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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

PAU DOS FERROS

 

Fonte: Wikipedia

* Honório de Medeiros (Originalmente publicado na Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte de nº 97).


Quando os europeus chegaram no Rio Grande do Norte, lá por 1500, encontraram a grande nação tupi-guarani no litoral representada pelos Potiguares, e, no Sertão, Cariris, que significa “os tristonhos, calados, silenciosos”[1], ramo do povo Tapuia. 

Diz uma lenda recolhida por missionários, conta-nos Tarcísio Medeiros, terem os Tapuias vindos de um lago encantado do setentrião continental, tal e qual sugeriu Capistrano de Abreu, descendo a costa e fixando-se no interior depois de acossados pelos tupis. 

Os Tapuia/Cariris estiveram em evidência durante a “guerra dos bárbaros”, iniciada com a resistência à penetração da pecuária que se adensara nas ribeiras dos rios, áreas essenciais à sobrevivência dos animais, mas também à dos índios, que durou sessenta e cinco anos (1685-1750), terminando com a completa vitória do homem branco.[2] 

No Sertão nordestino, especificamente no Sertão potiguar, existiram vários ramos dos Cariris, dentre eles os Pacajus ou Paiacus, habitantes de Portalegre, Francisco Dantas, Viçosa, Riacho da Cruz e Encanto, assim como os Panatis, habitantes de Pau dos Ferros, Encanto, Dr. Severiano, São Miguel e Rafael Fernandes.[3] 

No início do século XVIII, bandeirantes paulistas, missionários, senhores de engenho de Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio Grande, além de oficiais de alta patente que combateram os indígenas, passaram a disputar as terras do Sertão norte-rio-grandense.

Denise Matos Monteiro[4] nos relata uma dessas disputas entre grandes senhores de terras e escravos de Pernambuco e Bahia e colonos potiguares: 

Dentre os sesmeiros de outras capitanias interessados nas terras do Rio Grande, estava, por exemplo, Antônio da Rocha Pita, da Bahia, que através de quarenta dos seus vaqueiros tentou expulsar da ribeira do Assú colonos que lá procuravam estabelecer fazendas de gado. Objetivando atender às reclamações desses colonos, o rei de Portugal mandou demarcar e medir as terras desses sesmeiros em 1701. Anos mais tarde, em 1733, seus descendentes receberam uma larga faixa de terra que se estendia, dessa vez, entre os atuais municípios de Pau dos Ferros e São Miguel, na ribeira do Apodi.[5] 

É certo que a primeira sesmaria que se tem conhecimento, alusiva à região, foi requerida por Manoel Negrão em 1717, e dizia respeito ao lugar denominado “Podi dos Encantos”, presumindo-se que se trate da Data da Conceição.[6] Negrão declarava ser morador da ribeira do Apodi e ter descoberto o terreno em companhia de Domingos Borges de Abreu. 

Entretanto, foi somente em 1733 que a Data da Sesmaria de Pau dos Ferros foi concedida a Luiz da Rocha Pita Deusdará, Francisco da Rocha Pita, Simão da Fonseca Pita, Dona Maria Joana Pita, todos filhos e herdeiros do Coronel Antônio da Rocha Pita.

Como lembra Câmara Cascudo, os “Rocha Pita” eram baianos e foram grandes latifundiários no Rio Grande do Norte. 

Manoel Jácome de Lima observou: 

Diz Ferreira Nobre que em 1733 Francisco Marçal fundou uma fazenda de gado no local em que se achava a vila. Em 1738, afirma o Monsenhor Francisco Severiano no seu livro "A Diocese na Paraíba", foi iniciada a construção de uma capela que em 1756 foi elevada à categoria de matriz com a criação da freguesia, a 19 de dezembro daquele ano.

Começava Pau dos Ferros. 

A paróquia de Pau dos Ferros é a mais antiga da zona Oeste do Estado e, na época, abrangia quase todo o território da atual Diocese de Mossoró. 

O nome da cidade surgiu quando do início do seu povoamento. José Edmilson de Holanda[7] assevera ter o nome da Fazenda de Francisco Marçal, fundada próxima a uma pequena lagoa, onde existia uma frondosa oiticica, repassado ao povoado: 

O nome inicial da fazenda passou ao povoado, pois desde a sua fundação era conhecida por Pau dos Ferros, em face dos vaqueiros gravarem, à ponta da faca, no tronco de frondosa oiticica existente à margem da lagoa, os ferros das reses tresmalhadas que por lá apareciam, com a finalidade de identificar o proprietário e a origem das mesmas. A oiticica servia de pouso para os comboieiros, boiadeiros e vaqueiros das fazendas que por lá passavam. 

Em 1761 o município de Portalegre foi criado englobando o povoado de Pau dos Ferros mas, já no fim do século XVIII, a povoação era maior que sua sede e a cidade de Apodi. 

Em julho de 1841 os pau-ferrenses fizeram uma representação à Assembleia Provincial, assinada por 492 pessoas de todas as classes sociais, pedindo a criação do município. 

A Comissão de Estatística e Justiça, em parecer assinado por João Valentim Dantas Pinagé e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque, foi favorável ao pleito, mas na sessão do dia 4 de novembro de 1841 o requerimento não foi aprovado. 

Em 1847 o deputado provincial João Inácio de Loiola Barros apresentou um projeto transferindo a sede da Vila de Portalegre para a povoação de Pau dos Ferros, pedido também rejeitado. 

Seis anos depois, em 12 de abril de 1853, os deputados Luiz Gonzaga de Brito Guerra, futuro Barão de Assú, e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque (novamente), apresentaram um projeto para elevar a povoação de Pau dos Ferros ao status de Vila, com a denominação de Vila Cristina, tampouco lograram êxito. 

Finalmente, em 23 de agosto de 1856, projeto apresentado pelo Deputado Benvenuto Vicente Fialho, criando o município de Pau dos Ferros, foi aprovado, e em 4 de setembro de 1856 o Presidente da Província, Dr. Antônio Bernardo Passos, sancionou a Lei nº 344, elevando à categoria de Vila o povoado de Pau dos Ferros, determinando os limites do novo município. 

Hoje, Pau dos Ferros, com 259,959 km², limita-se, ao Norte, com São Francisco do Oeste e Francisco Dantas, ao Sul, com Rafael Fernandes e Marcelino Vieira, ao Leste, com Serrinha dos Pintos, Antônio Martins e Francisco Dantas e, ao Oeste, com Encanto e Ereré (CE).

É uma cidade com mais de 30.000 habitantes fixos, segundo dados do IBGE/2017, muito embora nela circulem, em decorrência de sua posição de Polo Regional, cerca de cinquenta mil pessoas por dia. 

Cidade pujante, centro comercial e administrativo da região, centraliza a prestação dos serviços estaduais e federais, e sedia a Escola de Enfermagem Catarina de Siena, a Faculdade do Oeste do Rio Grande do Norte, a Faculdade Evolução do Alto Oeste Potiguar, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Anhanguera Educacional, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido. 

Ressalte-se, do ponto de vista cultural, a importância de sua Feira Intermunicipal de Educação, Cultura, Turismo e Negócios do Alto Oeste Potiguar (FINECAP), realizada anualmente e congregando toda a região. 

Não por outra razão, a cidade também é conhecida como “Capital do Alto Oeste” e “Princesinha do Oeste”, embora muitos a chamem de “Terra dos Vaqueiros”, ou, ainda, “Terra da Imaculada Conceição”, em homenagem a sua santa padroeira. 

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[1] MEDEIROS, Tarcísio; “Proto-História do Rio Grande do Norte”; Rio de Janeiro: Presença Edições; Fundação José Augusto; 1985.

[2] LOPES, Fátima Martins: “Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte"; Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; 2003. 

[3] MEDEIROS FILHO, Olavo; “Índios do Açu e Seridó”; Natal: Sebo Vermelho; 2011. 

[4] MONTEIRO, Denise Mattos; “Introdução à História do Rio Grande do Norte”; Natal: Flor do Sal; 4ª edição; 2015. 

[5] Pág. 59.

[6] LIMA, Manoel Jácome de; in “Revista Comemorativa do Bicentenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros (1756-1856-1956)"; Natal: Sebo Vermelho; Edição Fac-similar; 2015. 

[7] HOLANDA, José Edmilson de; “Pau dos Ferros: Crônicas, Fatos e Pessoas”; Natal: Gráfica Vital; 2011.

honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

CORONELISMO NO RIO GRANDE DO NORTE: A ELEIÇÃO DAS PEDRAS EM PAU DOS FERROS

 





* Honório de Medeiros[1]

 

Desde 1856, pelo menos, duelam Fernandes e Rêgos pelo poder em Pau dos Ferros, principal cidade do Alto Oeste potiguar. Cento e sessenta e quatro anos de luta política![2]

Em 2020, assim como em 2024, de um lado tivemos o ex-prefeito Leonardo Nunes Rêgo – o nome já diz tudo – e, do outro, enquanto principal nome da oposição, o ex-prefeito Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, muito embora sua candidata tenha sido a atual prefeita, Marianna Almeida.

Nilton Figueiredo, como é conhecido, é descendente de Childerico Fernandes de Queirós, que do seu segundo casamento, com Maria Amélia Fernandes (Mãe Marica), teve Umbelina Fernandes da Silveira, mãe de Maria Fernandes de Figueiredo (Dona Lalia), sua avó paterna.[3]

Em 1864, na sessão do dia 23 de dezembro, a ata da Câmara Municipal dá conta de requerimento apresentado por alguns vereadores ao Presidente da Província solicitando fosse-lhes “relevada” a aplicação de algumas multas a eles impostas.

Requeriam a eles, diretamente, alegando que a Câmara não se reunira em outubro e novembro passados, porque seu presidente, Manoel Pereira Leite, aliado dos Rêgos, estava foragido e “perseguido pela força do Delegado de Polícia”.

Assim decorreram os anos subsequentes, afirma o cronista, José Dantas.

No período que vai de 1865 a 1872, os Fernandes dominaram a Câmara Municipal, presidida por Viriato Fernandes e Hemetério Raposo de Melo, casado com Umbelina Fernandes, filha de Childerico Fernandes de Queirós.

No dia 6 de outubro de 1872, houve eleição para juízes de paz dos distritos e vereadores à Câmara Municipal.

Durante quinze dias vieram os eleitores votar, mas não lhes tomaram os votos. A Junta Paroquial, presidida pelo 3º Juiz de Paz, Galdino Procópio do Rêgo, instalou-se na Igreja Matriz, para realizar a eleição, sob o protesto dos Fernandes, que argumentavam acerca da sua incompetência para presidi-la.

A discussão transformou-se em violenta pancadaria dentro da igreja, e, fora, os liderados de ambos os grupos políticos travaram-se em briga corporal, armando-se de paus e pedras.

Muitos foram os feridos, e a Matriz foi seriamente danificada. Cessada a luta, a Junta Paroquial cercou a igreja com um grupo armado, para evitar outra confusão.

Os Fernandes, inconformados, organizaram outra Junta, sob a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes de Queiróz Filho[4], e realizaram outra eleição, na Casa da Câmara.

Submetida a documentação das duas Juntas à apreciação da Câmara Municipal, esta, em 16 de novembro de 1872, sob a presidência do Dr. Hemetério Raposo de Melo decidiu, por unanimidade de votos, a favor da eleição realizada na Casa da Câmara.

Foram, então, diplomados o Tenente Coronel Epiphanio José de Queiróz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queirós de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.

Vários argumentos foram levados em conta para a decisão, dentre eles o de que o eleitorado foi impedido de entrar na Matriz por uma força armada de clavinote, bem como o encerramento da eleição ter ocorrido no Sítio “Logradouro”, de propriedade dos Rêgos quando, à meia-noite, os últimos votos foram recolhidos em um chapéu improvisado de urna.

Entretanto, o Governo da Província não lhes foi simpático, e anulou a eleição realizada na Câmara dos Vereadores e, em 27 de outubro de 1873, por Aviso Ministerial, a Câmara foi cientificada que o Governo Imperial confirmava a eleição promovida pela Junta Paroquial.

Tiveram, assim confirmadas suas diplomações, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardo da Costa Maya, Norberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite Gameleira, e João Afonso Batalha.

O povo, que a tudo e todos alcunha quando sua atenção é despertada, não deixou por menos: batizou o episódio de “eleição das pedras”.


[1] Trineto do Capitão Chiderico José Fernandes de Queiróz, por parte do seu primeiro casamento, com Guilhermina Fernandes Maia.

[2] FREIRE, Cônego Manoel Caminha e outros. Revista Comemorativa do Bi-Centenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros. Natal. Sebo Vermelho. Edição fac-similar. 2015.

[3] FERNANDES, João Bosco e FERNANDES, Antônio Mousinho. Memorial de Família.Teresina. Halley S/A. 1ª edição. 1994.

[4] Trisavô de Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

HISTORIADORES DO RIO GRANDE DO NORTE

 





Da esquerda de quem olha, para a direita, Gustavo Sobral, Honório de Medeiros e André Pignataro

Livro Historiadores do Rio Grande do Norte apresenta perfis de historiadores potiguares.

A editora "Biblioteca Ocidente" acaba de publicar o livro Historiadores do Rio Grande do Norte, organizado por Gustavo Sobral, Honório de Medeiros e André Felipe Pignataro.

O livro reúne perfis biográficos de historiadores potiguares dos séculos XIX e XX. A obra é a primeira do gênero publicada no Rio Grande do Norte, um marco para a preservação e valorização da memória histórica e intelectual do estado.

Cada capítulo foi escrito por convidados, entre pesquisadores, professores, escritores, estudantes e historiadores, que adotaram diferentes estilos, do acadêmico ao literário, do ensaístico ao tom de homenagem.

O resultado é um mosaico de abordagens que reflete também a diversidade dos próprios historiadores retratados.

O livro está disponível para download gratuito no site da Editora Biblioteca Ocidente; https://revistagalo.com.br/selo-bo/; e também em gustavosobral.com.br.

Para quem deseja adquirir a versão impressa, o título pode ser encontrado na loja. uiclap.com

Outras publicações dos organizadores:

Governo do Rio Grande do Norte, organizado por Gustavo Sobral, Honório de Medeiros e André Felipe Pignataro e Potiguariana IHGRN de Gustavo Sobral e André Felipe Pignataro. Mais informações e acesso gratuito às obras no site gustavosobral.com.br.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

"ATÉ QUE TUDO CESSE, NÓS NÃO CESSAREMOS"

 


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Em 1979, entrei no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 

Vinha do Curso de Matemática, pois, a mim, faltara vocação. 

Ainda estávamos em plena ditadura militar. Críticas ao Governo eram feitas com muito receio. Não fazia muito tempo que a repressão implicava em tortura e desaparecimento. 

No Planalto, o Presidente João Figueiredo iria substituir Ernesto Geisel e continuar a “abertura política lenta e gradual”, timidamente iniciada por seu antecessor, sob a batuta do General Golbery do Couto e Silva. 

O Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do Curso de Direito, cujo grito de guerra era “até que tudo cesse, nós não cessaremos” fora extinto em anos anteriores, assim como todos os outros, substituídos por Diretórios Acadêmicos que representavam cada Centro Universitário. 

A razão era óbvia: era muito mais fácil os órgãos de repressão controlarem diretórios acadêmicos, em bem menor número, que centros acadêmicos, um por cada curso existente na Universidade. 

Nos corredores do curso um grupo de estudantes, do qual eu fazia parte, se reunia habitualmente para discutir política, principalmente a participação no processo de democratização que se desenrolava à conta-gotas Brasil adentro, e livros, muitos livros. 

Tínhamos em comum o hábito da leitura, o amor pela discussão, o interesse pela política. 

Em certo momento, logo no começo do curso, resolvemos dar um passo além: refundarmos o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, de tantas e gloriosas tradições. 

Realizamos duas notáveis Assembleias Extraordinárias para as quais todos os alunos do curso de Direito foram convidados e compareceram em massa. 

Contávamos, também, com a simpatia de alguns poucos professores do curso, principalmente o Professor Jales Costa, de saudosa memória pelo exemplo, cultura e empatia com seus alunos. 

Aprovada a proposta por unanimidade, ressurgiu, então, o Centro Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Seu primeiro presidente, eleito pela última Assembleia, foi João Hélder Dantas Cavalcanti. Tive a honra de ser o segundo, dessa vez com disputa eleitoral. 

O Centro Acadêmico protagonizaria momentos impressionantes, logo após seu retorno às atividades: fizemos o primeiro debate, no Brasil, nos estertores da ditadura, entre candidatos a Governador do Estado, em pleno auditório da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cedido, para nosso espanto, pelo Reitor à época, professor Diógenes da Cunha Lima, justiça lhe seja feita. 

O evento foi noticiado pela grande imprensa brasileira. Em noite memorável, Aluízio Alves e José Agripino Maia debateram, sob a mediação do Professor Jales Costa, acerca dos destinos políticos do Brasil e do Rio Grande do Norte naquela que seria a primeira eleição direta para Governador do Estado após 1964. 

Aqui ressalvo a conduta do então Prefeito de Natal, por eleição indireta, José Agripino Maia. Eu e João Helder fomos a sua residência para convidá-lo. Sabíamos que toda seu “entourage” era contra sua ida ao debate. 

Fizemos o convite, ponderando acerca de quão ruim seria para sua imagem as fotos de sua cadeira vazia em pleno auditório lotado, bem como quão ruim seria para a democracia que estava ressurgindo sua negativa em participar. 

Jussier Santos, um dos seus secretários municipais, fez uso da palavra se colocando contra a participação de José Agripino, alegando que toda a plateia presente seria, com certeza, claque de Aluísio Alves. 

José Agripino, entretanto, não hesitou e confirmou sua presença. Ponto para ele, nós e a democracia. 

Não paramos. Dias depois colocamos para debater entre si, sob minha mediação, os dois candidatos principais, no mesmo pleito, ao Senado da República pelo Rio Grande do Norte: Roberto Furtado, pela oposição, e Carlos Alberto de Souza, pela situação. 

Carlos Alberto levou uma claque disciplinada para aplaudi-lo, liderada por Eri Varela, um seu assessor. A noite foi tumultuada, mas tudo terminou acontecendo da melhor forma possível. 

Continuando o exercício de ousadia, realizamos vários encontros nos quais foi discutida abertamente, com a presença maciça de estudantes e professores, a relação entre marxismo e Direito. 

Para um desses debates foi convidado, especialmente, o ex-Governador Cortez Pereira, naquele momento ainda cassado em seus direitos políticos. Cortez Pereira uma vez me disse que tinha sido sua primeira manifestação pública desde a cassação! 

Por fim, e não menos importante, fizemos também o primeiro debate, no Brasil, entre os candidatos a Reitor à sucessão do Professor Diógenes da Cunha Lima, mesmo que o pleito viesse a ser, como de fato o foi realizado de forma indireta. Todos concorrentes compareceram. Lá estiveram Pedro Simões, Dalton Melo, Jales Costa, Genibaldo Barros e Lauro Bezerra. 

Resgato essas lembranças graças sob o impacto das manifestações que estão ocorrendo no Brasil e que, segundo minha avaliação, são muito importantes politicamente. Desejo ardentemente que o povo enseje as mudanças que o Brasil precisa, principalmente no que diz respeito ao combate feroz e determinado contra a corrupção. 

E tendo resgatado essas lembranças aproveito para homenagear meus companheiros de luta daquela época: João Hélder Dantas Cavalcanti, Evandro Borges e Rossana Sudário, em nome dos quais abraço todos quanto estiveram conosco naquelas gloriosas manhãs na sala F1 do Setor V, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, gritando, juntos, felizes, ansiosos para mudar o Brasil, “até que tudo cesse, nós não cessaremos”.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

MEMÓRIA: RAFAEL NEGREIROS, O INDOMÁVEL


Rafael Negreiros ao lado de Ivonete Paula em evento na ACDP

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Alguns anos atrás, final dos anos oitenta, eu e Franklin Jorge resolvemos lançar um jornal em Pau dos Ferros que cobrisse, para o Estado, todo o Alto Oeste. Seria semanal e iria para as bancas aos sábados.

Foi algo insano, mas naquela época não tínhamos noção acerca da aventura na qual nos meteríamos, e a história da “Folha do Alto Oeste” um dia será contada, através de “perfis”, “sueltos” e “bicos-de-pena”, como somente Franklin Jorge sabe fazer.

O que importa, entretanto, é registrar que Rafael Negreiros foi nosso primeiro e mais importante colaborador e, já no terceiro ou quarto número criou, com a iconoclastia que o caracterizava, a figura do “ombudsman” jornalístico – que a Folha de São Paulo criaria algum tempo depois, se arrogando pioneira, sem saber que no Sertão do Rio Grande do Norte essa experiência já existira. 

Naquele artigo Rafael Negreiros desancou o jornal com tiradas tipicamente suas: ironias cortantes, entremeadas por observações pertinentes e oportunas acerca do exercício do jornalismo, em um artigo que ele enviou para publicação, divertindo-se com nosso possível constrangimento.

Publicamos, claro, e graças a ele fizemos história. 

Talvez tenha sido essa a única vez que mantive um contato mais estreito com ele, apesar de conhecê-lo desde menino. O final da minha infância e início da adolescência – os últimos anos nos quais morei em Mossoró – foi cheio do que chamávamos de “as histórias de Rafael”, casos que eram contados nas esquinas da província e nos deliciavam pelo espírito de rebeldia, sem que disso tivéssemos noção.

Víamos Rafael – pelo menos eu via – como alguém que tinha coragem de tomar posições. Para mim não importava que posições fossem essas, mas, sim, seu destemor com as quais as assumia e defendia, além do torrencial volume de erudição que envolvia cada escrito. 

Anos depois acompanhei, por intermédio de Fernando Negreiros, filho caçula e amigo meu de infância, seu distanciamento da turbulência que o caracterizava. O tempo, domador de homens, cumprira seu papel como sempre deslealmente, porque escolhera para cúmplice anões morais com os quais Rafael Negreiros se recusava a compartilhar a experiência de sorver a vida daquela forma tão sua e tão peculiar.

Era o fim de uma era de titãs em Mossoró. Homens símbolos. Os contemporâneos dos seus últimos dias – imberbes arrogantes e pragmáticos, desletrados e vazios – sequer sabiam, quando o conheciam, ou dele ouviam falar, com que graça esdrúxula, humor derruidor, inteligência aguda, Rafael desmontava as armadilhas da mediocridade cotidiana. 

E hoje, com raras e honrosas exceções, lembram-no por seu talento menor – o humor, a excentricidade – desconhecendo, lamentavelmente, que se a coragem de firmar opinião usando como veículo a iconoclastia tivesse nome, seria, com certeza, Rafael Negreiros.

Existe ainda uma outra faceta de Rafael que eu considero ímpar. Lembra um poema atribuído a Borges que depois soube-se não ser de sua autoria. 

No poema, em tom confessional, o autor ou a autora lamentava-se, olhando para o próprio passado e adivinhando a velhice que chegava a passos largos, não ter aproveitado um pouco mais da vida com coisas pueris. 

Aparentemente pueris, digo eu, como um banho de chuva, mar, quem sabe de rio ou açude, o cavaqueado com os amigos do peito, a piada pronta, o espírito zombeteiro, discussões literárias, gargalhadas... 

Não importa caro autor ou autora, Rafael Negreiros fez isso por você. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

HISTÓRIA: PAU DOS FERROS ONTEM E HOJE

 

Fonte: Wikipedia

* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com). Originalmente publicado na Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte de nº 97.

Quando os europeus chegaram ao Rio Grande do Norte, lá por 1500, encontraram a grande nação tupi-guarani no litoral, representada pelos Potiguares, e, no Sertão, os Cariris, que significa “os tristonhos, calados, silenciosos”[1], ramo do povo Tapuia. 

Diz uma lenda recolhida por missionários, conta-nos Tarcísio Medeiros, terem os Tapuias vindos de um lago encantado do setentrião continental, como sugeriu Capistrano de Abreu, descendo a costa e fixando-se no interior depois de acossados pelos tupis. 

Os Tapuia/Cariris estiveram em evidência durante a “guerra dos bárbaros”, iniciada com a resistência à penetração da pecuária que se adensara nas ribeiras dos rios, áreas essenciais à sobrevivência dos animais, mas também à dos índios, durou sessenta e cinco anos (1685-1750), terminando com a completa vitória do homem branco, que os extinguiu[2]

No Sertão nordestino, especificamente no Sertão potiguar, existiram vários ramos dos Cariris, dentre eles os Pacajus ou Paiacus, que habitaram Portalegre, Francisco Dantas, Viçosa, Riacho da Cruz e Encanto, assim como os Panatis, habitantes de Pau dos Ferros, Encanto, Dr. Severiano, São Miguel e Rafael Fernandes[3]

No início do século XVIII, bandeirantes paulistas, missionários, senhores de engenho de Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio Grande, além de oficiais de alta patente que combateram os indígenas passaram a disputar as terras do Sertão norte-rio-grandense. Denise Matos Monteiro[4] nos relata uma dessas disputas entre grandes senhores de terras e escravos de Pernambuco e Bahia e colonos potiguares: 

“Dentre os sesmeiros de outras capitanias interessados nas terras do Rio Grande, estava, por exemplo, Antônio da Rocha Pita, da Bahia, que através de quarenta dos seus vaqueiros tentou expulsar da ribeira do Assú colonos que lá procuravam estabelecer fazendas de gado. Objetivando atender às reclamações desses colonos, o rei de Portugal mandou demarcar e medir as terras desses sesmeiros em 1701. Anos mais tarde, em 1733, seus descendentes receberam uma larga faixa de terra que se estendia, dessa vez, entre os atuais municípios de Pau dos Ferros e São Miguel, na ribeira do Apodi[5]”. 

É certo que a primeira sesmaria que se tem conhecimento, alusiva à região, foi requerida por Manoel Negrão em 1717, e dizia respeito ao lugar denominado “Podi dos Encantos”, presumindo-se que se trate da Data da Conceição[6]. Negrão declarava ser morador da ribeira do Apodi e ter descoberto o terreno em companhia de Domingos Borges de Abreu. 

Mas foi somente em 1733 que a Data da Sesmaria de Pau dos Ferros foi concedida a Luiz da Rocha Pita Deusdará, Francisco da Rocha Pita, Simão da Fonseca Pita, Dona Maria Joana Pita, todos filhos e herdeiros do Coronel Antônio da Rocha Pita. Como lembra Câmara Cascudo, os “Rocha Pita” eram baianos e foram grandes latifundiários no Rio Grande do Norte. 

Manoel Jácome de Lima observa: Diz Ferreira Nobre que em 1733 Francisco Marçal fundou uma fazenda de gado no local em que se achava a vila. Em 1738, afirma o Monsenhor Francisco Severiano no seu livro 'A Diocese na Paraíba', foi iniciada a construção de uma capela que em 1756 foi elevada à categoria de matriz com a criação da freguesia, a 19 de dezembro daquele ano.” Começava Pau dos Ferros. 

A paróquia de Pau dos Ferros é a mais antiga da zona Oeste do Estado e, na época, abrangia quase todo o território da atual Diocese de Mossoró. 

O nome da cidade surgiu quando do início do seu povoamento. José Edmilson de Holanda[7] assevera ter o nome da Fazenda de Francisco Marçal, fundada próxima a uma pequena lagoa, onde existia uma frondosa oiticica, passado ao povoado: 

“O nome inicial da fazenda passou ao povoado, pois desde a sua fundação era conhecida por Pau dos Ferros, em face dos vaqueiros gravarem, à ponta da faca, no tronco de frondosa oiticica existente à margem da lagoa, os ferros das reses tresmalhadas que por lá apareciam, com a finalidade de identificar o proprietário e a origem das mesmas. A oiticica servia de pouso para os comboieiros, boiadeiros e vaqueiros das fazendas que por lá passavam.” 

Em 1761 o município de Portalegre foi criado englobando o povoado de Pau dos Ferros. Entretanto já no fim do século XVIII a povoação era maior que sua sede e a cidade de Apodi. 

Em julho de 1841 os pau-ferrenses fizeram uma representação à Assembleia Provincial, assinada por 492 pessoas de todas as classes sociais, pedindo a criação do município. A Comissão de Estatística e Justiça, em parecer assinado por João Valentim Dantas Pinagé e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque, foi favorável ao pleito, mas na sessão do dia 4 de novembro de 1841, o requerimento não foi aprovado. 

Em 1847 o deputado provincial João Inácio de Loiola Barros apresentou um projeto transferindo a sede da Vila de Portalegre para a povoação de Pau dos Ferros, pedido também rejeitado. 

Seis anos depois, em 12 de abril de 1853, os deputados Luiz Gonzaga de Brito Guerra, futuro Barão de Assú, e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque (novamente), apresentaram um projeto para elevar a povoação de Pau dos Ferros ao status de Vila, com a denominação de Vila Cristina, mas não lograram êxito. 

Finalmente em 23 de agosto de 1856 projeto apresentado pelo Deputado Benvenuto Vicente Fialho, criando o município de Pau dos Ferros, foi aprovado. E em 4 de setembro de 1856 o Presidente da Província, Dr. Antônio Bernardo Passos, sancionou a Lei nº 344, elevando à categoria de Vila o povoado de Pau dos Ferros, e determinando os limites do novo município. 

Hoje Pau dos Ferros, com 259,959 km², limitando-se ao Norte com São Francisco do Oeste e Francisco Dantas, ao Sul, com Rafael Fernandes e Marcelino Vieira, ao Leste, com Serrinha dos Pintos, Antônio Martins e Francisco Dantas, e ao Oeste com Encanto e Ereré (CE), é uma cidade com mais de 30.000 habitantes fixos, segundo dados do IBGE/2017, muito embora nela circulem, em decorrência de sua posição de polo regional, cerca de cinquenta mil pessoas por dia. 

Cidade pujante, centro comercial e administrativo da região, centraliza a prestação dos serviços estaduais e federais, e sedia a Escola de Enfermagem Catarina de Siena, a Faculdade do Oeste do Rio Grande do Norte, a Faculdade Evolução do Alto Oeste Potiguar, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Anhanguera Educacional, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido. 

Ressalte-se, do ponto de vista cultural, a importância de sua Feira Intermunicipal de Educação, Cultura, Turismo e Negócios do Alto Oeste Potiguar (FINECAP), realizada anualmente e congregando toda a região. 

Não por outra razão, a cidade também é conhecida como “Capital do Alto Oeste” e “Princesinha do Oeste”, embora muitos a chamem de “Terra dos Vaqueiros”, ou, ainda, “Terra da Imaculada Conceição”, em homenagem a sua santa padroeira. 

Em 12 de abril de 2018.

[1] MEDEIROS, Tarcísio; “Proto-História do Rio Grande do Norte”; Rio de Janeiro: Presença Edições; Fundação José Augusto; 1985.

[2] LOPES, Fátima Martins: “Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte"; Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; 2003. 

[3] MEDEIROS FILHO, Olavo; “Índios do Açu e Seridó”; Natal: Sebo Vermelho; 2011. 

[4] MONTEIRO, Denise Mattos; “Introdução à História do Rio Grande do Norte”; Natal: Flor do Sal; 4ª edição; 2015. 

[5] Pág. 59.

[6] LIMA, Manoel Jácome de; in “Revista Comemorativa do Bicentenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros (1756-1856-1956)"; Natal: Sebo Vermelho; Edição Fac-similar; 2015. 

[7] HOLANDA, José Edmilson de; “Pau dos Ferros: Crônicas, Fatos e Pessoas”; Natal: Gráfica Vital; 2011.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

HISTÓRIA: A CASA GRANDE DA FAZENDA JOÃO GOMES, EM MARCELINO VEIRA

 

Cônego Bernardino José de Queirós e Sá (1820-1884)

* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Muitos anos depois ao recordar, com a leitura de As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, o relato do desaparecimento lento e inexorável da cultura celta na Bretanha do ciclo Arturiano, substituída pela opressiva aliança entre o cristianismo, tal qual o entendia a Igreja católica, e o poderio do Estado romano, associei o sentimento quanto a essa perda à minha própria amargura com a extinção, também impossível de ser detida, da antiga cultura sertaneja nordestina, iniciada no ciclo do gado. 

E recordei quando caminhava, garoto, pelas ruas da minha infância, tangido suavemente por meu pai, a cumprimentar, tímido, os vizinhos, dentre eles um seu colega de trabalho, Francisco Alves Cabral (Seu Chico Cabral), a quem eu conectava imediatamente, por ser filho de Pedro Alves Cabral, com a Casa Grande da Fazenda São João, uma das três ou quatro construídas no “início das eras” naquela Região, o Alto Oeste Potiguar, de onde os Fernandes, todos descendentes do casamento de Mathias Fernandes Ribeiro, filho de portugueses, com a filha de Francisco Martins Roriz, também oriundo da Pátria-Mãe e fundador da cidade de Martins, se espalharam pelo Brasil. 

Pedro Alves Cabral nascera lá, naquela lendária Casa Grande que Lampião recusou atacar, por artes de Massilon, quando invadiu o Rio Grande do Norte se dirigindo a Mossoró, escutara suas histórias e estórias nos serões familiares, testemunhara algumas e era, ele mesmo, o epicentro de uma história contada aos sussurros, entre os adultos Fernandes, mas escutados por meninos de ouvidos ávidos, que atribuía seu nascimento em 1879, no dia de São Pedro, às infidelidades do Capitão Childerico José Fernandes de Queirós e Sá, então proprietário do solar senhorial por casamento com Maria Amélia Fernandes, a Dona Marica do João Gomes, única herdeira de todo o patrimônio do Tenente Coronel Epiphanio José Fernandes de Queirós, conhecido como Major Epiphanio, falecido em 1884, e seu construtor. 

A história de Dona Marica é por si mesma uma lenda na família Fernandes. Consta que Antônio Fernandes da Silveira Queirós (o Major do Exu) teve vários filhos, dentre eles o Major Epiphanio e o Cônego Bernardino José de Queirós e Sá, que foi vigário de Pau dos Ferros de 1849 a 1884. O Major Epiphanio não teve filhos; o Padre, dez a doze, segundo alguns, dezesseis, dizem outros, de várias mulheres, dentre eles Dona Marica, a primogênita, adotada por seu irmão e dele futura e única herdeira. 

Ao assumir João Gomes o Capitão Childerico, ao que consta, segundo as lendas, manteve a tradição inaugurada pelo Cônego Bernardino de povoar os oitões, sótãos e porões da Casa Grande da Fazenda João Gomes, e dele nasceu Pedro Alves Cabral, pai de Seu Chico Cabral, a quem eu sempre associei ao lendário Solar da família e a proteção que recebeu, ao longo da vida, dos Fernandes descendentes do seu avô, bem como lembro, imediatamente, de outras tantas e preciosas histórias/estórias que o pó do tempo insiste em sepultar, e lentamente encaminhar toda uma cultura da qual, hoje, quase não há mais testemunhas vivas, para o desaparecimento.

sábado, 17 de outubro de 2020

HISTÓRIA: PAU DOS FERROS. FAMÍLIA FERNANDES E RÊGO. A ELEIÇÃO DAS PEDRAS.

 * Honório de Medeiros

honoriodemedeiros@gmail.com

Desde 1856, pelo menos, duelam Fernandes e Rêgos pelo poder em Pau dos Ferros, principal cidade do Alto Oeste potiguar. Cento e sessenta e quatro anos de luta política![1]

Este ano, 2020, de um lado temos o prefeito Leonardo Nunes Rêgo – o nome já diz tudo – e, do outro, enquanto principal nome da oposição, o ex-prefeito Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, muito embora sua candidata seja Marianna Almeida.

Nilton Figueiredo, como é conhecido, é descendente de Childerico Fernandes de Queirós, que do seu segundo casamento, com Maria Amélia Fernandes (Mãe Marica), teve Umbelina Fernandes da Silveira, mãe de Maria Fernandes de Figueiredo (Dona Lalia), sua avó paterna.[2]

Em 1864, na sessão do dia 23 de dezembro, a ata da Câmara Municipal dá conta de requerimento apresentado por alguns vereadores ao Presidente da Província solicitando fosse-lhes “relevada” a aplicação de algumas multas a eles impostas. Requeriam a eles, diretamente, alegando que a Câmara não se reunira em outubro e novembro passados, porque seu presidente, Manoel Pereira Leite, aliado dos Rêgos, estava foragido e “perseguido pela força do Delegado de Polícia”.

Assim decorreram os anos subsequentes, afirma o cronista, José Dantas.

No período que vai de 1865 a 1872, os Fernandes dominaram a Câmara Municipal, presidida por Viriato Fernandes e Hemetério Raposo de Melo, casado com Umbelina Fernandes, filha de Childerico Fernandes de Queirós.

No dia 6 de outubro de 1872, houve eleição para juízes de paz dos distritos e vereadores à Câmara Municipal. Durante quinze dias vieram os eleitores votar, mas não lhes tomaram os votos. A Junta Paroquial, presidida pelo 3º Juiz de Paz, Galdino Procópio do Rêgo, instalou-se na Igreja Matriz, para realizar a eleição, sob o protesto dos Fernandes, sob o argumento da sua incompetência para presidi-la.

A discussão transformou-se em violenta pancadaria dentro da igreja, e, fora, os liderados de ambos os grupos políticos travaram-se em briga corporal, armando-se de paus e pedras.

Muitos foram os feridos, e a Matriz foi seriamente danificada. Cessada a luta, a Junta Paroquial cercou a igreja com um grupo armado, para evitar outra confusão.

Os Fernandes, inconformados, organizaram uma outra Junta, sob a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes[3], e realizaram outra eleição, na Casa da Câmara. Submetida a documentação das duas Juntas à apreciação da Câmara Municipal, esta, em 16 de novembro de 1872, sob a presidência do Dr. Hemetério Raposo de Melo decidiu, por unanimidade de votos, a favor da eleição realizada na Casa da Câmara.

Foram, então, diplomados o Tenente Coronel Epiphanio José de Queiróz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queirós de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.

Vários argumentos foram levados em conta para a decisão, dentre eles o de que o eleitorado foi impedido de entrar na Matriz por uma força armada de clavinote, e o encerramento da eleição ter ocorrido no Sítio “Logradouro”, de propriedade dos Rêgos quando, à meia-noite, os últimos votos foram recolhidos em um chapéu improvisado de urna.

Entretanto, o Governo da Província não lhes foi simpático, e anulou a eleição realizada na Câmara dos Vereadores. E, em 27 de outubro de 1873, por Aviso Ministerial, a Câmara foi cientificada que o Governo Imperial confirmava a eleição promovida pela Junta Paroquial.

Tiveram, assim confirmadas suas diplomações, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardo da Costa Maya, Norberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite Gameleira, e João Afonso Batalha.

O povo, que a tudo e todos alcunha, quando sua atenção é despertada, não deixou por menos: batizou o episódio de “eleição das pedras”.

Natal, em 8 de outubro de 2020

Honório de Medeiros

Trineto de Childerico José Fernandes de Queirós, por parte do seu primeiro casamento, com Guilhermina Fernandes Maia.


[1] FREIRE, Cônego Manoel Caminha e outros. Revista Comemorativa do Bi-Centenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros. Natal. Sebo Vermelho. Edição fac-similar. 2015.

[2] FERNANDES, João Bosco e FERNANDES, Antônio Mousinho. Memorial de Família.Teresina. Halley S/A. 1ª edição. 1994.

[3] Trisavô de Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓS DO ALTO OESTE POTIGUAR (IV)

Honório de Medeiros


O TENENTE-CORONEL JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓS E SÁ

Como vimos, Domingos Jorge de Queirós e Sá é irmão de Agostinho Pinto de Queiros, que depois autodenominou-se Agostinho Fernandes de Queirós, e ambos foram filhos do português José Pinto de Queirós. 

Domingos casou-se com Maria José do Sacramento, filha de Mathias Fernandes Ribeiro, e tiveram, dentre outros filhos, o Cônego Pedro Fernandes de Queirós, deputado provincial em três legislaturas[1] (1835/1837, 1838/1840, 1845/1847), que faleceu em Pernambuco, no ano de 1875, assim como o Tenente-Coronel de Batalhão José Fernandes de Queirós e Sá.

O Tenente-Coronel casou-se com sua prima Margarida Gomes da Silveira, filha do Coronel Agostinho Pinto de Queirós. É ele a raiz dos Fernandes Queirós no Rio Grande do Norte. Percebe-se sua importância, na época, a partir do seguinte texto[2]:

“Em 28 de fevereiro de 1851 o jornal “A Imprensa”, do Rio de Janeiro, ao transcrever longa correspondência oriunda do Rio Grande do Norte, na qual se relatam as perseguições supostamente sofridas pelos “sulistas” no âmbito do município do Açu, dá-se conta de uma apreensão ilegal, feita pela polícia “nortista” da cidade, de correspondência encaminhada por líderes liberais lá residentes ao Coronel José Fernandes de Queirós e Sá[3], líder político em Pau dos Ferros, informando-o “sobre plano de assassinato tentado contra o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti”.

“Na mesma correspondência é transcrito Mandado expedido pelo Juiz Municipal de Assu com o seguinte teor[4]:

“Mando a qualquer oficial de justiça a quem este for apresentado, indo por mim assinado, em seu cumprimento varejem a casa do tenente-coronel Manoel Lins Caldas, e capturem os réus José Brilhante e José Calado, que segundo a notícia dada a este juízo ali se acham no intuito de assassinarem o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti” (...).

“Em 30 de janeiro de 1852 o “Correio da Tarde” transcreve, em sua “Parte Oficial”, correspondência do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, José Joaquim da Cunha[5] ao Ministro da Justiça Eusébio de Queiróz Mattoso Câmara informando-o acerca da prisão de José Brilhante de Alencar e “mais oito dos seus sequazes” por “Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti e outras autoridades combinadas” que “convocando gente armada, e reunindo-lhes as praças do destacamento de primeira linha, ali estacionado, no dia 21 de novembro[6] último” os atacaram na “Casa de Pedra” e depois de “um fogo vivo não tiveram os insurgentes outro remédio senão render-se.” A mesma notícia foi divulgada pelo “Diário do Rio de Janeiro”.

A "Casa de Pedra" aludida é o famoso esconderijo do lendário Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros.

Nas Províncias[7], como reflexo das ideias e tendências desses partidos nacionais[8], os partidos políticos se uniam em dois agrupamentos: Nortistas (também chamados de saquaremas) e Sulistas (ou Luzias).

Essas denominações locais de nortistas e sulistas, ou saquaremas e luzias, como também eram usadas, não significavam, todavia, organizações homogêneas. Com programas semelhantes e processos idênticos, não possuíam nenhuma característica fundamental.

A atuação política dos mesmos estendeu-se até 1853, quando começaram a desaparecer, após a política de conciliação. As denominações locais passaram, então, para a denominação de partidos Conservador (originado do Nortista) e Liberal (originado do Sulista), que se mantiveram até a queda do Império.

Se o Tenente Coronel José Fernandes de Queirós e Sá é a raiz dos Fernandes Queirós de Pau dos Ferros, indiscutivelmente seu filho Childerico José Fernandes de Queirós é seu continuador.

Antes, entretanto, lembremos Antônio Fernandes da Silveira Queirós, o “Major do Exu”, como era conhecido, irmão do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós e Sá.

Do seu casamento com Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queirós e irmã de Margarida Gomes da Silveira, esposa do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós, nasceram, dentre outros, o Major Epiphanio José Fernandes de Queirós (o “Major Epifânio”), falecido em Pau dos Ferros, aos 8 de dezembro de 1884, e o Cônego Bernardino José de Queirós e Sá, acerca de quem trataremos em crônicas próximas, juntamente com Childerico José Fernandes de Queirós, deles primo legítimo.

[1] Conforme João Bosco Fernandes, Memorial de Família e Manoel Jácome de Lima, Martins. 

[2] Histórias de Cangaceiros e Coronéis, Honório de Medeiros, Sebo Vermelho Edições, 2015, Natal, Rn. 

[3] Tetravô do Autor. 

[4] Com grafia atual.

[5] Conservador. 

[6] De 1851. 

[7] Segundo Reinado.

[8] Conservador e Liberal. 

sexta-feira, 5 de abril de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓS DO ALTO OESTE POTIGUAR (III)

Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, O TRONCO

Do casamento de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ (filho do "Marinheiro" JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, o patriarca da Serrinha dos Pintos e ANNA MARTINS DE LACERDA) com MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO (filha primogênita de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO e MARIA GOMES DE OLIVEIRA MARTINS) surgiram, como dito no artigo anterior, os FERNANDES DE QUEIRÓZ do Alto Oeste do Rio Grande do Norte.

Acerca de DOMINGOS JORGE, quase nada se sabe. Teria nascido em 1772. Em Memorial de Família, João Bosco Fernandes nos conta que o casal teve quatorze filhos, abaixo nominados, em texto transcrito, ipsis litteris:

"1. ANTÔNIO FERNANDES DA SILVEIRA QUEIRÓZ (o Major do Exu), casado com sua prima JOANNA GOMES DE AMORIM;

2. JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ E SÁ, Tenente Coronel de Batalhão, casado com MARGARIDA GOMES DA SILVEIRA (filha do Coronel AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ);

3. AGOSTINHO JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, casado com MARIA GOMES DE QUEIRÓZ;

4. O Cônego PEDRO FERNANDES DE QUEIRÓZ, deputado provincial em três legislaturas: 1835/1837, 1838/1840, 1845/1847. Retirou-se para Pernambuco, onde residiu por quase trinta anos, vindo a falecer naquele Estado, em 1875;

5. DOMINGOS JORGE DE SÁ FILHO, casado com COSMA DE QUEIRÓZ, sem deixar filhos. Domingos faleceu com 98 anos, na fazenda João Gomes;

6. JOSÉ JOAQUIM DE QUEIRÓZ, casado com ISABEL DE QUEIRÓZ;

7. RAIMUNDO JORGE DE QUEIRÓZ, casado com sua sobrinha JOANNA MARTINS DE LACERDA, filha de MANOEL FERREIRA DA SILVA e JOANNA FRANCISCA DE LACERDA;

8. JOANNA FRANCISCA DE LACERDA, que se consorciou com seu tio ANTÔNIO FERNANDES RIBEIRO (o Perna de Pau), filho de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO; casada pela segunda vez com MANOEL FERREIRA DA SILVA SANTIAGO;

9. SILVANA MARTINS DE LACERDA, que convolou núpcias com IGNÁCIO FERREIRA DA SILVA, filho do anterior;

10. MARIANA MARTINS LOPES, esposa de VICENTE LOPES (da Serrinha), filho de JOSÉ LOPES e CLARA MARTINS; 

11. THEREZA MARTINS LOPES, casada com Domingos Lopes, irmão de VICENTE LOPES, citado acima;

12. BENTA MARTINS DE LACERDA, consorciada com FRANCISCO PEIXOTO (do Pinhão);

13. MARIA DE JESUS FERNANDES GURJÃO, foi mulher do Major VICENTE BORGES GURJÃO, descendente de família do Pará;

14. ANNA MARTINS, que se casou com FRANCISCO da Serrota".

No próximo artigo trataremos do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós e Sá. 


[1] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª edição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[2] LIMA, Manoel Jácome de; Martins; Coleção Mossoroense - V. 852;  Coleção Humanas Letras - CCHLA/UFRN - Natal, 1995.