quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

AQUELE BEIJO QUE TE DEI


O beijo

O beijo que eu presenciara, entre dois adolescentes, qual a Madeleine de Proust, remeteu-me para um passado distante, no qual minha memória se deleitou e se abateu com as imagens borradas de vultos que transitavam em nosso entorno, sons não identificáveis e odores misturados de perfumes e suor, enquanto sentados por sobre um batente qualquer nós, eu e ela de quem sequer lembro o nome, ou mesmo o rosto, exceto, apenas, o vulto esmaecido de um rosto claro, cabelos negros, lisos, cortados curtos à moda Príncipe Valente, e lábios cheios, trocáramos meu primeiro beijo.

Dias mágicos aos quais fui conduzido pelo trem do qual meu pai, um dia, muito antes, havia sido chefe. Somente isso já valera a pena. A sensação de liberdade que a primeira viagem sozinho fizera nascer era alimentada pelas cervejas tomadas com o amigo recém adquirido no restaurante para o qual minha curiosidade me impelira. Ali meu pai trabalhara, durante muito tempo. Na chegada, na cidadezinha onde fora para o casamento de uma prima distante, eu me misturei com uma legião de parentes desconhecidos e aos quais eu me apresentava como representante dos meus pais. Entre homem e menino, logo, logo, porém, esqueci-me da missão diplomática e me aventurei com alguns primos por uma caminhada até uma fazenda remota na esperança de, em lá chegando, saciar nossa fome com mangas saborosas que embora fartamente consumidas, não resolveram o problema que somente a bondade de um morador, ao nos oferecer farinha amassada com feijão de corda e rapadura, finalmente deixou para trás. Como esquecer o sabor e o cheiro daquele almoço inesperado?

À noite, o casamento e, em seguida, a festa no mercado. Lá, olhares e um convite para uma dança canhestra, logo esquecida, nos aproximara. Sentamo-nos em um batente qualquer. Não creio que alguém esqueça o primeiro beijo. Nunca esqueci o meu. Já na volta para Mossoró, no mesmo trem, eu me perguntava se algum dia ainda conseguiria vê-la. Dentro de mim achava que não, mas nutria alguma esperança. Não por que ansiasse por outros beijos seus, ou mesmo por que lhe tivesse algum afeto irrompido naquela noite especial. Não por que quisesse ter a saudade erótica de um corpo que a noite festiva apresentara apenas nuançado. Não se trata disso. O que eu queria era observar até mesmo distante, de longe, e gravar para todo o sempre, e assim pudesse convocar quando desejasse, a lembrança detalhada daquela bela adolescente que uma noite, na qual quase não nos falamos, fora quem me dera meu primeiro beijo.

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