quarta-feira, 10 de setembro de 2025
A RETÓRICA É UMA TÉCNICA DE PODER
domingo, 23 de julho de 2023
LEÃO VELOSO
Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Leão Veloso (Pedro Gomes Leão Veloso) nasceu em Itapicurú, Bahia, no dia 1º de janeiro de 1828. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo. Filiou-se ao Partido Conservador e foi várias vezes Deputado Provincial pela Bahia. Presidiu a Província do Espírito Santo, Alagoas, Maranhão e, então, de 1861 a 1863, o Rio Grande do Norte.
Depois, ainda administrou o Piauí, o Pará e, por duas vezes, o Ceará.
Em 1878, foi escolhido Senador do Império pela Bahia. Ministro do Império em 1882 chegou, finalmente, a Conselheiro de Estado em 1889.
O melhor relato acerca de Leão Veloso no Rio Grande do Norte é de Câmara Cascudo, em seu Governo do Rio Grande do Norte[1], no qual consta que ele visitou o interior da província, indo a Mossoró e, em julho de 1862, a Caicó.
É uma informação extremamente suscinta acerca da viagem que a Comitiva Governamental empreendeu ao interior do Rio Grande do Norte, chegando a entrar na Paraíba, visitando Macau, Açu, Acari, Jardim do Seridó, Caicó, Martins, Portalegre, Patu, Pau dos Ferros, e Mossoró.
Nessa viagem, que durou 44 dias, e que começou no dia 16 de julho de 1861, às 8 horas da manhã, no vapor Jaguaribe, fez-se acompanhar por João Carlos Wanderley, inspetor da tesouraria provincial; Ernesto Augusto Amorim do Vale, engenheiro; Manoel Ferreira Nobre, ajudante de Ordens; e Francisco Othilio Álvares da Silva, jornalista, que registrou tudo, em deliciosas crônicas, para o jornal O Recreio[2].
162 anos depois, neste ano da graça de 2023, Honório de Medeiros, André Felipe Pignataro e Gustavo Sobral, em uma comitiva do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), vão refazer o mesmo percurso e, ao final, da mesma forma que a viagem anterior de Leão Veloso originou um relatório governamental, desta vez um outro será apresentado formalmente, por eles, ao Instituto[3].
Cascudo lembra que durante a administração de Leão Veloso, a Província atravessava um período de grande depressão econômica e isso o levou a comprimir as despesas por todos os lados:
Diminuiu até a iluminação pública, cortou três cadeiras do Atheneu, demitiu dezenas de funcionários. Seu “Relatorio” (16-2-1862) é um dos documentos mais completos, elevados e nítidos que possuímos da administração Imperial. Nada conheço superior. A situação financeira era terrível. O funcionalismo estava morrendo de fome, (mas) Leão Veloso, energicamente, enfrentou o problema, atacando despesas inúteis e suprimindo tudo quanto lhe parecia adiável.
Por fim, arremata Cascudo: “Veloso tem (teve) ideias originais e justas”.
Difícil é tirar Leão Veloso do limbo da história. Entretanto, não é possível esquecermos a ousadia de sua viagem, a primeira do gênero no Rio Grande do Norte, que seria repetida no período de 16 a 29 de maio de 1934, pelo Interventor Federal Mário Câmara, em cuja comitiva oficial constavam Anfilóquio Câmara (Diretor geral do departamento de Educação); Antônio Soares Júnior (Prefeito de Mossoró); Alcides Franco (Chefe da segunda seção técnica do Serviço de Plantas Têxteis); e Oscar Guedes (inspetor do mesmo Serviço), e Luís da Câmara Cascudo.
Dessa viagem, surgiu Viajando o Sertão, publicado em 1934 no formato de livro e também como uma série de crônicas no jornal "A República" de 31/05 a 22/07 de 1934.
Pedro Gomes Leão Veloso faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de março de 1902.
[1] CASCUDO, Luís da Câmara. Governo do Rio Grande do Norte. Mossoró, Coleção Mossoroense, série “C”, volume DXXXI: 1989.
[2] Com informações do jornalista e escritor Gustavo Sobral (gustavosobral.com.br).
[3] As peripécias da viagem estão em @comitiva1861
domingo, 16 de julho de 2023
SÉRGIO DANTAS
Sérgio Dantas
é, desde algum tempo, o principal pesquisador e escritor acerca do
cangaceirismo no Rio Grande do Norte, graças à seriedade e talento com o qual
trata do assunto.
