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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

BERTRAND RUSSEL E A CAUSA DO PODER

 

Sir Bertrand Russel


* Honório de Medeiros


Em Power: A New Social Analysis, Sir Bertrand Russel expõe a teoria de que os acontecimentos sociais somente são plenamente explicáveis a partir da idéia de Poder[1]

Não algum Poder específico, como o Econômico, ou o Militar, ou mesmo o Político[2], mas o Poder com “P” maiúsculo, do qual todas os tipos são decorrentes, irredutíveis entre si, mas de igual importância para compreender a Sociedade.

A causa da existência do Poder seria a ânsia infinita de glória[3], inerente a todos os seres humanos, diz Russel.

Se o homem não ansiasse por glória, não buscaria o Poder. Glória infinita posto que o desejo humano não conhece limites.

Essa ânsia por glória dificulta a cooperação social, já que cada um de nós anseia por impor, aos outros, como ela deveria ocorrer e nos torna relutantes em admitir limitações ao nosso poder individual. Como isso não é possível, surge a instabilidade e a violência.

Tal ânsia, cuja manifestação objetiva é o exercício do Poder, pode ser encontrada em qualquer ser humano: explicitamente nos guerreiros, santos ou políticos, e implicitamente nos seus seguidores: Xerxes não precisava de alimentos, roupas ou mulheres quando invadiu Atenas; Newton não precisava lutar pela sobrevivência quando empreendeu escrever seus “Principia”; São Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola não precisavam criar ordens religiosas para difundir a palavra de Cristo.

Somente o amor ao Poder explicaria realizações tão singulares.

Assim explica, Sir Bertrand Russel: a força propulsora das transformações sociais se resume, em última instância, no apego ao Poder glorioso, que é inerente a qualquer ser humano.

Cabe indagar: o que leva o homem a ansiar por glória?

A ânsia por imortalidade? 

Pode ser. O medo da morte. 

Em A Negação da Morte, de Ernest Becker, que ao autor valeu o Prêmio Pulitzer de Não-Ficção Geral de 1974. 

Afinal, não foi isso que Platão pôs na boca de Codro, no Banquete:

Supondo acaso que Alcestes... ou Aquiles... ou o próprio Codro teriam buscado a morte - afim de salvar o reino para seus filhos - se não tivessem esperado conquistar a memória imortal de sua virtude, pelo qual, em verdade os recordamos? 

Para Becker, é isso que há de fundamental no ser humano: o medo da morte. Esse receio, temor, medo, que está em cada um de nós desde o início, seria o motor que nos impulsiona e a fonte de nossa permanente angústia. 

Agimos, em consequência, para reprimir tal medo, construindo "mentiras vitais" que nos permitiriam enfrentá-lo sob a ilusão de imortalidade histórica, e explicariam, assim, a conduta do homem. 

Uma dessas condutas, a mais importante, é a ânsia por heroísmo, que em acontecendo, nos permitiria sobreviver na memória dos outros. 

Creio, mas posso estar enganado, que Becker bebeu na fonte instigante de Sir Bertrand Russel que mina do seu Power: A New Social Analysis, onde ele expõe a teoria de que os acontecimentos sociais somente são plenamente explicáveis a partir da ideia de Poder. 


[1] Poder, segundo Norberto Bobbio, em Teoria Geral da Política, no início do capítulo acerca de Política e Direito, deve ser entendido como a capacidade de influenciar, condicionar, determinar a conduta de alguém.

[2] Norberto Bobbio, em Teoria Geral da Política, abre o capítulo alusivo a "Política e Direito" expondo que o termo “Política” diz respeito às ações por meio das quais se conquista, mantém e exerce o Poder último ou soberano, tal e qual o dos governantes sobre os governados.

[3] Em Darwin, a obtenção da“glória” é um dos meios por intermédio dos quais o homem amplia as possibilidades de sobrevivência dos seus gens, mas essa é outra história...


honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A VERDADE CAMBALEIA

 * Honório de Medeiros.

(honoriodemedeiros@gmail.com)



Michiko Kakutani, prêmio Pulitzer de 1998, crítica literária do The New York Times por mais de quarenta anos, em A Morte da Verdade (Notas Sobre a Mentira na Era Trump), conta que Steve Bannon, estrategista e conselheiro do ex-Presidente, certa vez descreveu a si mesmo como um “leninista”.

O mesmo Bannon, ainda segundo Kakutani, teria dito o seguinte: “Lênin queria destruir o Estado, e esse também é o meu objetivo. Quero acabar com tudo e destruir todo o establishment de hoje em dia.”

Lênin deve estar gargalhando em alguma das grelhas do inferno, apesar das dores. Ele é o patrono dessa maré de pós-verdade que se tornou praticamente hegemônica nos dias atuais, calcada no uso da retórica violenta, incendiária, em promessas simplórias e desconstrução da verdade, tudo potencializado pela internet.

O fundador da URSS explicou, certa vez, que sua retórica era calculada para provocar o ódio, a aversão e o desprezo, não para convencer, mas para desmobilizar o adversário, não para corrigir o erro do inimigo, mas para destruí-lo.

Quem quiser ler um pouco mais, está em Report to the Fifth Congresso of the R.S.D.L.P. on the St. Petersburg Split of the Party Tribunal Ensuing Therefrom.

É bom lembrar que Pilatos inquiriu Jesus, em uma das mais célebres passagens da Bíblia: “Então, tu és rei?”, ao que Ele lhe respondeu: “Tu dizes acertadamente que sou rei. Por esta causa, Eu nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar a verdade. Todos os que pertencem à verdade ouvem a minha voz.” Pilatos, então, questionou: Quid est veritas? (“Que é a verdade”? João 18,38). E assim que disse isso, saiu de novo para onde estavam reunidos os judeus, e lhes disse: “Não encontrei qualquer falta nesse homem”.

Pilatos lhe fizera uma pergunta de natureza ontológica. Provavelmente era um cético, até mesmo um niilista quanto à moral, e somente acreditava no Poder pelo Poder, e como não escutou resposta, o silêncio de Jesus perturba os filósofos através do tempo.

De qualquer forma já somos todos perdedores. Em um mundo onde o princípio basilar da razão, qual seja o da Verdade Objetiva, não a de cada um, mas aquela que existe independente da vontade de quem quer que seja, desmorona lentamente, confrontada pelo relativismo das narrativas subjetivas, somente a luta, até mesmo física, nele encontra guarida.

Esquecemo-nos que onde tudo pode ser, nada é; onde nada é, tudo pode ser.

Se fôssemos minimamente sensatos, aproveitaríamos o que nos aproxima e deixaríamos de lado o que nos afasta. Esta é o ponto-de-partida para evitar o caos, a fragmentação, a insanidade.

Assim, mesmo descrente de tudo quanto estamos construindo, ainda cabe acreditarmos que é necessário sermos muito cautelosos com o que vemos, ouvimos, lemos, até mesmo tateamos.

As armas da manipulação estão cada vez mais sofisticadas. E não pode, não deve existir dúvida: o Poder somente se toma ou se mantém à custa da sedução, manipulação ou força. Dificilmente via convencimento.