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quinta-feira, 13 de julho de 2023

NÉVOA DE NADAS

 


Imagem: Honório de Medeiros


* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Quanto menos novo fico, quanto mais o tempo passa, aumenta o meu fascínio pelo Eclesiastes. Texto poético belíssimo, sapiencial, denso, condena muitos livros a sua real e diminuta dimensão. Incita-nos a questionarmos nossa vaidade tola em um mundo cujos alicerces estão firmados de tal forma, que parecem inexoráveis e eternamente incompreensíveis, alheios à nossa vontade e capacidade de entende-los.

 

1. Palavras § de Qohélet filho de Davi rei § em Jerusalém

2. Névoas de nadas § disse O-que-Sabe

névoa de nadas § tudo névoa-nada

3. Que proveito § para o homem

De todo o seu afã §§

fadiga de afazeres § sob o sol

(...)

7. Todos os rios § correm para o mar §§

e o mar § não replena §§§

Ao lugar § onde os rios § acorrem §§

para lá § de novo § correm

(...)

9. Aquilo que já foi § é aquilo que será §§

e aquilo que foi feito §§ aquilo § se fará

E não há nada de novo § sob o sol

10. Vê-se algo § se diz eis § o novo §§§

Já foi § era outrora §§

fora antes de nós § noutras eras

(...)

QOHÉLET/O QUE SABE

ECLESIASTES

Transcriado por Haroldo de Campos

 


segunda-feira, 10 de julho de 2023

DE "LIVES"

 


Imagem: Honório de Medeiros. Paris: Boulevard Saint Michel, abril de 2018

Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)

A pandemia impulsionou as "lives". São de todo o tipo e modelo. Abordam desde culinária a física quântica. Acrescentou a possibilidade de visualizar os participantes, e isso é significativo. Tornou o debate mais fragmentado, curto (tempo), democrático e raso. Bastante raso. Golpeou fundo esse velho companheiro, o livro, principalmente aquele que expressa o pensamento vertical, difícil de ser horizontalizado, próprio dos livros canônicos.

C'est la vie, c'est la belle vie, c'est la vraie vie, c'est ça la vie...


sexta-feira, 1 de abril de 2022

BORGES E DUMAS, PASSANDO POR CARLYLE

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Em Ficções, Borges pondera: 

“Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma idéia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em "Sartor Resatus" (...) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários." 

Borges cita Carlyle, de quem, possivelmente absorveu a técnica. 

Entretanto Dumas pai, que foi contemporâneo do célebre ensaísta inglês, também a utilizou.

Em Os Quarenta e Cinco, lá para as tantas, ao relatar uma correspondência imaginária enviada por Chicot a Henrique III, e comentar a excentricidade do seu estilo, convida: “Quem quiser ter conhecimento dela encontra-la-á nas Memórias de l’Étoile”. 

Ou, quem sabe, terão existido mesmo essas Memórias de l’Étoile e elas ocupam algum escaninho empoeirado do “Cemitério dos Livros Esquecidos” que Carlos Ruiz Zafón localizou em Barcelona, na saborosa e definitiva  tetralogia iniciada com A Sombra do Vento?

Só o vento sabe a resposta...

quarta-feira, 23 de março de 2022

ESSÊNCIA IMUTÁVEL, FORMA EVANESCENTE

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, e os meios que são criação nossa, mas dos quais somos reféns para lidarmos conosco, os fenômenos e as coisas, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um "vir-a-ser", como diria Nietzche, de proporções incalculáveis. 

Essência imutável, forma evanescente. 

Leio em Os Crimes de Paris, de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. "Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Sureté, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura", dizem-me eles. 

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o "Bureau de Reinseignements", ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome? 

Vidocq inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre “Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca”, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró, minha Macondo particular, que não existe mais, pelo menos neste plano. 

Inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da Comédie Humaine. 

Vautrin, o mesmo que em certo momento, lá para as tantas, explica o mundo: 

"-E que lodaçal! - replicou Vautrin. - Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral... Bonito, não é?" 

Assim falava minha mãe: "vão-se os anéis, permanecem os dedos..." 

terça-feira, 8 de março de 2022

DO PERMANENTE NO IMPERMANENTE

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


No monumental Musashi, de Eijy Yoshikawa, o "santo da espada" diz: "Ao mesmo tempo, um jovem tem o péssimo hábito de achar que não pode realizar seus sonhos no lugar onde está, e de sempre buscá-los por caminhos distantes. Grande parte dos preciosos dias da juventude se perde nessa insatisfação."

Lembrei-me, então, de um trecho há muito tempo lido em Sêneca. Está no Da Tranquilidade da Alma: "Uma coisa sucede a outra, e os espetáculos se transformam em outros espetáculos. Como disse Lucrécio: 'Desse modo, cada um foge de si mesmo'. Mas em que isso é proveitoso, se, de fato, não se foge? Seguimos a nós mesmos e não conseguimos jamais nos desembaraçar de nossa própria companhia".

Ou seja, busquemos o permanente no impermanente.

Em tempos de "vida líquida", como a denomina Zygmunt Bauman, no qual o evanescente é a essência das coisas, buscar o permanente no impermanente pode parecer uma quimera arcaica.

Entretanto se não nos dedicamos a tal por intermédio da submersão em si mesmo, outra coisa não fazemos quando investimos no conhecimento que nos possa trazer o "Grande Colisor de Hádrons".

Lá os cientistas buscam exatamente essa quimera arcaica ao fragmentar a tessitura da realidade.

O que acontecerá quando tudo for compreendido?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A ÚLTIMA DAS ESTAÇÕES DA VIDA

 * Honório de Medeiros

* honoriodemedeitos@gmail.com


Estamos cansados. Encenamos uma peça que não escolhemos, no teatro da vida, com parceiros que nos impuseram ou não soubemos selecionar, e uma finalidade que não é aquela que nosso coração escolheria. A razão ansiosa, sim, o coração, não. Lutamos pela admiração alheia, deixando de lado o olhar melancólico do nosso verdadeiro eu, que nos olha do espelho com olhos surpresos pelos nossos fracassos. E, quando menos esperamos, o tempo passou, tudo aquilo pelo qual valia a pena viver se foi como uma bolha de sabão ao sabor do sol, porque chegou o inverno, a última das estações da vida...

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

SIR KARL RAIMUND POPPER


Sir Karl Raimund Popper

 * Honório de Medeiros

(honoriodemedeiros@gmail.com)


Sir Karl Raimund Popper (Viena, 28 de julho de 1902Londres, 17 de setembro de 1994) foi, na minha opinião, o maior filósofo do século XX. Levo em consideração, para pensar assim, a importância de sua obra.

Matemático, físico, lógico, filósofo da ciência e filósofo político, historiador, músico, tradutor, um polímata, enfim, provavelmente o último, dado o crescimento avassalador do conhecimento após o epifenômeno da computação, que lhe foi praticamente posterior.

É muito difícil aquilatar o tamanho de sua contribuição intelectual, construído no embate contra a metafísica, o marxismo, positivismo e a psicanálise, mas, também, no estudo da relação entre teoria da evolução e epistemologia.

Suas análises de Platão e Parmênides são, no mínimo, monumentais: para tal, dominou o grego arcaico.

De sua vasta obra, talvez os mais impactantes livros sejam The Logic of Scientific Discovery, A Sociedade Aberta e seus Inimigos, Conhecimento Objetivo: uma abordagem evolucionária, Lógica das Ciências Sociais, Conjecturas e Refutações (o progresso do conhecimento científico) e, post mortem, O Mundo de Parmênides: ensaios sobre o iluminismo pré-socrático.

Creio ter sido Sir Karl Popper o último dos grandes, e o maior de todos.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

QUE FAZER?

 * Honório de Medeiros

(honoriodemedeiros@gmail.com)


O duplo de Vila-Matas, em Perder teorias, narrando seu périplo em Bourdeaux onde proferiria uma palestra que não houve, lembrou, enquanto vagava ao léu, a "literatura da percepção", citando Kafka, que intuiu "para onde iria evoluir a distância entre Estado e indivíduo, singularidade e coletividade, massa e cidadão".

Entretanto não aceitou, o duplo, que a "literatura de percepção" fosse o mesmo que "literatura profética", a qual denominou de "nada interessante".

Citou, ainda, o hoje pouco conhecido Julien Gracq, autor de O Mar das Sirtes, fundamental antecessor da narrativa moderna que, segundo ele, faria parte da corrente de escritores que têm a capacidade de antevisão, pois aparentemente anteviram o grande problema dos dias atuais, qual seja "a situação de absoluta impossibilidade, de impotência do indivíduo frente à máquina devastadora do poder, do sistema político".

Nada mais, nada menos, que genial!

Agora nos resta debater, à exaustão, acerca da questão que não se omite: que fazer?

Cruzar os braços?

Lutar, mesmo que aparentemente em vão?