Autor
cuidadoso, seus livros se tornaram referências em razão do zelo que é sua marca
registrada, e, aos poucos, sua obra, ou seja, o conjunto dos seus estudos
publicados ao longo do tempo, o creditam, pela relevância, como um nome de
expressão nacional.
Não
há um livro “menor” dentre os que escreveu, seja Lampião no Rio Grande do
Norte; ou Lampião na Paraíba – Notas para a História; passando por Lampião,
o Processo de Martins; Antônio Silvino, o Cangaceiro, o Homem, o Mito; Lampião
entre a Espada e a Lei; até Corisco, A Sombra de Lampião. Todos merecem
ser presença certa na biblioteca de qualquer estudioso do cangaceirismo.
Lampião no
Rio Grande do Norte, cujo subtítulo é “A história da grande jornada”, livro
de estreia de Sérgio Augusto de Souza Dantas, é uma obra seminal, cujo tema
central, o ataque a Mossoró em junho de 1927 liderado por Lampião, é analisado
minuciosamente a partir de informações colhidas durante quatro anos de
pesquisa, perambulações, visitas, entrevistas, cruzamento de informações,
consulta à literatura hoje vastíssima acerca do cangaceirismo. Para coroar, um
valioso acervo fotográfico é colocado à disposição do leitor.
Em relação a
Massilon, cangaceiro cuja importância no ataque é muito relevante, Sérgio
Dantas agregou informações valiosíssimas, dentre elas o “raid” que esse
personagem singular empreendeu nos costados do Jaguaribe e Cariri logo após o
episódio de Mossoró.
Isso significa
dizer que a lenda segundo a qual Massilon, antes da célebre foto de Limoeiro,
Ceará, já se separara de Lampião e teria ido embora para o Norte, não é
verdadeira.
Detalhada, a
história da “jornada” espanta pela riqueza de detalhes. Não por outra razão ficamos
sabendo de cada passo do grupo cangaceiro por todo o território do Rio Grande
do Norte, cidade por cidade, povoado por povoado, sítio por sítio, fazenda por
fazenda.
Os acontecimentos
nas cercanias de Martins e Umarizal, antiga “Gavião”, são relatados com
precisão. E tudo quanto aconteceu em Apodi, antes da chegada de Lampião,
protagonizado por Massilon, recebe tratamento de pesquisador sério e
interessado.
A descrição
geográfica e sociológica dos lugares pelos quais passou o bando de cangaceiros
merece respeito. Através dela é possível perceber o dia-a-dia daquelas
comunidades existentes no início do século XX. Os relatos dos mal tratos,
arruaças, bebedeiras, torturas físicas e psicológicas nos comove e revela a
sensibilidade do Autor.
Quanto
a Antônio Silvino, o Cangaceiro, o Homem, o Mito, somos apresentados a
um cangaceiro cru, recortado do contexto mítico inserido em sua dimensão
humana, sem que restasse perdido tudo quanto o tornou um dos mais interessantes
personagens da trindade básica que forjou a alma sertaneja – o cangaço, o
misticismo, o coronelismo.
Louve-se a
felicidade na escolha do “nome” de cada capítulo bem como o excerto que o
acompanha, próprio para chamar a atenção do comprador desatento, em uma
homenagem ao estilo jornalístico de outrora, e a indicar um texto enxuto, leve,
de parágrafos curtos e bem encadeados.
Chamam a atenção
episódios, trazidos a lume, que por si somente têm dimensão histórica, como a
convivência entre Antônio Silvino e Gregório Bezerra, lendário líder comunista
pernambucano, sua entrevista com Graciliano Ramos, e o assalto à Usina Santa
Filonila na qual morreu Feliciana na flor da idade – crime do qual o cangaceiro
jamais deixou de se arrepender.
O Antônio
Silvino que emerge do ótimo texto de Sérgio Dantas é um personagem emblemático:
é o retrato nítido de uma saga que nos permite identificar e compreender os
nexos causais que originam certa circunstância histórica – o período do
cangaceirismo – e até mesmo ir além, na medida em que também permite
identificar o viés comum a entrelaçá-los, ou seja, a questão do Poder Político.
Basta colocar
esses retratos sobre a mesa e examiná-los com olhar crítico: Antônio Silvino,
Sinhô Pereira, Lampião; Coronel Zé Pereira, Coronel Isaías Arruda, Coronel
Floro Bartolomeu; Pe. Cícero, Beato Zé Lourenço, Antônio Conselheiro, tomando
distância de qualquer tentativa de tentar a lógica do fenômeno a partir de uma
explicação oriunda exclusivamente a fatos alusivos à posse da terra ou luta de
classe.
Afinal,
a ideia antecede a ação. E a ação, antes de tudo, é sempre algo individual.
É difícil
conjecturar se Sérgio Dantas vai se aventurar em novos resgates históricos ou
cuidará de desbravar outras fronteiras. Sua obra tem estado, até agora, entre
um ciclo e outro: a mera narrativa e a pura interpretação, no que diz respeito
à literatura acerca do cangaceirismo.
Talento, não
lhe falta.
A mera
narrativa provavelmente está perto do fim: já não é mais possível, até onde
sabemos, ressalvada a possibilidade de documentos desconhecidos surgirem
inesperadamente, prosseguir com a literatura elaborada a partir de relatos,
fotos, testemunhos ou escritos, ou seja, fontes primárias.
Dos sobreviventes
daquelas “eras” já se extraiu mais do que tudo. Os papéis estão virando pó,
vítimas da ação inclemente do tempo e da incúria das nossas elites.
Um outro ciclo
está surgindo: a interpretação de todos esses dados, ou seja, uma literatura de
tese, iniciado por Frederico Pernambucano de Mello com Guerreiros do Sol, onde
se aliou pesquisa de ponta e interpretação dos fatos.
Esperemos,
então. E que sua obra, importante como é, além dos merecidos elogios semeie
críticas e informações outras, alguma correção de rumo – se for o caso – retornando
ainda mais rica para o acervo dos historiadores e sociólogos do Brasil.
É assim que ocorre quando uma obra deixa de pertencer ao Autor, por sua importância, e passa a fazer parte do referencial bibliográfico ao qual pertence.
domingo, 9 de julho de 2023
FRANKLIN JORGE
A obra literária de Franklin Jorge não
permite uma leitura rápida.
No sentido absolutamente estético,
convida a uma reflexão, suscitada pelo rigor da forma e profundidade de
conteúdo que revela, ao leitor, o paradoxo do máximo, no mínimo.
Como
um jogo de sombras e luz, metáfora da estratégia que o autor usa para nos apresentar
uma realidade constituída de delicados, embora marcantes textos, através de uma
escrita contida, elegante, ele proporciona, ao crítico literário, um ambiente
de análise acerca do artista envolto no ato de criar.
A
análise será refém dos conceitos de exclusão, contenção, reserva. Algo
minimalista. Permite supor que Franklin Jorge constrói, deliberadamente ou não,
uma misteriosa fronteira entre o trivial e o necessário, na qual se exclui o
óbvio e se expõe uma espécie de ascese intelectual.
Assim,
e por esse intermédio, através da leitura de seus textos, é possível
resgatar-se o “modus operandi” da criação estética literária que parece
perdido nos dias de hoje: teremos não mais a trama banal que consiste na
utilização de ícones simplórios, mas, sim, um projeto de arte construído a
partir da negação do superficial, para atingir a essência das coisas.
O
texto de Franklin – seja Ficções, Fricções, Africções – ou qualquer
outro, tem essa alquimia, revela um pouco daquilo que, na arte, é o belo, o
simples, o harmonioso. Nada além, nada aquém. Nem a exuberância da
sofisticação, tampouco o irracionalismo da ausência. Apenas um verdadeiro
impulso de criação.
Mencionei
Ficções, Fricções, Africções, a quem Ascendino Leite designou como
inteligente e personalíssimo, e o comparou aos textos de Camilo José Cela, mas
poderia ser o belo O Spleen de Natal (Romance de uma Cidade), onde
Carlos Peixoto percebeu a cidade invisível da qual nos falou Ítalo Calvino em
sua obra.
Ou,
quem sabe, possa ser O Ouro de Goiás, onde Ubirajara Galli, entusiasmado
com sua leitura, cognominou Franklin Jorge de “O Anhanguera Cultural”,
lembrando, no dizer típico de um goiano, que “da sua colheita, nada se perdeu”.
Bem como o Jornal de Bolso, apresentado por Jaime Hipólito Dantas:
Depois comecei a ler
Franklin Jorge em livros, que ele passou a publicar, aqui e lá fora. Surgiu-me
o poeta e surgiu igualmente o crítico exigentíssimo de artes plásticas. Enfim,
o escritor Franklin Jorge. Com um detalhe, um escritor que principalmente sabe
praticar a arte da boa escrita. Um artesão da prosa, como pouquíssimos, por cá.
Um artista da palavra, sério, sem desleixos visíveis.
Há
outros, tal qual O |Livro dos Afiguraves; Isso é Que é; Fantasmas
Cotidianos, com prefácio do magnífico Antônio Carlos Villaça, o estilista:
Franklin escritor,
Franklin poeta, Franklin puro artista transcende a circunstância e vê o abismo,
convive com o abismo. Vai ao fundo e enxerga longe. Argúcia muita. Um senhor
analista, um mestre da instrospecção. Um ser proustiano.
Todos eles, assim como outras mais, formando uma unidade formal estilística, muito embora com conteúdo diverso, posto que constituído por ensaios, poemas, crítica literária, e assim por diante.
E há, não poderia ser diferente, o meu
predileto: O Verniz dos Mestres (Anotações e pastiches de um leitor de
Marcel Proust) onde, em sua orelha, Franklin logo revela que suas páginas
são egressas de O Escrivão de Chatam, seleção de ensaios curtos
produzidos em mais de cinquenta anos de leitura, que infelizmente ainda não foi
publicado.
Nesse pequeno e denso livro, contendo
dez primorosos capítulos, Franklin Jorge aborda a música, arte e memória,
crítica, imortalidade, comédia humana e escritura em Marcel Proust. Também
escreve acerca do verniz dos mestres, título do livro, ao perscrutar o estilo
do grande escritor francês, comparando-o a John Ruskin, o crítico de arte, ensaísta,
desenhista e aquarelista britânico.
Saliente-se que os ensaios de Ruskin
sobre arte e arquitetura foram extremamente influentes na era Vitoriana.
Lá para as tantas, Franklin observa, em O
Verniz dos Mestres:
Em seus últimos sete anos, tentando amortecer os
ruídos, Proust viveu enfurnado num quarto forrado de cortiça. Resignado à
solidão, queria viver tão somente para ter valor e mérito. Acreditava que a
imortalidade era possível, sim, mas somente através da criação de uma obra.
Concordava com a ideia de Boudelaire de que a vida verdadeira está alhures, não
dentro da vida, nem após, mas fora dela. Nos domínios da arte.
Sua obra, laboriosamente fictícia, transcria a
realidade que seria pobre sem o recurso da imaginação. Suas notas lançadas
sobre o papel, no curso de sua vida, dão suporte e carnação ao que escreve;
compõe-se de brevíssimos insights; a princípio lançado sobre a página em
branco, e, depois, obstinadamente em períodos mais longos, agoniantes em seu fluxo,
até soar a hora final; em busca da vida verdadeira que só pode ser resgatada e
interpretada pela arte. Proust cria um novo realismo, polifônico e
impressionista.
Como
descrever melhor a saga proustiana?
Mais
além:
Olhando a sua volta,
Proust viu o que ninguém antes vira. E o viu de maneira crítica,
aprofundando-se e “indo mais além”, numa superação das “coisas usuais” que
desmerecem o temperamento individualizador do artista de talento capaz de criar
um mundo a partir da observação de um grão de areia.
Em outro momento, Franklin amplia sua
reflexão e introduz o que seria uma observação plenamente filosófica, de
caráter gnosiológico, acerca do alcance da obra de Marcel Proust:
Proust nos ensina que um livro nunca pode nos contar
aquilo que desejamos saber, mas tão somente despertar em nós o desejo de saber,
pois não é possível a nenhum indivíduo receber a sabedoria de outrem. É preciso
cria-la por nós mesmos. E foi o que ele fez, escrevendo os sete volumes do seu
“roman-fleuve” “Em Busca do Tempo Perdido”.
Perfeito.
Conhecer é criar; o apreender é uma criação. Cada objeto apreendido é único e é
tudo em sua singularidade.
Não
se poderia esperar menos de Franklin Jorge do Nascimento Roque, um escritor
para escritores: nada além, nada aquém da justa medida.
Natal, 5 de julho de 2023, no outono, quase inverno, da esperança.
domingo, 2 de julho de 2023
RAIMUNDO NONATO DA SILVA
Pensei que descobrira algo diferente, até mesmo estranho, acerca de Raimundo Nonato da Silva. Dizia respeito a sua ubiquidade. Ou predestinação. Deveria ter me precavido contra esse ataque de arrogância pueril e consultado meu Cascudo.
