* Honório de Medeiros
Peço licença para discordar de quem faz críticas ao instituto da delação premiada.
E o faço afirmando, inicialmente, que assim como outros, também tenho receio do Estado.
É como se lê: do Estado. Se bem me lembro, não somente anarquistas concordam quanto a todo Estado ser de exceção, uns mais, outros menos.
Mas não sei bem como se pode afirmar que o instituto da delação premiada seja característico de Estados de exceção.
Sei ainda, por outro lado, posto que a lógica o imponha, que uma análise crítica de um instituto como esse não pode ser feita sob o prisma da reserva moral aos delatores. Não faz sentido.
Alguns afirmam que a delação deu azo a todo o tipo de barbárie na história da humanidade.
Acredito firmemente que não podemos confundir a delação privada com a delação premiada, da mesma forma que não podemos confundir assassinato com matar em estrito cumprimento do dever legal (como o fazem os soldados nas guerras).
Sabemos disso: não por outra razão muitos aceitam a delação premiada, desde que submetida ao aparato ideológico dos direitos fundamentais individuais.
Ora, assim o é em relação a qualquer instituto do Estado. Qualquer aparato do Estado que não esteja submetido a limites é “espelho da retaliação, perseguição”, como se diz.
Parece óbvio que nada é mal em si mesmo. E qualquer instrumento, seja ideal ou concreto, pode ser manipulado de acordo com diferentes faces da Moral.
Não por outra razão, a mesma enxada que rasga a terra para a semeadura pode ser instrumento de morte.
Discordo, pois, de quem afirma ser contraditório confiar em um criminoso que se submeteu à delação premiada.
Na verdade o Estado não está aqui ou ali para confiar em quem quer que seja: seu objetivo é trabalhar as declarações do delator confrontando-as com informações das quais disponha, para alcançar o objetivo almejado.
Crer que o Estado aja a partir de filtros morais é puro romantismo, e à pergunta que alguns fazem, acerca de ser ou não plenamente aceitável uma pessoa sob juramento denunciar seus cúmplices, apresentar um relato verdadeiro e ser perdoado por seus delitos eu respondo: claro que o é!
Assim aconteceu na história recente da Itália, para combater a Máfia. Lá, o instituto da delação premiada impediu, até onde sabemos, que aquela organização criminosa assumisse, de vez, o controle do Estado.
Não aconteceu o mesmo na Colômbia, em relação às FARC?
Não é isso que pretende fazer a Polícia do Rio de Janeiro para erradicar os soldados que o tráfico infiltrou e infiltra em suas fileiras?
Em relação ao suposto delator sociopata, hipótese com a qual alguns lidam para condenar o instituto, não posso concordar com sua plausibilidade.
Ora, os depoimentos dos delatores não são verdades com as quais irão lidar ingênuos, inocentes policiais ou promotores, em somente uma etapa de um processo criminal.
Qualquer declaração de alguém em uma investigação é avaliada a partir de tudo quanto compõe o problema com o qual a Polícia e o MP estão lidando. Chamam a isso de “contexto”. Isso é óbvio.
Quanto ao mais, principalmente no que diz respeito aos comentários críticos feitos pelos que afirmam que nos faltam “freios morais”, lamento, mas também vou discordar.
Como não sei quem há de me impor “freios morais”, e não nasci com eles, assim como ninguém nasceu, prefiro os “freios legais”.
Nunca é demais lembrar que os Estados nos quais há um melhor índice de desenvolvimento humano, nos moldes pensados por Amartya Sen, são aqueles em que as leis são, tanto quanto possível, respeitadas.
Assim e correndo o agradável risco de me ter colocado enquanto contraponto a amigos queridos deixo claro que sou a favor do instituto da delação premiada.
E torço para que esse instituto possa ajudar no combate à corrupção metastática que infesta o Estado brasileiro, seja no Executivo, seja no Legislativo, seja no Judiciário.
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