sábado, 16 de fevereiro de 2013

NAS LÁGRIMAS DE UMA ADOLESCENTE, A ESPERANÇA NO HOMEM



11 DE SETEMBRO E A VIDA


Bárbara de Medeiros


Neste exato momento em que escrevo, as lágrimas caem dos meus olhos como gotas de chuva escorrem em uma janela, e eu tremo com os soluços que já não consigo controlar. Conhecimento mata. Mata sim. E eu sou a prova disso.
 
Porque até aproximadamente duas horas atrás eu estava bem. Sorrindo. Feliz. Sabia que o mal existia, é claro, mas não esperava que ele vivesse tão próximo ou que ele fosse tão poderoso e assustador. Eu era uma observadora passiva de um quadro pintado por outro artista, já manchado pelo tempo. Mas não hoje. Não mais.
 
Não que agora eu seja a artista. Vivemos em um período sem maiores perigos, e mesmo que não fosse assim, quem sou eu para ser alguém? Tenho 14 anos. Sou uma menina. Choro fácil. Apego-me fácil. Machuco-me fácil. Não apresento resistência nem esperança pra ninguém.
 
Mas sou um ser humano. E como ser humano, além de ter capacidade de abstração, também sou capaz de ficar emocionada. De sentir empatia. E é isso que eu sinto. É isso que me faz chorar agora, como não o fazia desde a morte do meu avô.
 
O motivo? 11 de setembro. Não, não a famigerada terça feira de 2001. Refiro-me a uma que ocorreu 28 anos antes, no Chile. Talvez você nunca tenha ouvido falar do que aconteceu. Até pouquíssimo tempo, nem eu sabia.
 
Talvez seja hipocrisia minha. Não chorei (tanto assim) ao saber da Segunda Grande Guerra nem da Primeira. A ditadura militar me irritou mais do que me chateou. Mas o que aconteceu nesse país estrangeiro a tão pouco tempo, paralelamente ao nosso próprio sofrimento também influenciado pelos Estados Unidos (embora em uma escala muitíssimo menor) levou-me ao estado de bebê novamente, em posição fetal aos prantos, sendo consolada pela minha mãe.
 
Não darei aula de história. (Ainda) não sou formada nessa matéria. Se te interessar saber o que aconteceu, assista a esse vídeo, a causa de toda a minha tristeza: http://www.youtube.com/watch?v=nQZ90Dz4OuM&feature=youtu.be
 
 
Somos todos seres humanos. Mas o que leva um de nós a exterminar (ou quase isso) sua própria raça? Inteligentes? Animais inteligentes? Só se for piada. Mais do que lágrimas e soluços de tristeza, eu sinto uma reviravolta no meu estômago que quase me faz vomitar. Nojo. Essa é a principal emoção em mim.
 
Sinto frio e medo. Não pelo passado, já que não podemos mudá-lo, mas pelo futuro. Sinto-me impotente. Assustada. Uma garotinha encolhida que precisa desesperadamente do consolo dos pais. Eu não sabia que era assim. Eu não esperava que fosse assim. Eu não quero que seja assim.
 
Mas a vida engana.
 
E a morte seduz.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

DO ATIVISMO JUDICIAL


 
 
Honório de Medeiros
 

Um dos mitos fundantes que norteiam a nossa concepção liberal de Estado é a do contrato social. Por esse mito cedemos a liberdade que supostamente nos é inerente para que o Estado impeça que nos destruamos uns aos outros.
 
Homo homini lupus, escreveu Thomas Hobbes, o homem é o lobo do homem, o primeiro dos grandes contratualistas. Frase de Plauto, em “Asinaria”, textualmente Lupus est homo homini non homo, expõe a causa-síntese, a constatação que impele o Homem a optar pelo pacto social: em o assegurando, a sociedade regula o indivíduo, o coletivo se impõe sobre o particular, e fica, assim,  assegurada a sobrevivência da espécie.
 
Caso não aconteça o pacto social, bellum omnium contra omnes, guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorreria se imperasse a liberdade absoluta com a qual nasciam os homens, diz-nos, ainda, Hobbes, no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social exposta claramente por Protágoras de Abdera, a se crer em Platão.
  
Essa noção, de pacto ou contrato social, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias, como podemos ler na “Política”, de Aristóteles (cap. III):
 
De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, “uma garantia mútua de direitos”, incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer.
 
E muito embora um estudioso outsider do legado grego tal qual I. F. Stone defenda que a primeira aparição da teoria do contrato social está na conversa imaginária de Sócrates com as Leis de Atenas relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese Licofronte estar correta. É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.
                                     
Entretanto é com Jean Jacques Rousseau, após Hobbes e John Locke, que se firma o mito fundante do contrato social, influenciando diretamente as revoluções Americana e Francesa, bem como o surgimento da idéia de Estado conforme a concebemos ainda hoje. Em “O Contrato Social”, Rousseau põe na vontade dos homens, da qual emana o Estado após o pacto social, a origem absoluta de toda a lei e todo o direito, fonte de toda a justiça. O corpo político, assim formado, tem um interesse e uma vontade comuns, a vontade geral de homens livres.
 
Quanto a esse corpo político, José López Hernández em “Historia de La Filosofía Del Derecho Clásica y Moderna”, observa que Rousseau atribui o poder legislativo ao povo, já que esse mesmo povo, existente enquanto tal por intermédio do contrato social, detém a soberania e, portanto, todo o poder do Estado.
 
As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: são atos da vontade geral, exclusivamente; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.
 
O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo, que detém a soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas 37 do Curso, lê-se:
 
Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral; (...)
 
Assim como é encontrado, expressamente, enquanto cláusula pétrea, imodificável, na Constituição da República Federativa do Brasil, no parágrafo único do seu artigo 1º:
 
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
 
Ou seja, o exercício do poder é do povo, que em não o exercendo diretamente, o faz por intermédio de representantes seus eleitos. Eleitos, sublinhe-se. De onde se infere algo absolutamente trivial: enquanto, digamos assim, os parlamentares são o povo, os juízes são servidores do Estado, essa emanação da Sociedade.
 
Há algo de absurdo, portanto, nessa doutrina do “ativismo judicial” que viceja célere nos tribunais do Brasil, principalmente no nosso Supremo Tribunal Federal.
 
Entenda-se, aqui, como “ativismo judicial”, o “suposto” papel constituinte do Supremo, reelaborando e reinterpretando continuamente a Constituição, conforme afirmação sutil do Ministro Celso de Mello em entrevista ao “Estado de São Paulo”, criando normas jurídicas, seja através da “mutação constitucional”, na qual a forma permanece, mas o conteúdo é modificado, seja por intermédio da identificação de lacunas inexistentes no Ordenamento Jurídico, sempre, em ambos os casos, com fulcro em uma onisciência jurídica que expressa um vaidoso e preocupante subjetivismo, formalizada via uma retórica calcada em princípios abstrusos, confusos e difusos, indeterminados e nada concretos, da nossa Constituição Federal.
 
Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos, disse, arrogantemente, o então presidente do STF Gilmar Mendes, supondo que fora do “habitat” jurídico, estreito por nascimento e vocação, aqueles que têm alguma formação filosófica possam aceitar que em pleno século XXI a Corte Constitucional seja, para os cidadãos, o que a Igreja foi na Idade Média, quando se atribuiu o papel de intérprete do pensamento e da vontade de Deus.
 
Pergunta-se: teria o judiciário legitimidade, levando-se em consideração o que acima se expõe, para avançar na seara do legislativo, passando por cima da soberania do povo em produzir leis através de seus representantes, seja preenchendo lacunas (criando leis), seja alterando o sentido de normas jurídicas, seja modificando, via sentença, a legislação infraconstitucional? Ainda: teria amparo legal o STF para tanto?
 
É autoritário o cerne do argumento que norteia o ativismo judicial. Sob o véu de fumaça que é a noção de que haja um “espírito constitucional” a ser apreendido (interpretado segundo técnicas hermenêuticas somente acessíveis a iniciados – os guardiões do verdadeiro e definitivo saber) está o retorno do “mito platônico das formas e idéias” cuja contemplação e apreensão é privilégio dos Reis-Filósofos.
 
É a astúcia da razão a serviço do Poder. Platão, esse gênio atemporal, legou aos espertos, com sua gnosiologia, a eterna possibilidade de enganar os incautos lhes dizendo, das mais variadas e sofisticadas formas, ao longo da história, que somente “alguns”, os que estão no lugar certo, e na hora certa, podem encontrar e dizer “o espírito” da Lei, o bom e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado.
 
O mesmo estratagema a Igreja de Santo Agostinho, esse platônico empedernido, por séculos usou para administrar seu Poder: unicamente a ela cabia ligar a terra ao céu, e o céu à terra, por que unicamente seus príncipes sabiam e podiam interpretar corretamente o pensamento de Deus gravado na Bíblia, como nos lembra Marilena Chauí em “Convite à Filosofia”:
 
A autoridade apostólica não se limita ao batismo, eucaristia e evangelização. Jesus deu aos apóstolos o poder para ligar os homens a Deus e Dele desliga-los, quando lhes disse, através de Pedro: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as Chaves do Reino: o que ligares na Terra, será ligado no Céu, o que desligares na Terra será desligado no Céu’. Essa passagem do Evangelho de Mateus será conhecida como ‘princípio petríneo das Chaves’ e com ela está fundada a Igreja como instituição de poder. Esse poder, como se observa, é teocrático, pois sua fonte é o próprio Deus (é o Filho quem dá poder a Pedro); e é superior ao poder político temporal, uma vez que este seria puramente humano, frágil e perecível, criado por sedução demoníaca (idem).
 
E, assim, como no Brasil a última palavra acerca da “correta” interpretação de uma norma jurídica é do STF, e somente este pode “contemplar” e “dizer” o verdadeiro “espírito das leis”, aos moldes dos profetas bíblicos, em sua essência última, mesmo que circunstancial, estamos nós agora, além de submetidos ao autoritarismo dos pouco preparados representantes do povo, ao autoritarismo dos ativistas judiciais.
 
OBSERVAÇÃO: acerca da instrumentalização política da interpretação jurídica constitucional, indico o meu “PODER POLÍTICO E DIREITO”; A.S. EDITORES; 2003.
 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

ESTAMOS CONDENADOS AO MAL?


 
Honório de Medeiros
 
De “Um Cigano Fazendeiro do Ar”, densa biografia de Rubem Braga que devemos a Marco Antônio de Carvalho, colho um trecho da carta de João Neves a Borges de Medeiros em 20 de julho de 1932 na qual ele se refere a Getúlio Vargas, todos companheiros muito próximos na Revolução de Outubro de 1930:

“Eu preferia que o Dr. Getúlio Vargas fosse um tirano. Perdôo mais os violentos que os astutos. Mas o nosso ditador é um homem gelado, calculista, escorregadio. Não ataca, desliza. Não enfrenta, corrompe. Não congrega, divide. (...) Desbaratou o poder civil. Desmoralizou o Exército. Aniquilou o sentimento local. Amesquinhou a justiça. Instituiu o regime da delação. Oficializou a vingança contra os que o ajudaram a subir. Esqueceu os compromissos. O favoritismo é uma instituição. A negociata é a regra. Enfim, a República Nova com dois anos de idade incompletos, é mais corrupta do que foi a Velha, com mais de quarenta e um.”

Lembra quem, a vocês?

Em “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, Karl Marx, no primeiro parágrafo, expõe que a história acontece “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Assim como a terceira, a quarta, a quinta...

Do início da história do Homem até os dias de hoje, mudaram os artefatos: antes, as ferramentas de pedra; hoje, a internet. Não mudou o Homem.

Recomendo a leitura de “A Assustadora História da Maldade”, de Oliver Thomson; Prestígio editorial.

História antiga, essa da maldade. Em Thomson, lemos:

“O Egito foi unificado por Menés por volta de 3100 a.c. Talvez o primeiro herói conquistador da história (e mesmo ele era semimítico) tenha sido Horus Ro, do Egito, cujo filho era conhecido como ‘O Escorpião’, príncipe que explorou o medo em grande escala para impor sua vontade. Fundou a Iª Dinastia por volta de 3000 a.C. Em honra às suas vitórias, fez sacrifícios humanos a Ra, o deus do Sol. Seu herdeiro, Horus, supostamente matou 381 prisioneiros de guerra e arrancou a língua de 142. Esse é o primeiro registro de um imperialismo sádico e egocêntrico que reaparece de tempos em tempos nos próximos 5 mil anos.”

Antigo demais, tais fatos, para que chamem nossa atenção? Leia novamente o último parágrafo do texto acima. E, agora, leia o texto abaixo, do talvez maior pensador da modernidade, junto com Noam Chomsky, o sociólogo Zygmunt Bauman, pinçado de “Isto Não É Um Diário”:

“As nações relutam em aprender; e, quando o fazem, é sobretudo a partir de seus erros e equívocos passados, do funeral de suas antigas fantasias. ‘Enquanto o Pentágono rebatiza a Operação Liberdade no Iraque de Operação Nova Aurora’, diz Frank Rich, citando o professor Andrew Bacevich, de Boston, ‘nome que sugere creme para a pele ou detergente líquido’, 60% dos americanos creem – agora – que a Guerra do Iraque foi um engano, mais 10% a condenam como algo que não vale a vida dos americanos, e apenas um em cada quatro acredita que essa guerra o tenha tornado mais seguro em relação ao terrorismo. O custo oficial da guerra para os americanos é hoje (no momento em que o presidente Obama pede aos americanos que ‘virem a página sobre o Iraque’) estimado em US$ 750 bilhões. Por esse dinheiro, cerca de 4.500 americanos e mais de 100 mil iraquianos foram mortos, e pelo menos 2 milhões de iraquianos foram forçados a se exilar, enquanto o Irã acelerou seu programa nuclear, e ‘Osama bin Laden e seus fanáticos’ foram liberados ‘para se reagrupar no Afeganistão e no Paquistão’”.

Estamos condenados...

Que lhes parece?
 
XXX
 
* Arte pinçada em rabiscosdeumlapisdesgastado.blogspot.com

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

DE COMO AQUILO QUE VOCÊ VÊ PODE NÃO SER O QUE VOCÊ PENSA


 
Honorio de Medeiros
Divirti-me muito lendo “A Elegância do Ouriço”, um romance de Muriel Barbery.
Recomendo.
Vou, aqui, editar um trecho do livro que fala acerca da fenomenologia de Husserl. “O quê”, vocês devem ter se perguntado. "Fenomenologia? Em um romance?”
É. Em um romance. E esse trecho prova, para mim, por a + b, que somente a literatura salva a filosofia da chatice dos filósofos.
Leiam:
“Então, a segunda pergunta: que conhecemos do mundo?
A essa pergunta os idealistas como Kant respondem.
Que respondem?
Respondem: pouca coisa.
(...)
Conhecemos do mundo o que nossa consciência pode dizer dele porque isso aparece assim – e não mais.
Vejamos um exemplo, ao acaso, um simpático gato chamado Leon. (...) E pergunto a vocês: como podem ter certeza de que se trata de verdade de um gato, e até mesmo saber que é um gato? (...) Mas a resposta idealista consiste em demonstrar a impossibilidade de saber se o que percebemos e concebemos do gato, se o que aparece como gato na nossa consciência é de fato conforme ao que é o gato em sua intimidade profunda.
(...)
Eis o idealismo kantiano. Só conhecemos do mundo a IDEIA que dele forma a nossa consciência.”
Agora vem a parte que eu considero hilariante:
“Mas existe uma teoria mais deprimente que essa (...)
Existe o idealismo de Edmund Husserl (...)
Nessa última teoria só existe a apreensão do gato. E o gato? Pois é, o dispensamos. Nenhuma necessidade do gato. Para fazer o quê, com ele? Que gato? (...) O mundo é uma realidade inacessível que seria inútil tentar conhecer. Que conhecemos do mundo? Nada. Como todo conhecimento é apenas a autoexploração da consciência reflexiva por si mesma, pode-se, portanto, mandar o mundo para os quintos dos infernos.
É isso a fenomenologia: a CIÊNCIA DO QUE APARECE À CONSCIÊNCIA. Como se passa o dia de um fenomenologista? Ele se levanta, tem consciência de ensaboar no chuveiro um corpo cuja existência é sem fundamento, de engolir o pão com manteiga inexistente, de enfiar roupas que são como parênteses vazios, ir para o escritório e pegar um gato.
Pouco se lhe dá que esse gato exista ou não exista, e o que ele seja na própria essência. O que é indecidível não lhe interessa. Em compensação, é inegável que na sua consciência aparece um gato, e é esse aparecer que preocupa o nosso homem.”
Aí está. Por isso digo para meus alunos que o idealismo radical é a loucura da razão. Fica mais fácil para eles entenderem o grande mistificador que foi Platão. Entender que não existe algo Justo-Em-Si-Mesmo. Entender o uso manipulativo, retórico, das teorias filosóficas. E entender por qual razão os professores de Direito, com algumas exceções, são como os gatos existencialistas...

* Arte de Claude Verlinde 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A MEMÓRIA DOS ESQUECIDOS


  
 
Honório de Medeiros                           
Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o “La Mémoire de L'homme” cumpre sua missão de preservar a história abandonada da humanidade, assim como, na Barcelona arcaica, o Cemitério dos Livros Esquecidos, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón em “A Sombra do Vento”, arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade de cada um de nós ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças, ou a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em “Ficções”, de 1944, que nos fala do mundo  constituído por uma biblioteca sem fim, abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis...
Histórias tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton em “Nos Mínimos Detalhes”:
“Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas.”