Não o fiz, e tropecei, logo nos primeiros passos da caminhada. Ali estava, em uma Acta Diurna, no livro cujo título é Raimundo Nonato, o Homem e o Memorialista, organizado por José Augusto Rodrigues e publicado em 1987, pela Coleção Mossoroense, para o qual contribuiu a fina flor dos escritores norte-rio-grandenses da época, em homenagem aos 80 anos do grande escritor Martinense:
Vida movimentada e curiosa. Está em São Miguel de Pau dos Ferros, 1927/28. (...) 1929/30 está em Serra Negra, até a Revolução de outubro, com a invasão dos bandos que exigem comida, bravateando. (...) Finalmente transferem-no para Mossoró, em 1931. Apodi, um ano depois.
Alguma coisa escapou ao olhar atento de Luís da Câmara Cascudo?
Eis a ubiquidade de Raimundo Nonato, flagrada e descrita pelo mestre: Raimundo em São Miguel, e, depois, escreveu Os Revoltosos em São Miguel 1926; Raimundo em Serra Negra do Norte, e, depois, escreveu A Revolução de 30 em Serra Negra; Raimundo em Mossoró e, depois, veio Lampião em Mossoró, o primeiro livro escrito por um potiguar acerca do Cangaço.
Raimundo Nonato é um portento, eis o que se extrai do que se lê nos textos dos que lhe homenagearam. Memorialista, romancista, poeta, historiador, cronista, biógrafo, etnógrafo, jornalista...
Em sua lendária produção literária, contam-se mais de oitenta livros, mas esse é um número duvidoso: somente pela Coleção Mossoroense, foram mais de 30, prego batido, ponta virada.
Estava em todos os cantos, no momento certo, e abordou muitos temas, como se percebe ao ler Histórias de Lobisomem (folclore); O Pilão (etnografia); Bacharéis de Olinda e Recife (história); Quarteirão da Fome (romance); Memórias de um Retirante (memórias); Província Literária (crônicas); Jornalista Martins de Vasconcelos (biografia); Lampião em Mossoró (história); Terra e Gente de Mossoró (pesquisa acerca do 30 de Setembro de 1883); Visões e Abusões Nordestinas (folclore); História Social da Abolição em Mossoró (história); Serra do Martins (história); Negociantes e Mercadores (história); Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico (cangaceirismo), um livro canônico, referencial, e por aí vai, sem levar em conta os artigos, perfis, discursos, conferências e outros textos publicados em livros e revistas, enquanto participação, bem como jornais do Brasil adentro e afora.
Repita-se, e acrescente-se, para que não reste dúvida: Raimundo Nonato foi o primeiro escritor norte-rio-grandense, salvo algum equívoco, a escrever acerca do Cangaço (Lampião em Mossoró); Coluna Prestes; e Revolução de 1930, no Rio Grande do Norte, bem como o primeiro escritor a lançar uma biografia, por instigação de Câmara Cascudo, de Jesuíno Brilhante.
É, portanto, com méritos, o patrono dos estudiosos do cangaceirismo no nosso Estado.
Ubíquo, prolífico, atento, presença certa durante um longo tempo no meio intelectual potiguar, até mesmo brasileiro, integrante de tantas quantas instituições culturais houve, e fundador de tantas e quantas outras, Raimundo Nonato da Silva, apesar de tudo isso, marcha lentamente para aquele limbo terrível onde habitam os escritores que o tempo encaminha para a penumbra.
Merece, sem dúvida, um estudo de sua vida e obra que é, a seu modo, um painel instigante, um retrato à contraluz, do Rio Grande do Norte no qual viveu, e de onde nunca se afastou sentimentalmente, mesmo quando foi residir no Rio de Janeiro.
Sobrevive, ainda, graças a leitores contumazes, pesquisadores renitentes, estudiosos teimosos que às vezes, por dever de ofício, outras vezes por curiosidade malsã, percorrem sebos em busca de um ou outro título citado em nota de rodapé.
Entretanto, quem há de escrever acerca do cangaceirismo no território potiguar, sem consulta-lo. E quanto à abolição em Mossoró, ou mesmo a Coluna Prestes e a Revolução de 30, este, por sinal, valioso até mesmo por um relato incidental, mas nem por isso menos importante: as relações entre os coronéis da época, fundamental para proteger Serra Negra do Norte ante a invasão iminente dos revolucionários.
A Revolução de 30, aqui no Nordeste, E Rio Grande do Norte, sabem alguns poucos, foi uma briga de coronéis que se estendeu até o Estado Novo...
Enfim: a vasta obra de Raimundo Nonato da Silva, o menino pobre nascido na Serra da Conceição e sobrevivente a duros custos, amante dos livros, escritor, alguém que mais do que qualquer outro, excetuando Luis da Câmara Cascudo, foi uma testemunha do seu tempo, não merece o esquecimento.
Este artigo é minha homenagem a ele.
domingo, 25 de junho de 2023
GUSTAVO SOBRAL
* Honório de Medeiros
Gustavo Sobral é surpreendente.
Enquanto escritor, e ainda bastante jovem, em pouco tempo deixou relevante marca, em áreas distintas, na escrita norte-rio-grandense.
Ensaísta, é o autor de Rodolfo Garcia; Autores Locais; Oswaldo Lamartine, a Biografia de uma Obra; Berilo Wanderley, o Cronista da Cidade. Historiador, lançou Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), em parceria com Honório de Medeiros e André F. P. Furtado e participação de vários escritores potiguares; História da Cidade do Natal; Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte; As Memórias Alheias; Augusto Severo Neto, Obras Inéditas; e Arquitetura Moderna Potiguar. Cronista, legou-nos Cenas Natalenses; Cinco Cronistas da Cidade (publicação, preparação dos originais, seleção, organização, e posfácio); e Petrópolis. Na literatura infantil, escreveu e publicou, dentre vários outros, Luisa e a Flor em um Convite para o Chá; Naty e a Natureza; Eva e Bóris.
A par de tudo isso, editou, ilustrou, prefaciou, pesquisou e reuniu acervos históricos e literários quase desaparecidos, muito importantes. Para tanto, viajou, pesquisou e estudou. Recuperou, assim, do limbo, escritores e personagens da história submersos no pó do tempo. E, ainda, organizou revistas, catálogos e textos de ciclos de palestras.
Alguns dos livros exclusivamente seus são obras de referência, sempre consultados, como Oswaldo Lamartine, a Biografia de uma Obra; Rodolfo Garcia; e Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte. Há diversos, claro.
Um outro, o Governo do Rio Grande do Norte (1935-2018), nele participou, também, com sua apresentação:
sexta-feira, 23 de junho de 2023
CREDO POLÍTICO
Não tenho ideologia. Não ter uma ideologia não significa ter uma ideologia. Isso é lenda. Na verdade, é uma balela. Nem tenho credo político. Tampouco simpatia partidária ostensiva. Sigo, entretanto, firmemente, um princípio: sou contra o Poder Político, do qual emana o Estado, essa besta-fera. Há Poder Político? Sou contra. Melhor: sou contra quem detenha qualquer Poder Político, assim não fico no abstrato. Quem tem qualquer Poder Político precisa ser vigiado, controlado, pois é sempre uma ameaça. Claro que é impossível vivermos sem qualquer Poder Político. Claro que é impossível viver sem fazermos alianças para que seu principal adversário, a liberdade, avance. Faço-as, constrangido, mas faço. E, nesse percurso, nessa luta, analiso ponto-a-ponto cada questão que me é colocado pelas circunstâncias, inclusive o caráter daqueles que almejam o Poder Político: mentem?, têm caráter? seguem princípios claros e não se vendem? são corruptos? Se sim, estou fora. Antes de ser política, a questão, ela é moral. Feito isso, decido. E ajo. Não tenho líderes, tampouco gurus, muito menos simpatias. A ninguém dou o direito de dizer que fala em meu nome. Falo por mim. Os homens, eu sei desde há muito, têm pés-de-barro e a mente suja. Sigo, portanto, propostas práticas alicerçadas em densas defesas científicas. Certo ou errado, esse é meu caminho. E será minha anônima história.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2022
A VERDADE CAMBALEIA
* Honório de Medeiros.
(honoriodemedeiros@gmail.com)
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
GESTÃO PÚBLICA: COMO AVALIAR UM GOVERNO
* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Em Desenvolvimento como liberdade, Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia, ex-membro da Presidência do Banco Mundial, ex-professor da Universidade de Harvard, esposo de Emma Rothschild – autora, por sua vez, de Sentimentos Econômicos, um denso ensaio acerca de Adam Smith, Condorcet e o Iluminismo – nos convida a percebermos o contraste entre “um mundo de opulência sem precedentes” e “um mundo de privação, destituição e opressão extraordinários.”
Na verdade Amartya Sen nos convida a entendermos o desenvolvimento como “um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”, e, não, como algo a ser identificado com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social.
Ao se referir à expansão das liberdades reais Amartya Sen se refere, por exemplo, aos serviços de educação e saúde – e aqui eu acrescento segurança pública – e os direitos civis (a possibilidade de participar efetivamente do governo e das discussões e averiguações públicas em relação ao dinheiro do povo).
Aceitar esse ideário como premissa implica em compreender que somente podemos considerar desenvolvido ou em desenvolvimento um País, Estado ou Município no qual, à título de esclarecimento, e em termos bastante simplificados, o dispêndio com obras públicas, tais como calçamentos, praças, ruas, estradas, asfaltamento, prédios, pontes, açudes, barragens, somente ocorra como conseqüência da implantação de políticas públicas voltadas para o avanço em áreas como educação, saúde e segurança.
Políticas públicas estabelecidas claramente através de programas e projetos que tenham metas, prazos, alocação de recursos humanos e financeiros e possam ser acompanhados e questionados pela sociedade.
Óbvio que não é isso que vemos: a
lógica é outra. As obras públicas são sempre “vendidas” à sociedade como sendo
essenciais para o desenvolvimento. Essa lógica, consciente ou
inconscientemente, busca privilegiar quem se beneficia financeiramente com ela,
ou seja, aqueles que detêm o capital em suas mãos e querem o retorno imediato
do investimento político realizado.
Um exemplo particular dessa lógica é a relação estreitíssima, no Brasil, entre empreiteiros, construtores, empresários da construção civil e os governos, sejam estes federais, estaduais e municipais, os quais após realizadas as eleições, pressionam seus candidatos eleitos a investirem em obras escolhidas a dedo.
A constatação daquilo que aqui se afirma pode ser feita por qualquer um: basta que nos perguntemos se com todo o investimento em obras ocorrido no Brasil, digamos, desde Fernando Henrique Cardoso, houve diminuição sensível da miséria, e a educação, a saúde, a segurança pública estão significativamente melhores. É claro que não. Muito ao contrário.
O que nós percebemos, nitidamente, é que o avanço, se é que houve, é um verniz que não resiste a uma visita a postos de saúde, escolas públicas e delegacias de polícia.
Portanto a conclusão é óbvia: desconfiemos de qualquer obra que não esteja atrelada a uma política pública na área de educação, saúde ou segurança. Para começo de assunto.
Isso, por uma razão muito simples: primeiro, os programas; depois os projetos; enfim, as ações.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2020
MERITOCRACIA E PACTO SOCIAL: QUANDO TUDO VALE, NADA VALE.
* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
segunda-feira, 29 de abril de 2019
A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓS DO ALTO OESTE POTIGUAR (IV)
Domingos casou-se com Maria José do Sacramento, filha de Mathias Fernandes Ribeiro, e tiveram, dentre outros filhos, o Cônego Pedro Fernandes de Queirós, deputado provincial em três legislaturas[1] (1835/1837, 1838/1840, 1845/1847), que faleceu em Pernambuco, no ano de 1875, assim como o Tenente-Coronel de Batalhão José Fernandes de Queirós e Sá.
A "Casa de Pedra" aludida é o famoso esconderijo do lendário Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros.
Essas denominações locais de nortistas e sulistas, ou saquaremas e luzias, como também eram usadas, não significavam, todavia, organizações homogêneas. Com programas semelhantes e processos idênticos, não possuíam nenhuma característica fundamental.
A atuação política dos mesmos estendeu-se até 1853, quando começaram a desaparecer, após a política de conciliação. As denominações locais passaram, então, para a denominação de partidos Conservador (originado do Nortista) e Liberal (originado do Sulista), que se mantiveram até a queda do Império.
Do seu casamento com Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queirós e irmã de Margarida Gomes da Silveira, esposa do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós, nasceram, dentre outros, o Major Epiphanio José Fernandes de Queirós (o “Major Epifânio”), falecido em Pau dos Ferros, aos 8 de dezembro de 1884, e o Cônego Bernardino José de Queirós e Sá, acerca de quem trataremos em crônicas próximas, juntamente com Childerico José Fernandes de Queirós, deles primo legítimo.