quarta-feira, 29 de outubro de 2014

JESUÍNO BRILHANTE: HERÓI OU BANDIDO? INTRODUÇÃO.



* Honório de Medeiros


De todos os livros de Câmara Cascudo, para mim nenhum é tão belo quanto "Flor de Romances Trágicos". Comecemos pelo título. Se decompormos e reunirmos novamente os termos que o compõem, nem assim ele faz sentido. O que significa "Flor de Romances Trágicos"?

Entretanto é um belo título. Estranhamente belo.

Essa beleza não permite o menor vislumbre acerca do conteúdo da obra. Afinal, se os perfis que Cascudo apresenta são trágicos, com certeza não poderiam, sequer esteticamente, serem considerados romances, bem como não poderíamos denominar "flores" os "outsiders" que o grande escritor apresenta em sua obra. Trágicos, sim, não haja dúvidas... 

Mas o talento enquanto escritor, de Câmara Cascudo, não transparece apenas no título do livro apresentado à nossa leitura e tão representativo do seu olhar inquiridor. Transparece, também, nos perfis desses "outsiders" que ele nos apresenta. Cada um deles é de uma beleza formal e conteudística memorável. 

Toda essa introdução é necessária para dar suporte à afirmação basilar a ser anunciada agora. Devemos à Cascudo, mais que a qualquer outro escritor, aí incluído Raimundo Nonato, a construção do mito de Jesuíno Brilhante enquanto um cangaceiro "gentil-homem".

Recordemos:

"Jesuíno Alves de Melo Calado foi o cangaceiro gentilhomem, o bandoleiro romântico, espécie matura de Robin Hood, adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos velhos oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas.

Sua fama ainda resiste, indelével, num clima de simpatia irresistível. Certas injustiças acontecem porque Jesuíno Brilhante não existe mais. Era o paladino, o cavaleiro andante, sem medo e sem mácula, em serviço do direito comum e natural."

Não fosse a força do seu pensamento, assim como seu talento de escritor, a tradição oral não seria suficiente para construir a imagem de Jesuíno Brilhante que guardamos hoje.



Seria verdadeira essa imagem? Estão corretos os fatos por ele apresentados e interpretados, que ajudou a construir uma versão que se tornou praticamente "oficial" e que pautou a obra de Raimundo Nonato, bem como as que lhe seguiram a respeito do famoso cangaceiro?

Esse mesmo Raimundo Nonato que fora intimado por Cascudo, conforme ele nos conta em sua introdução a seu livro acerca de Jesuíno, a escrever "a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro", lhe advertindo que "falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico, caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os oprimidos". 

Para começarmos a responder essa questão o primeiro passo é nos indagarmos acerca de quais foram as fontes nas quais bebeu Cascudo para escrever acerca de Jesuíno Brilhante.

Que fontes foram essas?

Cascudo alude às seguintes fontes em "Flor de Romances Trágicos": o Padre Antônio Brilhante de Alencar (1873-1942) e Hugulino de Oliveira, de Caraúbas, Rn, que a seu pedido ouviu Dona Maria Umbelina de Almeida Castro. Faz referências, também, embora sem informar se foram fontes suas, a seu avô materno, Manuel Fernandes Pimenta, dono da "Fazenda Logradouro", município de Campo Grande, que segundo ele foi amigo pessoal de Jesuíno Brilhante, e sua mãe que, "menina, bricou muitas vezes com as filhas pequenas do valente".

Raimundo Nonato, ao aludir a Luis da Câmara Cascudo como sendo "inegavelmente a melhor documentada, e por isso, a de maior autenticidade, e a mais exata sobre a vida e a morte do filho fazendeiro João Alves de Mello" menciona outras fontes que com certeza foram consultadas por ele, tais como o romance de cenário inteiramente norte-rio-grandense "Os Brilhantes", de Rodolfo Teófilo, do Ceará, e trecho de "Heróis e Bandidos", de Gustavo Barroso, uma leitura da tradição oral acerca do tema.

Além disso, claro, o material resultante da recolha da tradição popular, tal qual o "documento popular" "ABC de Jesuíno Brilhante", que Rodrigues de Carvalho registrou em "Cancioneiro do Norte" (Paraíba, 1928).

Ou seja, enquanto fontes, as relações familiares e afetivas, bem como a tradicional propensão do nosso sertanejo de interpretar os fatos presenciados ou sabidos dando-lhes forma e conteúdo de caráter mítico turvam a possibilidade de construção de uma imagem de Jesuíno Brilhante condizente com a realidade.

É a essa tradição oral sertaneja, por exemplo, cultivada nos serões familiares, à luz das fogueiras ou lamparinas, que devemos a imagem de Antônio Silvino, Lampião e Padre Cícero que encontramos, ainda hoje, pelos Sertões nordestinos, tão distanciada da realidade.

Em sendo assim, existiria alguma outra fonte à qual pudéssemos recorrer para construir uma imagem de Jesuíno que fosse mais real, menos mítica? 

Temos. Neste ensaio vamos mostrar um outro Jesuíno Brilhante. 

Essa mostra tem dois momentos. No primeiro trataremos de fatos vividos por ele, mas vistos sob outra perspectiva, e, no segundo, traremos à lume um depoimento impactante acerca do cangaceiro, de um cidadão de reputação ilibada, seu contemporâneo, com forte presença na história em decorrência de sua decisiva participação em um momento sumamente importante para o Rio Grande do Norte.

Após fazermos tudo isso, teremos apresentado um contraponto à Cascudo e deixaremos a critério do leitor a escolha que lhe for conveniente para responder a questão que perpassa esse texto: Jesuíno Brilhante, herói ou bandido? 


Nenhum comentário: