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quarta-feira, 23 de março de 2022

ESSÊNCIA IMUTÁVEL, FORMA EVANESCENTE

 * Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)


Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, e os meios que são criação nossa, mas dos quais somos reféns para lidarmos conosco, os fenômenos e as coisas, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um "vir-a-ser", como diria Nietzche, de proporções incalculáveis. 

Essência imutável, forma evanescente. 

Leio em Os Crimes de Paris, de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. "Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Sureté, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura", dizem-me eles. 

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o "Bureau de Reinseignements", ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome? 

Vidocq inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre “Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca”, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró, minha Macondo particular, que não existe mais, pelo menos neste plano. 

Inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da Comédie Humaine. 

Vautrin, o mesmo que em certo momento, lá para as tantas, explica o mundo: 

"-E que lodaçal! - replicou Vautrin. - Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral... Bonito, não é?" 

Assim falava minha mãe: "vão-se os anéis, permanecem os dedos..."