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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

CANGAÇO E CORONELISMO NO RIO GRANDE DO NORTE

 

Por Bárbara Lima

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com).

Desde 2010 venho publicando alguns livros que compõem uma trilogia por mim denominada "CANGAÇO E CORONELISMO NO RIO GRANDE DO NORTE".

Em 2010 publiquei Massilon:

"Este livro não é uma obra científica, muito embora eu tenha tido a cautela de utilizar a metodologia apropriada quando possível, e parte do que possa ser lido tenha o rigor de pequenos ensaios. Também não é literatura, apesar das crônicas nele contidas. A bem da verdade é um livro, apenas. Sem adjetivos.

Apesar de seu tema central ser Massilon, não houve uma preocupação minha em me limitar. Ao contrário. Deliberadamente extrapolei. E não há razão objetiva para tal. Apenas senti o impulso de fazê-lo: somente assim posso explicar a presença de algumas divagações acerca do conceito de cangaço e outras quaisquer. Também foi opção pessoal transcrever, ao invés de interpretar, muitos dos textos que serão encontrados no livro, embora todos estejam conectados entre si. Preferi, ao fazer essa opção, que o leitor pudesse tirar suas próprias conclusões a partir da transcrição do texto.

A prova inconteste da minha despreocupação com os limites do tema é o “Diário de Viagem”, constituído de crônicas escritas nos locais por onde andei em busca do rastro de Massilon. Nessas viagens tudo foi gratificante: as pessoas, os lugares, os fatos. Aprendi muito, ensinei alguma coisa, aproximei-me de pessoas e me afastei de outras. Revi conceitos e posturas. Construí perspectivas inesperadas. Vivi".

Em 2015, lancei Histórias de Cangaceiros e Coronéis:

"Passados dez anos do lançamento, no Cariri cearense, de “Massilon – Nas Veredas do Cangaço e Outros Temas Afins”, eis que Honório de Medeiros nos entrega “Histórias de Cangaceiros e Coronéis”, o segundo volume de sua trilogia acerca desse tema fascinante.

Desta vez o livro é dividido em três grandes eixos: no primeiro, “Jesuíno Brilhante, Herói ou Bandido”, o autor, com base em farta documentação, em primeiro lugar nos apresenta uma face mais visível do pouco conhecido, mas muito famoso em sua época, José Brilhante, o “Cabé”, tio materno do único cangaceiro potiguar conhecido, e que foi personagem do romance “Os Brilhantes”; e, em segundo lugar, mostra o quanto talvez seja equivocada a percepção romântica, calcada no mítico Robin Hood, tanto do senso comum quanto dos escritores que se dedicaram a escrever acerca do primeiro dos grandes bandidos rurais do ciclo do cangaço, Jesuíno Brilhante.

No segundo eixo trata do famoso ataque de Lampião a Mossoró analisando-o a partir de uma perspectiva inédita e com informações até então desconhecidas da literatura específica acerca do tema. Aparece, por exemplo, pela primeira vez na história do cangaço, identificado inclusive com imagem, a “oposição oficial” ao Coronel Rodolpho Fernandes e que a ele se contrapôs veementemente nos dias que antecederam a invasão da cidade.

Por fim, no terceiro eixo, constituído de crônicas acerca de temas diversos do cangaço e do coronelismo, trata, por exemplo, de uma misteriosa amante de Antônio Silvino, bem como acerca da famosa “teoria do escudo ético”, ou mesmo do “pacto dos governadores para eliminar os cangaceiros”, dentre outros, que se colocam para o leitor como textos menos densos, mas, nem por isso, menos instigantes.

Como dito outrora, na orelha do “Massilon”, e ainda válido hoje, o que o Autor pretende, e não há razão para que não ocorra da forma como ele deseja, este livro é “nada tão sério que pareça maçante, tampouco tão leve que pareça desfrute”.

Finalmente, encerrando a trilogia, veio a tona Jesuíno Brilhante, o Primeiro dos Grandes Cangaceiros:

"Naquelas noites, no Sertão, a escuridão tomava conta do Sítio onde, à luz do lampião, no terreiro, meu Compadre – eu, menino, o tratava assim, e ele assim me tratava – reunia, no seu entorno, a família e os amigos, para ouvirem as estórias que faziam parte da antiga tradição oral dos nossos antepassados sertanejos, acompanhadas de uma xícara de café quente, coado na hora, e bolachas pretas.

Às vezes havia lua e o mar de prata criava imagens fantasmagóricas nos arbustos, lá fora, confins da luz; ao vê-las, instintivamente nos aproximávamos um pouco mais do círculo dos adultos, e somente relaxávamos quando a gargalhada do meu Compadre pontuava suas estórias. Até então, ele tinha nos deixado, a todos, em permanente suspense, por um tempo aparentemente sem fim.

Decerto, nunca mais pude fugir de um compromisso alegando uma mentira inocente sem recordá-lo e a um desses “causos” que ele nos contou. Dizia respeito a alguém do seu conhecimento, “parente distante”, que para fugir de uma obrigação social, jurou, por intermédio de um bilhete, estar em casa, de repouso, por motivo de doença. Ao voltar de um forró onde se esbaldara a noite inteira, em outra localidade, mal apeou do cavalo escutou choro e lamentações, e seu pressentimento foi confirmado pelos fatos – ela, sua esposa, jazia, muito doente, nos braços das filhas.

Exposto assim parece pouco, quase nada, mas somente sabe acerca da magia sobrenatural daquelas noites quem as viveu no Sertão, à luz bruxuleante do lampião, céu estrelado, ouvindo, de quando em vez, dentre outros, o canto sinistro dos rasga-mortalhas.

Eram estórias de amores; assombrações; gestas; valentias; honras; ódio entre famílias; cangaceiros; botijas, descobertas por intermédio de sonhos que precisaram de uma sabedoria centenária para serem interpretados corretamente; raptos consensuais ou não; caçadas às onças, nas quais somente a habilidade espantosa do caçador o fez escapar com vida; pescarias milagrosas; recuperações da saúde através de feitiços, poções ou orações de benzedeiras e curandeiros; vidências; estórias de maus-olhados e mandingas; secas e invernadas desmedidas; justiças divinas a corrigirem desmandos humanos; feitos com armas; aventuras de parentes e amigos nas terras desconhecidas da Amazônia, para a qual tantos tinham ido e não mais voltado; relatos dos segredos da Serra das Almas, onde foram encontradas as ossadas de vários homens ao lado de espadas, escudos, elmos, pepitas de ouro e outros apetrechos do tempo em que o Brasil era recém-nascido; e tantas outras...

Na forma arrastada com a qual meu Compadre as contava havia uma magia que prendia nossa atenção, uma sabedoria antiga da qual ele era herdeiro e na qual era mestre; havia alguém que cultivara a tradição, o dom de contar um “causo”, uma cadência hipnótica na voz, uma lógica precisa para o encadear das frases engastadas com palavras que o mestre Luís da Câmara Cascudo não hesitaria em classificar como egressas do puro português colonial, e que os folgados das cidades grandes alcunhariam de “matutês”, por pura ignorância.

O desfecho sempre apresentava uma lição de vida e, não raro, belas conclusões a externar uma apropriada observação acerca da natureza dos homens e seu destino de desprezar o caminho certo, a senda justa, a trilha verdadeira na vida, em troca das facilidades enganosas que o diabo apresentava, enquanto armadilhas, para a perdição da alma dos incautos.

Meu Compadre não era somente um contador de estórias sem igual e um dos últimos herdeiros daquela raça de titãs que colonizara o Sertão, alguém dotado de arguta percepção a respeito dos homens e das coisas, a quem eu escutava embevecido; também era uma fonte inspiradora, a principal delas quando penso na cultura sertaneja, como se tudo quanto eu lesse acerca do tema precisasse ser confrontado com a memória de sua existência, para, em mim, adquirir a necessária credibilidade.

Passaram-se os anos, muitos, desde então, até que resolvi escrever uma história do cangaço no Rio Grande do Norte, a partir de uma perspectiva muito pessoal, em três volumes.

Eu desejei fazê-lo, primeiro, porque nasci no Sertão, e sou filho de um cantador de viola que muito cedo abandonou a profissão, mas, enquanto pôde, participou ativamente de associações de violeiros, congressos de cantadores, seja como espectador, seja como juiz, e foi amigo pessoal de grandes artistas do ramo, tais como Ercílio Pinheiro e Dimas Batista, verdadeiros gênios, a quem hospedou em sua residência, em Mossoró.

Desde muito cedo percebi que as cantorias, assim como toda a tradição oral, das quais fui testemunha maravilhado em minha infância, meninice e adolescência, são sempre um dizer acerca de tudo quanto nos cerca e envolve, formando uma complexa teia de conhecimento e memória na qual os fios que descrevem a realidade estão emaranhados com aqueles outros cuja consistência têm a dimensão do imaginário, das fabulações, mitos, lendas, e são consequências das reflexões, ansiedades, perplexidades e desejos mais profundos da alma humana.

Isso sempre me fascinou.

O segundo motivo diz respeito a uma perene insatisfação com as explicações acerca do surgimento do cangaceirismo.

Treinei-me desde muito cedo para contra-argumentar ante as explicações aparentemente fáceis, óbvias, desde as mais simples até as mais complexas, mesmo se em silêncio a mim mesmo imposto, quando minha fragilidade, tão humana, sucumbia à pressão externa.

As explicações fáceis, singelas, óbvias, existentes acerca do cangaceirismo não me convenciam.

O terceiro e último motivo diz respeito a descobertas que fiz enquanto analisava a trajetória de Massilon, o grande responsável pelo ataque de Lampião e seu bando a Mossoró, no Rio Grande do Norte, bem como, no caso de Jesuíno Brilhante, quando encontrei algumas fontes fundamentais para a elaboração de uma imagem diferente do grande cangaceiro potiguar, que se contrapunha, como em uma composição chiaroscuro, à do “cangaceiro romântico”, “Robin Hood”, do “bem”, onipresente, desde há muito, no imaginário nordestino sertanejo, assim como entre os estudiosos do assunto.

Não que ele tenha sido ruim, no sentido em que o senso comum percebe Lampião e Corisco, mas, com certeza, não foi aquilo que a tradição oral e o talento de Câmara Cascudo construíram ao longo do tempo.

Ou seja, talvez, quem sabe, no caso de Jesuíno Brilhante, o senso comum estivesse errado.

Então escrevi Massilon, uma história de vida, uma biografia, mas não somente. Depois, Histórias de Cangaceiros e Coronéis, na qual apresentei algumas hipóteses acerca das causas ocultas que motivaram a invasão a Mossoró, até hoje incontestadas. Finalmente, escrevi Jesuíno Brilhante, o Primeiro dos Grandes Cangaceiros, este livro, o último da trilogia, um misto de biografia e ensaio acerca do cangaceirismo.

A imagem de Jesuíno Brilhante é bem um produto cultural do Sertão Arcaico. É quase consensual a lenda de que ele foi um cangaceiro diferente, mas, enquanto fato, isso provavelmente não é verdade. Creio que a Luís da Câmara Cascudo devemos, em grande parte, a construção dessa imagem de cangaceiro “romântico”, a ele atribuída.

Entretanto, antes de partirmos para qualquer opinião mais complexa, e enquanto tributo pago à Academia e seus métodos, ouso apresentar, desde logo, a hipótese de que Jesuíno Brilhante foi um homem do seu tempo, nada mais, nada menos.

Que se abra, pois, o debate!

Nunca podemos julgar quem quer que seja, se não for possível fugir de julgamentos, com os olhos de um observador onisciente. Essa é uma tarefa para os deuses, se é que eles existem.

Não por outra razão uma verdadeira história do cangaceirismo precisa começar com uma pergunta que jaz à disposição de quem se proponha enfrentar o desafio de escrevê-la segundo as regras da ciência, fugindo do “achismo” próprio das opiniões superficiais: o que levou alguns homens a não se conformarem com o papel que lhes destinavam suas circunstâncias, e ousarem tomar seus destinos com as mãos, construindo suas próprias histórias?

De outra forma: por que surgiram homens como Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião e Corisco, para ficar na senda do cangaceirismo?

Tarefa ousada, a ser desenvolvida por muitas mãos apropriadas. Resolvi dar o primeiro passo questionando a imagem consagrada de Jesuíno Brilhante. Trazendo-o do cume à planície, se for o caso, apresentando, a seguir, uma conjectura ousada como resposta.

Na medida em que escrevia este livro e apresentava, através de fatos, um Jesuíno Brilhante diferente daquele que nos acostumamos a conhecer ou mesmo imaginar e pensava acerca do surgimento do cangaceirismo, quando o cansaço tomava conta de mim ante tão árdua tarefa, e a vontade de largar tudo queria assumir o controle, eu me lembrava daquelas noites no Sertão, e do quanto meu Compadre gostaria de escutar essas minhas histórias (ou estórias), à luz da fogueira.

Pois se ele, quando se foi, há muito tempo, imaginasse que um dia alguém ia lembrar daquelas noites no terreiro de sua casa, no Sítio, Encanto, beiradas da Serra das Almas, à luz das estrelas, da lua, e de uma fogueira bruxuleante, daria uma grande risada e ficaria muito satisfeito.

Então tal livro também é, além do fecho de uma trilogia, a homenagem que posso fazer ao Sertão da minha infância e meninice, personificada na lembrança que tenho do meu Compadre, e materializada nesse relato acerca de uma de suas lendas mais significativas, a de Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros.

Finalizo lembrando que os textos que iniciam os capítulos são história ou estórias tendo Jesuíno Brilhante como personagem principal, e foram colhidas no estuário esplêndido da tradição oral nordestina sertaneja, por Gustavo Barroso, Câmara Cascudo, Raimundo Nonato, Alicio Barreto e José Gregório. Não têm um autor, são construções coletivas. O meu trabalho consistiu em cruzá-las umas com as outras e transcrevê-las, mudando um pouco a forma, mas mantendo o conteúdo. O objetivo foi mostrar como Jesuíno Brilhante era (e é) “percebido” pelos sertanejos nordestinos. Aos pesquisadores que me antecederam, minha gratidão.

Deus tenha a todos em sua infinita bondade".

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

"ATÉ QUE TUDO CESSE, NÓS NÃO CESSAREMOS"

 


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Em 1979, entrei no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 

Vinha do Curso de Matemática, pois, a mim, faltara vocação. 

Ainda estávamos em plena ditadura militar. Críticas ao Governo eram feitas com muito receio. Não fazia muito tempo que a repressão implicava em tortura e desaparecimento. 

No Planalto, o Presidente João Figueiredo iria substituir Ernesto Geisel e continuar a “abertura política lenta e gradual”, timidamente iniciada por seu antecessor, sob a batuta do General Golbery do Couto e Silva. 

O Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do Curso de Direito, cujo grito de guerra era “até que tudo cesse, nós não cessaremos” fora extinto em anos anteriores, assim como todos os outros, substituídos por Diretórios Acadêmicos que representavam cada Centro Universitário. 

A razão era óbvia: era muito mais fácil os órgãos de repressão controlarem diretórios acadêmicos, em bem menor número, que centros acadêmicos, um por cada curso existente na Universidade. 

Nos corredores do curso um grupo de estudantes, do qual eu fazia parte, se reunia habitualmente para discutir política, principalmente a participação no processo de democratização que se desenrolava à conta-gotas Brasil adentro, e livros, muitos livros. 

Tínhamos em comum o hábito da leitura, o amor pela discussão, o interesse pela política. 

Em certo momento, logo no começo do curso, resolvemos dar um passo além: refundarmos o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, de tantas e gloriosas tradições. 

Realizamos duas notáveis Assembleias Extraordinárias para as quais todos os alunos do curso de Direito foram convidados e compareceram em massa. 

Contávamos, também, com a simpatia de alguns poucos professores do curso, principalmente o Professor Jales Costa, de saudosa memória pelo exemplo, cultura e empatia com seus alunos. 

Aprovada a proposta por unanimidade, ressurgiu, então, o Centro Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Seu primeiro presidente, eleito pela última Assembleia, foi João Hélder Dantas Cavalcanti. Tive a honra de ser o segundo, dessa vez com disputa eleitoral. 

O Centro Acadêmico protagonizaria momentos impressionantes, logo após seu retorno às atividades: fizemos o primeiro debate, no Brasil, nos estertores da ditadura, entre candidatos a Governador do Estado, em pleno auditório da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cedido, para nosso espanto, pelo Reitor à época, professor Diógenes da Cunha Lima, justiça lhe seja feita. 

O evento foi noticiado pela grande imprensa brasileira. Em noite memorável, Aluízio Alves e José Agripino Maia debateram, sob a mediação do Professor Jales Costa, acerca dos destinos políticos do Brasil e do Rio Grande do Norte naquela que seria a primeira eleição direta para Governador do Estado após 1964. 

Aqui ressalvo a conduta do então Prefeito de Natal, por eleição indireta, José Agripino Maia. Eu e João Helder fomos a sua residência para convidá-lo. Sabíamos que toda seu “entourage” era contra sua ida ao debate. 

Fizemos o convite, ponderando acerca de quão ruim seria para sua imagem as fotos de sua cadeira vazia em pleno auditório lotado, bem como quão ruim seria para a democracia que estava ressurgindo sua negativa em participar. 

Jussier Santos, um dos seus secretários municipais, fez uso da palavra se colocando contra a participação de José Agripino, alegando que toda a plateia presente seria, com certeza, claque de Aluísio Alves. 

José Agripino, entretanto, não hesitou e confirmou sua presença. Ponto para ele, nós e a democracia. 

Não paramos. Dias depois colocamos para debater entre si, sob minha mediação, os dois candidatos principais, no mesmo pleito, ao Senado da República pelo Rio Grande do Norte: Roberto Furtado, pela oposição, e Carlos Alberto de Souza, pela situação. 

Carlos Alberto levou uma claque disciplinada para aplaudi-lo, liderada por Eri Varela, um seu assessor. A noite foi tumultuada, mas tudo terminou acontecendo da melhor forma possível. 

Continuando o exercício de ousadia, realizamos vários encontros nos quais foi discutida abertamente, com a presença maciça de estudantes e professores, a relação entre marxismo e Direito. 

Para um desses debates foi convidado, especialmente, o ex-Governador Cortez Pereira, naquele momento ainda cassado em seus direitos políticos. Cortez Pereira uma vez me disse que tinha sido sua primeira manifestação pública desde a cassação! 

Por fim, e não menos importante, fizemos também o primeiro debate, no Brasil, entre os candidatos a Reitor à sucessão do Professor Diógenes da Cunha Lima, mesmo que o pleito viesse a ser, como de fato o foi realizado de forma indireta. Todos concorrentes compareceram. Lá estiveram Pedro Simões, Dalton Melo, Jales Costa, Genibaldo Barros e Lauro Bezerra. 

Resgato essas lembranças graças sob o impacto das manifestações que estão ocorrendo no Brasil e que, segundo minha avaliação, são muito importantes politicamente. Desejo ardentemente que o povo enseje as mudanças que o Brasil precisa, principalmente no que diz respeito ao combate feroz e determinado contra a corrupção. 

E tendo resgatado essas lembranças aproveito para homenagear meus companheiros de luta daquela época: João Hélder Dantas Cavalcanti, Evandro Borges e Rossana Sudário, em nome dos quais abraço todos quanto estiveram conosco naquelas gloriosas manhãs na sala F1 do Setor V, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, gritando, juntos, felizes, ansiosos para mudar o Brasil, “até que tudo cesse, nós não cessaremos”.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

MEMÓRIA: RAFAEL NEGREIROS, O INDOMÁVEL


Rafael Negreiros ao lado de Ivonete Paula em evento na ACDP

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Alguns anos atrás, final dos anos oitenta, eu e Franklin Jorge resolvemos lançar um jornal em Pau dos Ferros que cobrisse, para o Estado, todo o Alto Oeste. Seria semanal e iria para as bancas aos sábados.

Foi algo insano, mas naquela época não tínhamos noção acerca da aventura na qual nos meteríamos, e a história da “Folha do Alto Oeste” um dia será contada, através de “perfis”, “sueltos” e “bicos-de-pena”, como somente Franklin Jorge sabe fazer.

O que importa, entretanto, é registrar que Rafael Negreiros foi nosso primeiro e mais importante colaborador e, já no terceiro ou quarto número criou, com a iconoclastia que o caracterizava, a figura do “ombudsman” jornalístico – que a Folha de São Paulo criaria algum tempo depois, se arrogando pioneira, sem saber que no Sertão do Rio Grande do Norte essa experiência já existira. 

Naquele artigo Rafael Negreiros desancou o jornal com tiradas tipicamente suas: ironias cortantes, entremeadas por observações pertinentes e oportunas acerca do exercício do jornalismo, em um artigo que ele enviou para publicação, divertindo-se com nosso possível constrangimento.

Publicamos, claro, e graças a ele fizemos história. 

Talvez tenha sido essa a única vez que mantive um contato mais estreito com ele, apesar de conhecê-lo desde menino. O final da minha infância e início da adolescência – os últimos anos nos quais morei em Mossoró – foi cheio do que chamávamos de “as histórias de Rafael”, casos que eram contados nas esquinas da província e nos deliciavam pelo espírito de rebeldia, sem que disso tivéssemos noção.

Víamos Rafael – pelo menos eu via – como alguém que tinha coragem de tomar posições. Para mim não importava que posições fossem essas, mas, sim, seu destemor com as quais as assumia e defendia, além do torrencial volume de erudição que envolvia cada escrito. 

Anos depois acompanhei, por intermédio de Fernando Negreiros, filho caçula e amigo meu de infância, seu distanciamento da turbulência que o caracterizava. O tempo, domador de homens, cumprira seu papel como sempre deslealmente, porque escolhera para cúmplice anões morais com os quais Rafael Negreiros se recusava a compartilhar a experiência de sorver a vida daquela forma tão sua e tão peculiar.

Era o fim de uma era de titãs em Mossoró. Homens símbolos. Os contemporâneos dos seus últimos dias – imberbes arrogantes e pragmáticos, desletrados e vazios – sequer sabiam, quando o conheciam, ou dele ouviam falar, com que graça esdrúxula, humor derruidor, inteligência aguda, Rafael desmontava as armadilhas da mediocridade cotidiana. 

E hoje, com raras e honrosas exceções, lembram-no por seu talento menor – o humor, a excentricidade – desconhecendo, lamentavelmente, que se a coragem de firmar opinião usando como veículo a iconoclastia tivesse nome, seria, com certeza, Rafael Negreiros.

Existe ainda uma outra faceta de Rafael que eu considero ímpar. Lembra um poema atribuído a Borges que depois soube-se não ser de sua autoria. 

No poema, em tom confessional, o autor ou a autora lamentava-se, olhando para o próprio passado e adivinhando a velhice que chegava a passos largos, não ter aproveitado um pouco mais da vida com coisas pueris. 

Aparentemente pueris, digo eu, como um banho de chuva, mar, quem sabe de rio ou açude, o cavaqueado com os amigos do peito, a piada pronta, o espírito zombeteiro, discussões literárias, gargalhadas... 

Não importa caro autor ou autora, Rafael Negreiros fez isso por você. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

HISTÓRIA: PAU DOS FERROS ONTEM E HOJE

 

Fonte: Wikipedia

* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com). Originalmente publicado na Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte de nº 97.

Quando os europeus chegaram ao Rio Grande do Norte, lá por 1500, encontraram a grande nação tupi-guarani no litoral, representada pelos Potiguares, e, no Sertão, os Cariris, que significa “os tristonhos, calados, silenciosos”[1], ramo do povo Tapuia. 

Diz uma lenda recolhida por missionários, conta-nos Tarcísio Medeiros, terem os Tapuias vindos de um lago encantado do setentrião continental, como sugeriu Capistrano de Abreu, descendo a costa e fixando-se no interior depois de acossados pelos tupis. 

Os Tapuia/Cariris estiveram em evidência durante a “guerra dos bárbaros”, iniciada com a resistência à penetração da pecuária que se adensara nas ribeiras dos rios, áreas essenciais à sobrevivência dos animais, mas também à dos índios, durou sessenta e cinco anos (1685-1750), terminando com a completa vitória do homem branco, que os extinguiu[2]

No Sertão nordestino, especificamente no Sertão potiguar, existiram vários ramos dos Cariris, dentre eles os Pacajus ou Paiacus, que habitaram Portalegre, Francisco Dantas, Viçosa, Riacho da Cruz e Encanto, assim como os Panatis, habitantes de Pau dos Ferros, Encanto, Dr. Severiano, São Miguel e Rafael Fernandes[3]

No início do século XVIII, bandeirantes paulistas, missionários, senhores de engenho de Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio Grande, além de oficiais de alta patente que combateram os indígenas passaram a disputar as terras do Sertão norte-rio-grandense. Denise Matos Monteiro[4] nos relata uma dessas disputas entre grandes senhores de terras e escravos de Pernambuco e Bahia e colonos potiguares: 

“Dentre os sesmeiros de outras capitanias interessados nas terras do Rio Grande, estava, por exemplo, Antônio da Rocha Pita, da Bahia, que através de quarenta dos seus vaqueiros tentou expulsar da ribeira do Assú colonos que lá procuravam estabelecer fazendas de gado. Objetivando atender às reclamações desses colonos, o rei de Portugal mandou demarcar e medir as terras desses sesmeiros em 1701. Anos mais tarde, em 1733, seus descendentes receberam uma larga faixa de terra que se estendia, dessa vez, entre os atuais municípios de Pau dos Ferros e São Miguel, na ribeira do Apodi[5]”. 

É certo que a primeira sesmaria que se tem conhecimento, alusiva à região, foi requerida por Manoel Negrão em 1717, e dizia respeito ao lugar denominado “Podi dos Encantos”, presumindo-se que se trate da Data da Conceição[6]. Negrão declarava ser morador da ribeira do Apodi e ter descoberto o terreno em companhia de Domingos Borges de Abreu. 

Mas foi somente em 1733 que a Data da Sesmaria de Pau dos Ferros foi concedida a Luiz da Rocha Pita Deusdará, Francisco da Rocha Pita, Simão da Fonseca Pita, Dona Maria Joana Pita, todos filhos e herdeiros do Coronel Antônio da Rocha Pita. Como lembra Câmara Cascudo, os “Rocha Pita” eram baianos e foram grandes latifundiários no Rio Grande do Norte. 

Manoel Jácome de Lima observa: Diz Ferreira Nobre que em 1733 Francisco Marçal fundou uma fazenda de gado no local em que se achava a vila. Em 1738, afirma o Monsenhor Francisco Severiano no seu livro 'A Diocese na Paraíba', foi iniciada a construção de uma capela que em 1756 foi elevada à categoria de matriz com a criação da freguesia, a 19 de dezembro daquele ano.” Começava Pau dos Ferros. 

A paróquia de Pau dos Ferros é a mais antiga da zona Oeste do Estado e, na época, abrangia quase todo o território da atual Diocese de Mossoró. 

O nome da cidade surgiu quando do início do seu povoamento. José Edmilson de Holanda[7] assevera ter o nome da Fazenda de Francisco Marçal, fundada próxima a uma pequena lagoa, onde existia uma frondosa oiticica, passado ao povoado: 

“O nome inicial da fazenda passou ao povoado, pois desde a sua fundação era conhecida por Pau dos Ferros, em face dos vaqueiros gravarem, à ponta da faca, no tronco de frondosa oiticica existente à margem da lagoa, os ferros das reses tresmalhadas que por lá apareciam, com a finalidade de identificar o proprietário e a origem das mesmas. A oiticica servia de pouso para os comboieiros, boiadeiros e vaqueiros das fazendas que por lá passavam.” 

Em 1761 o município de Portalegre foi criado englobando o povoado de Pau dos Ferros. Entretanto já no fim do século XVIII a povoação era maior que sua sede e a cidade de Apodi. 

Em julho de 1841 os pau-ferrenses fizeram uma representação à Assembleia Provincial, assinada por 492 pessoas de todas as classes sociais, pedindo a criação do município. A Comissão de Estatística e Justiça, em parecer assinado por João Valentim Dantas Pinagé e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque, foi favorável ao pleito, mas na sessão do dia 4 de novembro de 1841, o requerimento não foi aprovado. 

Em 1847 o deputado provincial João Inácio de Loiola Barros apresentou um projeto transferindo a sede da Vila de Portalegre para a povoação de Pau dos Ferros, pedido também rejeitado. 

Seis anos depois, em 12 de abril de 1853, os deputados Luiz Gonzaga de Brito Guerra, futuro Barão de Assú, e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque (novamente), apresentaram um projeto para elevar a povoação de Pau dos Ferros ao status de Vila, com a denominação de Vila Cristina, mas não lograram êxito. 

Finalmente em 23 de agosto de 1856 projeto apresentado pelo Deputado Benvenuto Vicente Fialho, criando o município de Pau dos Ferros, foi aprovado. E em 4 de setembro de 1856 o Presidente da Província, Dr. Antônio Bernardo Passos, sancionou a Lei nº 344, elevando à categoria de Vila o povoado de Pau dos Ferros, e determinando os limites do novo município. 

Hoje Pau dos Ferros, com 259,959 km², limitando-se ao Norte com São Francisco do Oeste e Francisco Dantas, ao Sul, com Rafael Fernandes e Marcelino Vieira, ao Leste, com Serrinha dos Pintos, Antônio Martins e Francisco Dantas, e ao Oeste com Encanto e Ereré (CE), é uma cidade com mais de 30.000 habitantes fixos, segundo dados do IBGE/2017, muito embora nela circulem, em decorrência de sua posição de polo regional, cerca de cinquenta mil pessoas por dia. 

Cidade pujante, centro comercial e administrativo da região, centraliza a prestação dos serviços estaduais e federais, e sedia a Escola de Enfermagem Catarina de Siena, a Faculdade do Oeste do Rio Grande do Norte, a Faculdade Evolução do Alto Oeste Potiguar, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Anhanguera Educacional, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido. 

Ressalte-se, do ponto de vista cultural, a importância de sua Feira Intermunicipal de Educação, Cultura, Turismo e Negócios do Alto Oeste Potiguar (FINECAP), realizada anualmente e congregando toda a região. 

Não por outra razão, a cidade também é conhecida como “Capital do Alto Oeste” e “Princesinha do Oeste”, embora muitos a chamem de “Terra dos Vaqueiros”, ou, ainda, “Terra da Imaculada Conceição”, em homenagem a sua santa padroeira. 

Em 12 de abril de 2018.

[1] MEDEIROS, Tarcísio; “Proto-História do Rio Grande do Norte”; Rio de Janeiro: Presença Edições; Fundação José Augusto; 1985.

[2] LOPES, Fátima Martins: “Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte"; Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; 2003. 

[3] MEDEIROS FILHO, Olavo; “Índios do Açu e Seridó”; Natal: Sebo Vermelho; 2011. 

[4] MONTEIRO, Denise Mattos; “Introdução à História do Rio Grande do Norte”; Natal: Flor do Sal; 4ª edição; 2015. 

[5] Pág. 59.

[6] LIMA, Manoel Jácome de; in “Revista Comemorativa do Bicentenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros (1756-1856-1956)"; Natal: Sebo Vermelho; Edição Fac-similar; 2015. 

[7] HOLANDA, José Edmilson de; “Pau dos Ferros: Crônicas, Fatos e Pessoas”; Natal: Gráfica Vital; 2011.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

HISTÓRIA: A CASA GRANDE DA FAZENDA JOÃO GOMES, EM MARCELINO VEIRA

 

Cônego Bernardino José de Queirós e Sá (1820-1884)

* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

Muitos anos depois ao recordar, com a leitura de As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, o relato do desaparecimento lento e inexorável da cultura celta na Bretanha do ciclo Arturiano, substituída pela opressiva aliança entre o cristianismo, tal qual o entendia a Igreja católica, e o poderio do Estado romano, associei o sentimento quanto a essa perda à minha própria amargura com a extinção, também impossível de ser detida, da antiga cultura sertaneja nordestina, iniciada no ciclo do gado. 

E recordei quando caminhava, garoto, pelas ruas da minha infância, tangido suavemente por meu pai, a cumprimentar, tímido, os vizinhos, dentre eles um seu colega de trabalho, Francisco Alves Cabral (Seu Chico Cabral), a quem eu conectava imediatamente, por ser filho de Pedro Alves Cabral, com a Casa Grande da Fazenda São João, uma das três ou quatro construídas no “início das eras” naquela Região, o Alto Oeste Potiguar, de onde os Fernandes, todos descendentes do casamento de Mathias Fernandes Ribeiro, filho de portugueses, com a filha de Francisco Martins Roriz, também oriundo da Pátria-Mãe e fundador da cidade de Martins, se espalharam pelo Brasil. 

Pedro Alves Cabral nascera lá, naquela lendária Casa Grande que Lampião recusou atacar, por artes de Massilon, quando invadiu o Rio Grande do Norte se dirigindo a Mossoró, escutara suas histórias e estórias nos serões familiares, testemunhara algumas e era, ele mesmo, o epicentro de uma história contada aos sussurros, entre os adultos Fernandes, mas escutados por meninos de ouvidos ávidos, que atribuía seu nascimento em 1879, no dia de São Pedro, às infidelidades do Capitão Childerico José Fernandes de Queirós e Sá, então proprietário do solar senhorial por casamento com Maria Amélia Fernandes, a Dona Marica do João Gomes, única herdeira de todo o patrimônio do Tenente Coronel Epiphanio José Fernandes de Queirós, conhecido como Major Epiphanio, falecido em 1884, e seu construtor. 

A história de Dona Marica é por si mesma uma lenda na família Fernandes. Consta que Antônio Fernandes da Silveira Queirós (o Major do Exu) teve vários filhos, dentre eles o Major Epiphanio e o Cônego Bernardino José de Queirós e Sá, que foi vigário de Pau dos Ferros de 1849 a 1884. O Major Epiphanio não teve filhos; o Padre, dez a doze, segundo alguns, dezesseis, dizem outros, de várias mulheres, dentre eles Dona Marica, a primogênita, adotada por seu irmão e dele futura e única herdeira. 

Ao assumir João Gomes o Capitão Childerico, ao que consta, segundo as lendas, manteve a tradição inaugurada pelo Cônego Bernardino de povoar os oitões, sótãos e porões da Casa Grande da Fazenda João Gomes, e dele nasceu Pedro Alves Cabral, pai de Seu Chico Cabral, a quem eu sempre associei ao lendário Solar da família e a proteção que recebeu, ao longo da vida, dos Fernandes descendentes do seu avô, bem como lembro, imediatamente, de outras tantas e preciosas histórias/estórias que o pó do tempo insiste em sepultar, e lentamente encaminhar toda uma cultura da qual, hoje, quase não há mais testemunhas vivas, para o desaparecimento.

sábado, 17 de outubro de 2020

HISTÓRIA: PAU DOS FERROS. FAMÍLIA FERNANDES E RÊGO. A ELEIÇÃO DAS PEDRAS.

 * Honório de Medeiros

honoriodemedeiros@gmail.com

Desde 1856, pelo menos, duelam Fernandes e Rêgos pelo poder em Pau dos Ferros, principal cidade do Alto Oeste potiguar. Cento e sessenta e quatro anos de luta política![1]

Este ano, 2020, de um lado temos o prefeito Leonardo Nunes Rêgo – o nome já diz tudo – e, do outro, enquanto principal nome da oposição, o ex-prefeito Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, muito embora sua candidata seja Marianna Almeida.

Nilton Figueiredo, como é conhecido, é descendente de Childerico Fernandes de Queirós, que do seu segundo casamento, com Maria Amélia Fernandes (Mãe Marica), teve Umbelina Fernandes da Silveira, mãe de Maria Fernandes de Figueiredo (Dona Lalia), sua avó paterna.[2]

Em 1864, na sessão do dia 23 de dezembro, a ata da Câmara Municipal dá conta de requerimento apresentado por alguns vereadores ao Presidente da Província solicitando fosse-lhes “relevada” a aplicação de algumas multas a eles impostas. Requeriam a eles, diretamente, alegando que a Câmara não se reunira em outubro e novembro passados, porque seu presidente, Manoel Pereira Leite, aliado dos Rêgos, estava foragido e “perseguido pela força do Delegado de Polícia”.

Assim decorreram os anos subsequentes, afirma o cronista, José Dantas.

No período que vai de 1865 a 1872, os Fernandes dominaram a Câmara Municipal, presidida por Viriato Fernandes e Hemetério Raposo de Melo, casado com Umbelina Fernandes, filha de Childerico Fernandes de Queirós.

No dia 6 de outubro de 1872, houve eleição para juízes de paz dos distritos e vereadores à Câmara Municipal. Durante quinze dias vieram os eleitores votar, mas não lhes tomaram os votos. A Junta Paroquial, presidida pelo 3º Juiz de Paz, Galdino Procópio do Rêgo, instalou-se na Igreja Matriz, para realizar a eleição, sob o protesto dos Fernandes, sob o argumento da sua incompetência para presidi-la.

A discussão transformou-se em violenta pancadaria dentro da igreja, e, fora, os liderados de ambos os grupos políticos travaram-se em briga corporal, armando-se de paus e pedras.

Muitos foram os feridos, e a Matriz foi seriamente danificada. Cessada a luta, a Junta Paroquial cercou a igreja com um grupo armado, para evitar outra confusão.

Os Fernandes, inconformados, organizaram uma outra Junta, sob a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes[3], e realizaram outra eleição, na Casa da Câmara. Submetida a documentação das duas Juntas à apreciação da Câmara Municipal, esta, em 16 de novembro de 1872, sob a presidência do Dr. Hemetério Raposo de Melo decidiu, por unanimidade de votos, a favor da eleição realizada na Casa da Câmara.

Foram, então, diplomados o Tenente Coronel Epiphanio José de Queiróz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento Souza, Manoel Queirós de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.

Vários argumentos foram levados em conta para a decisão, dentre eles o de que o eleitorado foi impedido de entrar na Matriz por uma força armada de clavinote, e o encerramento da eleição ter ocorrido no Sítio “Logradouro”, de propriedade dos Rêgos quando, à meia-noite, os últimos votos foram recolhidos em um chapéu improvisado de urna.

Entretanto, o Governo da Província não lhes foi simpático, e anulou a eleição realizada na Câmara dos Vereadores. E, em 27 de outubro de 1873, por Aviso Ministerial, a Câmara foi cientificada que o Governo Imperial confirmava a eleição promovida pela Junta Paroquial.

Tiveram, assim confirmadas suas diplomações, Galdino Procópio do Rêgo, João Bernardo da Costa Maya, Norberto do Rêgo Leite, Florêncio do Rêgo Leite Gameleira, e João Afonso Batalha.

O povo, que a tudo e todos alcunha, quando sua atenção é despertada, não deixou por menos: batizou o episódio de “eleição das pedras”.

Natal, em 8 de outubro de 2020

Honório de Medeiros

Trineto de Childerico José Fernandes de Queirós, por parte do seu primeiro casamento, com Guilhermina Fernandes Maia.


[1] FREIRE, Cônego Manoel Caminha e outros. Revista Comemorativa do Bi-Centenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros. Natal. Sebo Vermelho. Edição fac-similar. 2015.

[2] FERNANDES, João Bosco e FERNANDES, Antônio Mousinho. Memorial de Família.Teresina. Halley S/A. 1ª edição. 1994.

[3] Trisavô de Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓS DO ALTO OESTE POTIGUAR (IV)

Honório de Medeiros


O TENENTE-CORONEL JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓS E SÁ

Como vimos, Domingos Jorge de Queirós e Sá é irmão de Agostinho Pinto de Queiros, que depois autodenominou-se Agostinho Fernandes de Queirós, e ambos foram filhos do português José Pinto de Queirós. 

Domingos casou-se com Maria José do Sacramento, filha de Mathias Fernandes Ribeiro, e tiveram, dentre outros filhos, o Cônego Pedro Fernandes de Queirós, deputado provincial em três legislaturas[1] (1835/1837, 1838/1840, 1845/1847), que faleceu em Pernambuco, no ano de 1875, assim como o Tenente-Coronel de Batalhão José Fernandes de Queirós e Sá.

O Tenente-Coronel casou-se com sua prima Margarida Gomes da Silveira, filha do Coronel Agostinho Pinto de Queirós. É ele a raiz dos Fernandes Queirós no Rio Grande do Norte. Percebe-se sua importância, na época, a partir do seguinte texto[2]:

“Em 28 de fevereiro de 1851 o jornal “A Imprensa”, do Rio de Janeiro, ao transcrever longa correspondência oriunda do Rio Grande do Norte, na qual se relatam as perseguições supostamente sofridas pelos “sulistas” no âmbito do município do Açu, dá-se conta de uma apreensão ilegal, feita pela polícia “nortista” da cidade, de correspondência encaminhada por líderes liberais lá residentes ao Coronel José Fernandes de Queirós e Sá[3], líder político em Pau dos Ferros, informando-o “sobre plano de assassinato tentado contra o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti”.

“Na mesma correspondência é transcrito Mandado expedido pelo Juiz Municipal de Assu com o seguinte teor[4]:

“Mando a qualquer oficial de justiça a quem este for apresentado, indo por mim assinado, em seu cumprimento varejem a casa do tenente-coronel Manoel Lins Caldas, e capturem os réus José Brilhante e José Calado, que segundo a notícia dada a este juízo ali se acham no intuito de assassinarem o Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti” (...).

“Em 30 de janeiro de 1852 o “Correio da Tarde” transcreve, em sua “Parte Oficial”, correspondência do Presidente da Província do Rio Grande do Norte, José Joaquim da Cunha[5] ao Ministro da Justiça Eusébio de Queiróz Mattoso Câmara informando-o acerca da prisão de José Brilhante de Alencar e “mais oito dos seus sequazes” por “Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti e outras autoridades combinadas” que “convocando gente armada, e reunindo-lhes as praças do destacamento de primeira linha, ali estacionado, no dia 21 de novembro[6] último” os atacaram na “Casa de Pedra” e depois de “um fogo vivo não tiveram os insurgentes outro remédio senão render-se.” A mesma notícia foi divulgada pelo “Diário do Rio de Janeiro”.

A "Casa de Pedra" aludida é o famoso esconderijo do lendário Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros.

Nas Províncias[7], como reflexo das ideias e tendências desses partidos nacionais[8], os partidos políticos se uniam em dois agrupamentos: Nortistas (também chamados de saquaremas) e Sulistas (ou Luzias).

Essas denominações locais de nortistas e sulistas, ou saquaremas e luzias, como também eram usadas, não significavam, todavia, organizações homogêneas. Com programas semelhantes e processos idênticos, não possuíam nenhuma característica fundamental.

A atuação política dos mesmos estendeu-se até 1853, quando começaram a desaparecer, após a política de conciliação. As denominações locais passaram, então, para a denominação de partidos Conservador (originado do Nortista) e Liberal (originado do Sulista), que se mantiveram até a queda do Império.

Se o Tenente Coronel José Fernandes de Queirós e Sá é a raiz dos Fernandes Queirós de Pau dos Ferros, indiscutivelmente seu filho Childerico José Fernandes de Queirós é seu continuador.

Antes, entretanto, lembremos Antônio Fernandes da Silveira Queirós, o “Major do Exu”, como era conhecido, irmão do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós e Sá.

Do seu casamento com Joanna Gomes de Amorim, filha do Coronel Agostinho Fernandes de Queirós e irmã de Margarida Gomes da Silveira, esposa do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós, nasceram, dentre outros, o Major Epiphanio José Fernandes de Queirós (o “Major Epifânio”), falecido em Pau dos Ferros, aos 8 de dezembro de 1884, e o Cônego Bernardino José de Queirós e Sá, acerca de quem trataremos em crônicas próximas, juntamente com Childerico José Fernandes de Queirós, deles primo legítimo.

[1] Conforme João Bosco Fernandes, Memorial de Família e Manoel Jácome de Lima, Martins. 

[2] Histórias de Cangaceiros e Coronéis, Honório de Medeiros, Sebo Vermelho Edições, 2015, Natal, Rn. 

[3] Tetravô do Autor. 

[4] Com grafia atual.

[5] Conservador. 

[6] De 1851. 

[7] Segundo Reinado.

[8] Conservador e Liberal. 

sexta-feira, 5 de abril de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓS DO ALTO OESTE POTIGUAR (III)

Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, O TRONCO

Do casamento de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ (filho do "Marinheiro" JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, o patriarca da Serrinha dos Pintos e ANNA MARTINS DE LACERDA) com MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO (filha primogênita de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO e MARIA GOMES DE OLIVEIRA MARTINS) surgiram, como dito no artigo anterior, os FERNANDES DE QUEIRÓZ do Alto Oeste do Rio Grande do Norte.

Acerca de DOMINGOS JORGE, quase nada se sabe. Teria nascido em 1772. Em Memorial de Família, João Bosco Fernandes nos conta que o casal teve quatorze filhos, abaixo nominados, em texto transcrito, ipsis litteris:

"1. ANTÔNIO FERNANDES DA SILVEIRA QUEIRÓZ (o Major do Exu), casado com sua prima JOANNA GOMES DE AMORIM;

2. JOSÉ FERNANDES DE QUEIRÓZ E SÁ, Tenente Coronel de Batalhão, casado com MARGARIDA GOMES DA SILVEIRA (filha do Coronel AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ);

3. AGOSTINHO JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, casado com MARIA GOMES DE QUEIRÓZ;

4. O Cônego PEDRO FERNANDES DE QUEIRÓZ, deputado provincial em três legislaturas: 1835/1837, 1838/1840, 1845/1847. Retirou-se para Pernambuco, onde residiu por quase trinta anos, vindo a falecer naquele Estado, em 1875;

5. DOMINGOS JORGE DE SÁ FILHO, casado com COSMA DE QUEIRÓZ, sem deixar filhos. Domingos faleceu com 98 anos, na fazenda João Gomes;

6. JOSÉ JOAQUIM DE QUEIRÓZ, casado com ISABEL DE QUEIRÓZ;

7. RAIMUNDO JORGE DE QUEIRÓZ, casado com sua sobrinha JOANNA MARTINS DE LACERDA, filha de MANOEL FERREIRA DA SILVA e JOANNA FRANCISCA DE LACERDA;

8. JOANNA FRANCISCA DE LACERDA, que se consorciou com seu tio ANTÔNIO FERNANDES RIBEIRO (o Perna de Pau), filho de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO; casada pela segunda vez com MANOEL FERREIRA DA SILVA SANTIAGO;

9. SILVANA MARTINS DE LACERDA, que convolou núpcias com IGNÁCIO FERREIRA DA SILVA, filho do anterior;

10. MARIANA MARTINS LOPES, esposa de VICENTE LOPES (da Serrinha), filho de JOSÉ LOPES e CLARA MARTINS; 

11. THEREZA MARTINS LOPES, casada com Domingos Lopes, irmão de VICENTE LOPES, citado acima;

12. BENTA MARTINS DE LACERDA, consorciada com FRANCISCO PEIXOTO (do Pinhão);

13. MARIA DE JESUS FERNANDES GURJÃO, foi mulher do Major VICENTE BORGES GURJÃO, descendente de família do Pará;

14. ANNA MARTINS, que se casou com FRANCISCO da Serrota".

No próximo artigo trataremos do Tenente-Coronel José Fernandes de Queirós e Sá. 


[1] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª edição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[2] LIMA, Manoel Jácome de; Martins; Coleção Mossoroense - V. 852;  Coleção Humanas Letras - CCHLA/UFRN - Natal, 1995. 

segunda-feira, 25 de março de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO ALTO OESTE POTIGUAR (II)

* Honório de Medeiros
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JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, A OUTRA RAIZ


Vimos no artigo anterior que MATHIAS FERNANDES RIBEIRO pode e deve ser considerado uma das raízes dos Fernandes de Queiróz do Alto Oeste potiguar. A outra raiz foi o Marinheiro[1] JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ, o patriarca da Serrinha dos Pintos, hoje Município, mas que pertenceu a Martins. 

Dele pouco se sabe exceto o que se pode colher, conforme João Bosco Fernandes[2], em seu inventário, datado de 1781 e existente no Cartório do Registro Civil de Portalegre, RN, assinado por sua viúva ANNA MARTINS DE LACERDA, no qual consta seu falecimento em 25 de novembro de 1780. 

ANNA MARTINS DE LACERDA, filha de FRANCISCA DA COSTA PASSOS e VIOLANTE MARTINS DE LACERDA, era irmã de JOANNA MARTINS DE LACERDA, MARIANNA MARTINS DE LACERDA, LUIZA MARTINS DE LACERDA, ANTÔNIO MARTINS DE LACERDA e MATHIAS FERNANDES RIBEIRO. 

MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, como sabemos, foi casado com MARIA GOMES DE OLIVEIRA MARTINS (filha primogênita do Capitão Francisco Martins Roriz e Micaela), de quem teve vários filhos, dentre eles, MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO, nascida em 1778. JOSÉ PINTO DE QUEIRÓZ e ANNA também tiveram muitos filhos, dentre eles DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, nascido em 1772. 

Do casamento de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ com MARIA JOSÉ DO SACRAMENTO surgiram os FERNANDES DE QUEIRÓZ do Alto Oeste do Rio Grande do Norte. 

Antes de continuar, entretanto, é importante traçar o perfil de um irmão de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ, O Tenente-Coronel AGOSTINHO PINTO DE QUEIRÓZ, depois AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ. 

AGOSTINHO PINTO DE QUEIRÓZ, depois AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ nasceu em Martins, no Rio Grande do Norte, em 21 de abril de 1870, e faleceu em 6 de março de 1866 na mesma cidade. Casou-se com FRANCISCA ROMANA DO SACRAMENTO, filha de MATHIAS FERNANDES RIBEIRO. Foi um homem notável, em sua época. Revolucionário em 1817, e encarcerado na Bahia de 1817 a 1822, quando foi anistiado[3]

Em 1832 combateu Pinto Madeira na fronteira com o Ceará. Manoel Onofre Jr[4] nos conta, citando Nestor Lima, que por terem fugido do batalhão por ele comandado “dois soldados, Patrício e Felizardo (...), o comandante mandou prendê-los e sumariamente fuzilá-los por deserção. Foi, por isso, julgado e condenado, mas a condenação prescreveu, porque nunca foi executada, e ele sempre residiu na serra”. 

Logo após o combate, escreveu ao Governador da Província do Rio Grande do Norte pedindo para trocar o sobrenome “Pinto” por “Fernandes”, da família de sua esposa. Em 27 de fevereiro de 1842 passou a ser o primeiro Presidente da Câmara Municipal (Intendente) da Vila de Maioridade (atual Martins). 

Tavares de Lira[5] lembrou que “Quando o saudoso desembargador Vicente de Lemos fazia a remodelação do Arquivo da Secretaria do Governo, encontrou a prova documental desse fato e a entregou a um bisneto daquele revolucionário: 

“Quartel de Portalegre, 7 de maio de 1832. 

Ilmo. e Exmo. Snr. Presid. da Prov. do Rio Grde. do Norte, 

JOAQUIM VIEIRA DA SILVA E SOUZA 

Tenho em mta. consideração o Respeitável ofício de V. Excia., de 7 de maio p.p., e de toudo conteúdo estou certo a dar sua devida execução. 

Deus guarde V. Excia. mO amO. 

L.S. Sempre foi o meu Velaxo de PINTOS, como tenho excomungado o PINTO MADRa., mudei o meu Velaxo deora indeante pa. FERNANDES. 

Tente. Coronel 

AGOSTINHO FERNANDES DE QUEIRÓZ[6].” 

Em 1838, o regente do Império nomeou-o um dos Vice-Presidentes da Província do Rio Grande do Norte. 

Câmara Cascudo[7] relatou que de Agostinho vem uma tradição comovente: “Prisioneiro na cadeia da Baía, Agostinho teve um grande amigo na pessoa de um oficial chamado Childerico. Dispensa de serviços, melhoria na alimentação, livros para ler, notícias de Martins, tudo Childerico arranjava. Indultado, Agostinho Pinto de Queiróz fez a singular promessa de manter na família o nome daquele a quem devia tantos obséquios. Até hoje, há mais de cem anos, a família Fernandes cumpre a imposição emocional de seu antigo chefe. Há sempre vários Childericos, nomes de reis merovíngios, entre os sertanejos norte rio grandenses”.

No próximo artigo começaremos o estudo da descendência de DOMINGOS JORGE DE QUEIRÓZ E SÁ.

[1] Como eram conhecidos os portugueses homens naquele tempo. 

[2] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª edição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[3] Em Natal a revolução se mantivera de 29 de março a 25 de abril de 1817, encerrando-se com o assassinato do comandante André de Albuquerque. 

[4] MARTINS A Cidade e a Serra; 3ª edição; Sebo Vermelho; Natal, Rn. 

[5] História do Rio Grande do Norte.

[6] Conforme “A República”, Natal, Rn, 30 de abril de 1926. 

[7] Citado em O Guerreiro do Yaco, de Calazans Fernandes.

segunda-feira, 18 de março de 2019

A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO ALTO OESTE POTIGUAR (I)

* Honório de Medeiros
* Emails para honoriodemedeiros@gmail.com
* Respeitemos o direito autoral. Em conformidade com o artigo 22 dLEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências,pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, A RAIZ

Consta[1] que em 7 de janeiro de 1742, sob a justificativa de que era descobridor das terras e morador da Capitania do Rio Grande do Norte, solicitou Francisco Martins Rodrigues, nascido na Ribeira do Jaguaribe, Ceará, em 1702, e morto em Martins, Rio Grande do Norte, em 1786 ou 1796, uma concessão no Sítio Telha, Ribeira do Apodi.

Alegou que possuía e pretendia criar gado cavalar e vacum, além de lavrar. Requereu as terras para si e seus herdeiros, isenção de pagamento de foro e pagamento de pensão, oferecendo-se para pagar somente o dízimo.

A terra pretendida localizava-se na Ribeira do Apodi, e seguia em direção a Serra que se encontrava no Sitio Telha. Tinha como ponto central a Lagoa do Ingá[2] e o olho d’água Tabocas, esse nas confrontações da Lagoa de São João. Na carta não há referência à direção em que a Lagoa São João confrontava com tais terras, dessa forma foi atribuído como ponto cardeal Norte a dita Lagoa. 

A solicitação foi deferida como Data de Sesmaria. É o que se lê no Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN - Fundo Sesmarias), Livro IV, n. 303, fls. 87-88. A data da concessão é 1º de março de 1742 e a autoridade que a concedeu o Capitão Mor Francisco Xavier de Miranda Henriques. 

Nos registros da Plataforma observa-se que a Carta apresentou como exigência que o suplicante registrasse a sesmaria que lhe foi concedida. Acredita-se que isso não aconteceu conforme ordenou o Capitão-Mor, pois o documento não possui a indicação do local, nem da data, tampouco do escrivão responsável pelo registro. Sabe-se, entretanto, que a carta de sesmaria foi registrada de alguma forma, visto que a mesma existe no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Existe a possibilidade de que seu nome fosse Francisco Martins Rodrigues, não Roriz. Na cópia da Carta de Data e Sesmaria da Telha, pinçada do "Sesmarias do Rio Grande do Norte", publicada por Vingt-Un Rosado, lê-se, claramente, "Francisco Martins Roiz", não Roriz. Saliente-se que no século XVIII, era muito comum usar-se "Roiz" como abreviação de "Rodrigues". "Roiz é tanto quanto tenho verificado nos registos paroquiais, a abreviatura de Rodrigues", lê-se em "http://geneall.net/pt/forum/829/familia-roiz/".

 Ainda: "normalmente estes registos tinham lateralmente o nome próprio seguido de Roiz e quando se lê o registo, verifica-se ser Rodrigues o apelido. No entanto poderá haver famílias que adaptaram esta abreviatura como apelido." Roriz ou Rodrigues, a tradição já consolidou a primeira hipótese, mesmo sem amparo oficial. Temos, pois, que o nome do fundador de Martins é admitido como sendo Francisco Martins Roriz, que se fixou na Serra da Conceição[3] em 1742, como escreveu João Bosco Fernandes no seu Memorial de Família[4]. 

Acerca de Francisco Martins Roriz quase nada se sabe, exceto o que foi exposto acima. É da tradição que tenha se casado com Micaela, que teve morte trágica, por afogamento na Lagoa dos Ingás, decorrente de distúrbios mentais. 

Conta-se que tendo desaparecido de casa, duas semanas após buscas incessantes Francisco Martins Roriz prometeu que onde fosse ela encontrada, no local construiria uma capela consagrada à Virgem do Rosário. Encontraram-na às margens da Lagoa dos Ingás e a promessa foi cumprida originando-se, dessa construção, a futura cidade do Martins. É de se lembrar, também, a lenda que atribui a morte de Micaela aos índios tapuias-janduís que residiam nas cercanias.

Do casamento de Francisco Martins Roriz com Micaela é comprovado que teve uma filha denominada Maria Gomes de Oliveira Martins, que se casou com Mathias Fernandes Ribeiro, de cujo casamento surgiram todos os Fernandes do Alto Oeste Potiguar, bem como outras famílias. 

Maria Gomes de Oliveira Martins, primogênita de Francisco Martins Roriz com Micaela, casou-se com Mathias Fernandes Ribeiro (imagem colhida do livro O Guerreiro do Yaco, de Calazans Fernandes)

Mais precisamente: os Fernandes de Queiróz e Fernandes de Oliveira, radicados em Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal, Ceará, Paraíba e alguns estados do Sul; os Moreira Pinto, Moreira da Silveira e Gomes da Silveira, radicados em Tenente Ananias, Sousa, Cajazeiras, Uiraúna, São João do Rio do Peixe e Ceará; os Claudino Fernandes, Fernandes Moreira e Correia de Queiroga, radicados em Luiz Gomes, Tenente Ananias, Sousa, Uiraúna, Cajazeiras, João Pessoa (Paraíba) e Terezina (Piauí); os Vieira da Silva, Vieira Coelho e Fernandes Vieira, radicados em Tenente Ananias, Uiraúna e Sousa (ambas na Paraíba); os Maia, Fernandes Maia, Rosado Maia, Fernandes Lopes e Fernandes Pimenta, radicados em Catolé do Rocha (Paraíba), Mamanguape (Paraíba), João Pessoa (Paraíba), Marcelino Vieira, Pau dos Ferros, Martins, Mossoró, Natal e Ceará.

Mathias Fernandes Ribeiro[5], nascido pela década de 1750, era filho de Francisco da Costa Passos e Violante Martins de Lacerda. Podemos ler, em Memorial de Família, o seguinte: 

"Quem consultar o Livro de Registro de Batizados da Paróquia de Missão Velha, Estado do Ceará, no período de 1748-1764 encontrará, nas folhas 3v. a referência seguinte: "Francisco da Costa Passos - de Goiana, marido de Violante Martins, de idêntica procedência" (ver obra "Povoamento e Povoadores do Cariri Cearense" - de Joaryvar Macedo)". Residentes na antiga freguesia de São João Batista da Vila de Princesa, hoje cidade de Açu-RN, Francisco da Costa Passos e Violante Martins de Lacerda deixaram ali numerosa descendência. A sua importância, para a presente pesquisa, advém do fato de terem sido eles os pais de Anna Martins de Lacerda, Joanna Martins de Lacerda, e de Mathias Fernandes Ribeiro, cernes da árvore genealógica aqui estudada."

Anna Martins de Lacerda casou-se com o "marinheiro" (nome que, à época, se atribuía aos portugueses) José Pinto de Queiróz, da Serrinha, município de Martins-RN. Hoje é o município de Serrinha dos Pintos, no Rio Grande do Norte. No Cartório do Registro Civil de Portalegre-RN, encontra-se o inventário, datado de 1781, assinado pela viúva. O patriarca da Serrinha faleceu em 25 de novembro de 1780 e Anna Martins de Lacerda, em 1805. Do casamento de Anna com José Pinto de Queiróz nasceu Agostinho Fernandes de Queirós, personagem emblemático, cujo esboço biográfico será apresentado na próxima crônica.


Joanna Martins de Lacerda casou-se com o português Manoel Fernandes que, segundo a revista nº 102, volumes XVIII e XIX, dos anos 1920-1921, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), seria procedente da Vila de Faral, região do Douro, norte de Portugal, princípios do século XVIII. Um seu irmão, com ele vindo, Antônio Fernandes, alcunhado Pimenta, originou os Fernandes Pimenta de Caraúbas, Rn, e Mamanguape, Pb. Outro, possivelmente primo, Francisco Fernandes, tomou o rumo do Ceará e originou os Fernandes Távora. Calazans Fernandes, em obra citada, informa que Manuel Fernandes e um filho tornaram-se concessionários, no Governo Jerônymo José de Melo e Castro (Pb), em 1790, das sesmarias 375 e 972, de três léguas de comprimento por uma de largura cada, localizadas respectivamente na Várzea do Mulungu (Rn) e Serra do Coité, extremas da Fazenda Bom Jesus, Seridó paraibano. 

Mathias Fernandes Ribeiro foi um dos homens mais ricos do seu tempo, e pelo casamento foi herdeiro do fundador de Martins. Residia no Sítio Cruz D’Alma, naquela cidade, embora tivesse como sede dos seus negócios a fazenda “Curral Velho”, distante poucos quilômetros da cidade de Pau dos Ferros. Seu inventário concluiu-se em 1.830, ano no qual faleceu, e relaciona como sendo de sua propriedade, além de escravos, ouro, gado e prataria, as propriedades “Cruz D’Alma”, “Curral Velho”, “Saco”, “Santiago”, “Saco Grande”, “Passarinho”, “Passagem de Onça”, “Gurjão”, “Arapuá”, “Coito”, e “Estrela”. O inventário registrou um total de sessenta e um conto de réis como monte-mor. Uma fortuna imensa. 

Registre-se que seu inventário desapareceu misteriosamente. Calazans Fernandes[6] comenta que a última vez a ser visto o inventário de Mathias Fernandes Ribeiro ele estava nas mãos do Major Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, o “Major do Exu”, um dos senhores da Serrinha dos Pintos, no ano da morte deste, em 1865. O Major era filho de Domingos Jorge de Queiróz e Sá e neto de José Pinto de Queiróz e Anna Martins de Lacerda.

Em A SAGA DOS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO ALTO OESTE POTIGUAR (2), veremos um pouco acerca do emblemático personagem Agostinho Fernandes de Queiróz, filho de Anna e José Pinto de Queiróz. 

[1] Plataforma S.I.L.B. (Sesmarias do Império Luso-Brasileiro) - http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/RN%200504

[2] No coração da Martins de hoje.

[3] Como era conhecida a Serra do Martins na época do pedido da Sesmaria.

[4] FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 1ª ed.ição: 1.994; Halley S/A: Gráfica e Editora, Teresina, Piauí. 

[5]  FERNANDES, João Bosco; Memorial de Família: Pesquisa Genealógica; 2ª ed. 

[6] FERNANDES, Calazans; O Guerreiro do Yaco; Natal: Fundação José Augusto, 2002.