lembrar: todos, sem exceção, são servidores públicos; muito bem pagos, que se diga.
 
Em seu Olimpo, não são deuses ou demiurgos. São mortais que não têm o direito de fazer, do Direito, um direito próprio, particular, a seu tempo e hora ou sem hora para acabar.
 
Não defendemos a condenação de A ou B. Cobramos, como cidadãos, o julgamento célere, límpido e translúcido, sem macaquices e firulas ou mesmo sob amparo de desculpas esfarrapadas.
 
Culpado, condene-se. Em contrário, absolva-se.
 
A justiça que tarda, que se arrasta, por si só já é injustiça.
 
No TRE do RN, ela fez morada, como aquela coruja de olhos arregalados que dá um giro de 360 graus no próprio pescoço, mas nada vê à luz do dia.
 
Sem pressa, mantém seus hábitos crepusculares e noturnos, quando aí enxerga tudo que lhe interessa.
 
A corte eleitoral faz-nos desembarcar no romance “As cabeças trocadas” de Thomas Mann. “Sita”, protagonista, mergulha em dúvidas quanto à predileção mais sensata à sua vida. Fica entre duas preferências em questionamentos atrozes.
 
O final é trágico e didático. Prefiro não contar aqui. Leia.
 
Que o TRE bote a sua cabeça no lugar e faça a mais sensata das escolhas: a devoção ao direito.
 
Só isso.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A MORTE DO CANGACEIRO (UMA CRUZ NA BEIRA DA ESTRADA)





Honório de Medeiros

 


A cruz de aroeira, carcomida pelo tempo – teria quase oitenta anos, repousa sob uma plataforma de tijolos grosseiros que alguma alma caridosa houve por bem construir à margem da muito antiga estrada do cajueiro, que liga Limoeiro a Mossoró. Originariamente, percebe-se facilmente, a cruz estava plantada diretamente no solo calcário. Hoje, inclusive, existe uma pequena cavidade por trás da cruz, construída com tijolos, talvez para receber velas.

Um pouco à esquerda, uma oiticica centenária zomba da fragilidade humana derramando sua sombra testemunha daquele dia fatídico. Mais além, um denso mar de algarobas, marmeleiros, juremas, mufumos, todos acinzentados pelo pó que o vento quente revolve, dá uma precisa noção do tipo de homem que é capaz de enfrentá-lo: o sertanejo!

Ali estava sepultado um tipo de sertanejo que já não existia mais. Pelo menos como nos moldes de antigamente. Um cangaceiro. Menino de Ouro? Alagoano? Dois de Ouro? Az de Ouro? Não é provável que sejam os dois primeiros, por que há relatos de fontes primárias quanto à presença deles em episódios posteriores envolvendo o cangaço. A dúvida é: qual dos dois restantes? Dois de Ouro ou Az de Ouro? Se obedecermos à ciência, que nos manda respeitar o testemunho de quem presenciou os fatos, a tendência é que tenha sido Dois de Ouro.

Naquele dia fatídico, fugindo a passo acelerado de Mossoró, onde perdera Colchete e Jararaca, Lampião carregava consigo, tomado por dores cruciantes, esse cangaceiro que teria sido atingido por uma bala que lhe destruíra o nariz. Bala essa disparada por quem guardava os fundos da casa do Coronel Rodolpho Fernandes, respondendo ao ataque desferido sorrateiramente por comandados de Massilon, enquanto Jararaca, Colchete, e outros, ensandecidos por cachaça e adrenalina, distraiam os defensores postados à frente do casarão do Prefeito.

Lampião já parara em uma casa humilde – esse episódio é por demais conhecido – e obtivera água e sal para lavar o ferimento. Coberto de sangue, com a cabeça envolvida por um lenço sujo, o cangaceiro, entretanto, não conseguia continuar. E, à sombra da oiticica, decidiu morrer. Pediu que lhe matassem – não queria continuar. Fera tinha sido, fera era, morreria como fera. Nisso se assemelhava a qualquer samurai, que vivia para morrer, órfão do culto à batalha, às armas, e à violência.

Após muita discussão um tiro reboou no silêncio pesado da caatinga. Um seu companheiro o executou e o sepultaram em cova rasa.

No entorno da sepultura há muitas pedras – calcário. São pedras milenares. Testemunharam tudo. Pudessem relatar o que viram e ouviram contariam a nós acerca daquele momento tenebroso. Saberíamos, talvez, quem de fato teria sido o cangaceiro executado a pedidos. Diriam a nós um pouco mais acerca desses homens-feras que não temiam a morte, a sede, a fome, caminhadas sem fim por sobre um chão inóspito, debaixo do sol inclemente, fendendo a braçadas a caatinga áspera.

Não temiam os inimigos naturais – as volantes, os “macacos”, a resistência, quando havia, dos habitantes do Sertão a quem atacavam. Não temiam a traição permanente dos coiteiros e coronéis com os quais constituíam essa página da história do Brasil recém saído da monarquia. Não temiam a morte. Não temiam nada.

Para esse cangaceiro desconhecido deixamos nossa perplexidade, algumas orações, muitas perguntas não respondidas e uma vela acesa, solitária, com a chama a teimar, trêmula, em sobreviver lutando contra o vento quente do Sertão.

Passados todos esses anos, quase um século, sua lembrança sobrevive na curiosidade de alguns apaixonados pela história do cangaço, coronéis, cantadores de viola, repentistas, místicos, jagunços, fanáticos, almocreves, todos que construíram a saga dos antepassados fundadores da cultura sertaneja nordestina, na terra sagrada por onde perambulou Lampião, Padre Cícero, o Coronel Zé Pereira e o grande, talvez o maior de todos, Zé Limeira, o poeta do absurdo...


 

* Arte de Gabriel Ribeiro
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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

REZAR EM TEMPOS MODERNOS

Blaise Pascal
 
 
Honório de Medeiros
 
 
 
Pascal dizia que nada perderíamos se louvássemos a Deus: se Ele não existir, fomos bons, nada perdemos, que se há de fazer? Se existir, tanto melhor, honramos nossa fé.
 

Nos tempos modernos podemos nos dar por felizes ao respeitarmos os valores que a espécie humana construiu em seu processo civilizatório: estaremos rezando assim mesmo e já é o bastante.

Assim minoramos a angústia da dúvida, quando não cremos, ou cremos que não cremos, embora reste, soberana, a dúvida da angústia: não seria indescritível, em sua plenitude, a certeza absoluta, a fé integral, a entrega total que consumia Santa Tereza de Lisieux?
 

Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam.