sábado, 7 de fevereiro de 2015

LULA ACIRRA OS ÂNIMOS: CONTINUA A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

* Honório de Medeiros

É mesmo uma situação esquizofrênica, essa: enquanto se avolumam as denúncias de corrupção envolvendo o PT, ao ponto de atingirem seu Secretário de Finanças e Planejamento, e a Sociedade é surpreendida com uma primeira e modesta avaliação do quanto foi desviado da Petrobras - os três principais jornais do País apresentam um valor em torno de 200 milhões de dólares - a Presidente da República e Lula, na festa do aniversário do Partido dos Trabalhadores, falam em resistir ao golpismo e ao oportunismo, e conclamam os companheiros à resistência.

Lula chega ao cinismo de dizer que tudo quanto está sendo visto e ouvido quanto à luta contra a corrupção é decorrente do Governo do PT, ao longo desses doze últimos anos. Como se a crônica de resistência do Partido dos Trabalhadores ao avanço dessa luta pudesse ficar oculto aos olhos de quem a observa. Pois a estratégia é a mesma, sempre: publicamente ressalvar que o Governo criou e mantém condições de combater a corrupção; privadamente combater incessantemente, taticamente, cada avanço alcançado. É o transplante, para a luta política, do conteúdo das cartilhas de luta clandestina.

Enquanto isso uma força-tarefa comandada pelo Procurador-Geral da República se dirige aos EUA em busca de firmar acordos de cooperação que permitam avançar na investigação da corrupção na Petrobras.

E, enquanto isso, a imprensa internacional começa a despertar para o que está acontecendo por aqui e vai entendendo quem é o verdadeiro Lula, aquele que se esconde por décadas de mistificação e manipulação...

Claro que as ações de Lula são decorrentes da necessidade de sobrevivência.  O manual que ele segue é o mesmo utilizado por todos os políticos na mesma situação em todos os lugares do mundo. Não há como ser diferente. Inclusive no que diz respeito a açular a massa de inocentes úteis que acreditam piamente em cada palavra que ele diz. E inclusive no que diz respeito a mentir sempre, mesmo em relação ao indiscutível: sempre há um tolo que vai acreditar.

Esse "status quo" conduz ao que já se viu - basta lembrar do que foi postado na rede social ao longo da última campanha presidencial - e há de ser ver ainda mais, daqui para a frente: o aguçamento da tensão entre críticos e defensores.

Quanto mais as investigações avançarem, mais podridão há de ser encontrada; quanto mais podridão, mais açulamento da massa de inocentes úteis com bordões tais quais "golpismo", "oportunismo", "elite contra o povo", "imprensa golpista", "judiciário de direita"; quanto mais açulamento, mais reação; quanto mais reação, mais tensão; quanto mais tensão...

Esse quadro de tensão política interessa ao PT e Partidos companheiros: no momento certo, na melhor tradição brasileira, é negociada uma saída "no interesse da sociedade", aparentemente consensual, da qual a Sociedade foi alijada, e os crimes cometidos são sepultados por camadas imensas de papel e interpretações convenientes da legislação, pelas elites dominantes.

Ou não. E aí, nesse caso, somente Deus sabe o que poderá acontecer... 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

ESQUERDA versus DIREITA

* Honório de Medeiros

Ronda por aí a idéia de que “esquerda” e “direita”, no Brasil, e mesmo no mundo, não mais seriam conceitos distintos um do outro, principalmente no que diz respeito à economia.

Nada tão distante da realidade, mas é fácil entender a razão dessa ideia: hoje, graças a um colossal, persistente e antigo processo midiático, o capitalismo, enquanto visão do mundo, se tornou praticamente hegemônico. Isso mesmo: quase não há ninguém que sustente, com alguma consistência, um ideário de esquerda.

Tal se deve a vários fatores, mas dois são fundamentais e ambos estão entrelaçados pelo mesmo núcleo. Dizem respeito à queda do “Muro de Berlim” e, no Brasil, ao aviltamento do PT. O que os une é o fato de ambos, tanto a URSS quanto o PT, jamais terem sido de esquerda. Quando muito abrigavam, por falta de opção, pessoas de esquerda.

A esquerda é, ontologicamente, fulcrada no valor “solidariedade”, enquanto a direito se firma na competição. Subjacente à noção de que somos essencialmente competitivos, não solidários, está o corolário do lucro e da ambição. Para a esquerda, devemos solidarizar o lucro; para a direita devemos e podemos lucrar com a solidariedade.

A esquerda é, ontologicamente, anticapitalista. Isso significa dizer que, para ela, os meios de produção devem ser socializados. Ou seja, não deve haver muito na mão de poucos, mas, sim, um pouco na mão de todos no que diz respeito à produção e ao gozo do lucro. Ao invés da produção de capital financeiro, o socialismo quer a produção do capital social.

Nesse sentido, tanto faz opor-se ao capitalismo de Estado intervencionista quanto ao capitalismo de Estado Mínimo – este uma verdadeira utopia retórica criada nos laboratórios dos economistas à soldo do grande capital para engabelar os inocentes úteis e os inúteis, igualmente.

A esquerda é, ontologicamente, anti-autoritária. Ela denuncia, se posiciona contra, rebela-se e não aceita qualquer imposição do Estado sobre a Sociedade à reboque de uma miragem tal qual um futuro idealizado, como nos apresentam os tecnopolíticos de plantão que pensam serem possuidores dos remédios milagrosos necessários para catapultar este ou aquele país à redenção sócio-econômica destruindo, pela base, as conquistas sociais dos últimos anos.

Por ser anti-autoritária, a esquerda tem um compromisso imediato e direto com a Sociedade, nunca com o Estado, este um instrumento de opressão cujos fundamentos ontológicos, sob os quais repousa sua suposta legitimidade, são flatus vocis.

A verdade é que do ponto de vista da propaganda o capitalismo, ou seja, a direita, apregoa que ganhou a guerra. Não mesmo. 

Quando menos se espera a Sociedade resiste, e o colossal processo de exploração através do qual cada dia um número maior tem menos, fica exposto a olho nu. Nesse momento mesmo alguns, até então desavisados, mas puros de intenção, percebem onde estão metidos e apontam as fragilidades e inconsistências de um modelo que se firma no que pode arrancar, enquanto mais-valia, do grosso da população.

São os arautos de uma nova era, a da aldeia global da qual nos falou Marshall McLuhan, onde qualquer informação é, sob todos os ângulos que se possam imaginar, do domínio de todos.

* Republicação.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

AVE DE RAPINA

* Honório de Medeiros

Como bem diz a mídia, o silêncio de Lula dá a medida de sua coragem. Quando o Brasil mais precisa de seus líderes políticos ele cala, fica de longe vendo o circo pegar fogo, distante do povaréu que sofre, para se aproveitar da sobra. Ave de rapina.

O DIÁRIO DE SEBASTIÃO GURGEL

* Honório de Medeiros

Acabo de reler as “MEMÓRIAS DE UM COMERCIANTE E BANQUEIRO (DIÁRIO)" de Sebastião Gurgel, abrangendo o período entre 1900 a 9 de agosto de 1955.

São cinco volumes – do 1290 ao 1295, 2ª. Edição, 2002 – da COLEÇÃO MOSSOROENSE, SÉRIE “C”, esse incomparável legado que Vingt-Un Rosado deixou para o futuro, sob patrocínio da PETROBRÁS e GOVERNO DO ESTADO – LEI CÂMARA CASCUDO.

Chegaram elas – as Memórias – às nossas mãos, segundo Raimundo Soares de Brito, que lhe faz o prefácio da edição, graças ao memorialista Obery Rodrigues e Ronaldo Gurgel, neto de “Seu Tião Gurgel”.

É uma obra incomparável sob muitos aspectos. Nela podemos encontrar desde o registro obsessivo do preço dos produtos vendidos pelo comércio, ano a ano, como a menção aos males –´e seu tratamento - que acometem a saúde do autor no espaço de tempo que dura o diário, além das anotações relativas às estiagens e invernadas. 

Não contivesse outros temas esses bastariam para um estudo de caráter sociológico. Mas há mais, muito mais, como por exemplo o registro da vida social, econômica e política de Mossoró na primeira metade do século XX. E, por que não dizer, um vasto e portentoso material para uma análise psicológica do autor e da época.

Ou seja: para encurtar a conversa, é todo um excelente material à espera de futuros mestres e doutores.

Não contive minha curiosidade e, antes de começar a lê-las pela ordem cronológica, busquei o volume alusivo à 1927. É o III. Vai de 01 de fevereiro de 1916 a 08 de junho de 1936. O que nos diz Sebastião Gurgel em relação à invasão de Mossoró pelo bando de Lampião? Infelizmente “Seu Tião” foi avaro nos comentários.

Aliás não vamos encontrar textos longos em relação a qualquer tema. São registros secos, esboços às vezes até mesmo toscos em relação aos fatos. Mas há um comentário seu, a respeito de sua conduta durante o episódio, que vale a pena ser contado pela auto-ironia nele contida: “Eu, já se sabe, nestas ocasiões, sou sempre o herói da retirada.”

Sebastião Gurgel não deixa claro para onde fugiu quando da invasão de Mossoró. Deixa claro, entretanto, que como conseqüência da onda de boatos acerca da volta dos bandidos, após o ataque, pegou a família no dia 10 de julho e a levou para Natal, onde alugou casa, somente voltando no dia 8 de setembro do mesmo ano.

Na mesma data – 31 de julho – na qual informa essa saída de Mossoró, comenta que no dia 24 de julho houve “um acontecimento sensacional”: trata-se do casamento do Monsenhor Almeida Barreto com Maria Nazareth de Oliveira, algo que realmente deve ter causado bastante impacto na época, haja vista a publicação – COLEÇÃO MOSSOROENSE, Série “B”, Número 1637, 1999 - pelo pesquisador Dr. Paulo Gastão, de plaquete na qual transcreve carta de Rodolpho Fernandes ao citado sacerdote, de quem era compadre, noticiando o recebimento de correspondência "confidencial" sua na qual expõe as razões do seu gesto.

Comove o leitor o apreço que Sebastião Gurgel teve por sua esposa e companheira de toda uma vida – Dna. Elisa – com quem teve oito filhos. Suas demonstrações de apreço por ela e agradecimento a Deus pela escolha que fez são notáveis, principalmente se levarmos em conta que o casamento foi, de acordo com os moldes da época, “arranjado”.

Como chama a atenção, também, a religiosidade simples de “Seu Tião”: missa dominical, envolvimento nas ações da Igreja, uma legião de “afilhados”, uma devoção prática a um Deus provedor e justiceiro ao qual se dirige de cabeça baixa para aceitar, sem questionamento, a “pena” por Ele imposta a sua família através de José, seu filho, seminarista, acometido de lepra. Nada mais medieval.

Quanto não há para se escrever acerca desse País de Mossoró e seus habitantes!

* Republicado.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O INVESTIMENTO NO SERVIÇO E SERVIDOR PÚBLICO DEVE SER UMA POLÍTICA DE ESTADO


* Honório de Medeiros

Há uma nítida distinção, em termos ontológicos, entre serviço público e iniciativa privada.

No primeiro caso, o paradigma que norteia a ação pública (iniciativa pública) é cumprir as expectativas da Sociedade, definidas constitucionalmente; no segundo, a ação privada é impulsionada pelo objetivo do lucro.

A própria Constituição Federal, embora estabeleça como princípio constitucional a livre iniciativa e o modelo capitalista de organização da economia, ressalva o caráter social da propriedade. Essa característica, segundo a melhor hermenêutica, referenda o primado de que o público está acima do privado, como o corrobora, também, a própria legislação infraconstitucional: assim são as previsões de intervenção do Estado na Ordem Econômica sem que, entretanto, se anatematize o lucro.

Quando tratamos de ações voltadas para a Sociedade, do primado do público sobre o privado, temos que convir que dada a especificidade dessa demanda de natureza essencialmente complexa, não somente quanto ao aspecto ético, político e social, mas, também, quanto a quantidade (a Sociedade) e a qualidade, elas necessariamente são, no mínimo, de médio prazo, não obstante as demandas emergenciais, enquanto as ações privadas, por serem pautadas pelo lucro são, essencialmente, instáveis e voláteis.

Se a ação pública se desenvolve, o mais das vezes, a médio e longo prazo, torna-se fundamental a preservação da sua memória, ou seja, qual o recurso humano nela envolvida e a conseqüente experiência advinda no trato com a questão trabalhada. Sem a preservação dessa memória não é possível a continuidade das políticas públicas, e a conseqüência é o comprometimento das ações estatais.

E somente é possível a preservação da memória aludida com o respeito ao serviço público, ao servidor público e a sua carreira diferenciada, assegurando-se-lhe o direito de ser credor do investimento de Estado em sua vida profissional, através de aposentadoria distinta, remuneração razoável e estabilidade na carreira. Trocando em miúdos: o serviço e o servidor público devem ser um investimento do Estado, dadas as peculiaridades do exercício da função pública, que exige sacrifícios indiscutíveis.

Por quê essas políticas públicas – aquelas consistentes – demandam tempo para serem implementada? Porque envolvem parcela significativa da Sociedade durante um longo tempo. É o caso, por exemplo, da erradicação do analfabetismo. As ações públicas que ao longo do tempo efetivamente originaram melhoria na qualidade de vida da Sociedade foram desenvolvidas sob o prisma da permanência, para além dos humores político-partidários.

Podemos comprovar essa afirmação analisando o segmento da Saúde e Educação em países comprovadamente desenvolvidos. Acresça-se outra assertiva: o desenvolvimento – não o econômico, mas, sim, o da qualidade de vida - desses países foi decorrente de políticas públicas, nunca privadas (lembremos a Escandinávia).

Mesmo no Brasil, onde faltam políticas de Estado, embora abunde as de Governo, muitos avanços foram obtidos graças a políticas públicas permanentes. Na área de saúde, citemos, o Brasil é referência mundial não somente no que concerne à erradicação definitiva de algumas moléstias como, também, em relação ao combate preventivo à AIDS.

Parece óbvio que, no caso do Brasil, os parâmetros estabelecidos pelo Consenso de Washington que originaram o cânone neoliberal encontraram solo fértil na tradicional ojeriza da Sociedade à utilização do serviço público e burocracia como instrumentos de obtenção e manutenção de privilégios de classe. É certo, também, que faz parte da cultura brasileira – embora a raiz possa ser rastreada até Portugal, como lembra Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” – a construção dessa histórica instrumentalização do aparelho estatal por parte do estamento burocrático. É certo, ainda, que o capital internacional considera a presença do Estado na economia como um obstáculo à sua desenvoltura, bem como anatematiza a concepção de desenvolvimento econômico por ele impulsionado. A conclusão, portanto, errada, do senso comum e das elites atrasadas, é a crença de que o servidor e o serviço público, são alavancas do atraso.

Entretanto, a verdade é bem outra. Podemos desconsiderar o diagnóstico apresentado pelo senso comum da sociedade e teóricos do neoliberalismo em relação ao serviço público brasileiro em seus fundamentos; podemos e devemos criticar veementemente a causa por eles encontrada dos descaminhos específicos do Brasil. O Estado não é um mal em si mesmo. Com efeito, condenar o Estado, o serviço e o servidor público na sua totalidade, pelos desacertos da elite governamental, seria como propor igual condenação do Capital pelas falências e concordatas inerentes à iniciativa privada.

Contra esse ideário quase consensual que se tornou lugar comum no Ocidente, e que nos legou a permanente fragilidade de nossas instituições, e a favor da compreensão do papel fundamental do serviço e servidor público na obtenção do bem-estar social almejado pela Sociedade, argumenta Jânio de Freitas, em seu artigo intitulado “O Bolso e a Vida”, publicado na Folha de São Paulo de 19 de janeiro de 2003: “A iniciativa privada não faz um país, no sentido de vida social e econômica organizada. Só o serviço público pode fazê-lo. Os estudos sobre a recuperação da Europa, da devastação do pós-guerra ao bem-estar de hoje, sem igual no mudo, demonstram que o êxito não se explica pelo Plano Marshall, mas pelo papel decisivo do serviço público e pela função atribuída ao Estado naqueles novos ou restaurados regimes democráticos”. 

Não levar em consideração tal princípio pode nos levar a passarmos por cima do legado histórico de políticas públicas que foram extremamente úteis à Sociedade brasileira e que, com certeza, não poderiam ser implementadas pela iniciativa privada: um exemplo banal é a informatização das eleições no Brasil. As políticas públicas foram possíveis graças à preservação, governo após governo, qualquer que tivesse sido seu matiz, da memória das instituições. Esta somente é possível quando o servidor público tem respeitada sua diferença com o privado e a exclusividade de suas atribuições, tal como não trabalhar em nada além daquilo para o qual foi investido (seu cargo) – o que seria um desvio de função -, e que é uma garantia de Estado.

Por fim, da mesma forma como deve ter acontecido ao longo do processo histórico pelo qual passaram países altamente desenvolvidos e nos quais a participação do Estado foi fundamental - lembremo-nos da Dinamarca, Suécia, Canadá, França, Noruega, Japão -, para que o serviço e o servidor público sejam devidamente respeitados, necessário é combater a burocracia, a corrupção, e a ineficiência. Em o fazendo, asseguramos passaporte para um futuro melhor, capitaneado por um Estado que reflita os anseios da Sociedade.

Pois, afinal, o Estado não é um mal em si mesmo.

* Republicado.