sexta-feira, 26 de junho de 2015

O HOMEM É MUITOS, MESMO SENDO NENHUM

Bachelard

* Honório de Medeiros


“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta? Não importa. Ele é sobrevivente de outras eras. Um humanista. Diz-me, hoje, com os olhos voltados para ontem: "a filosofia não mais se expõe poeticamente. Traja outras vestes, sem elegância."

Dou-lhe razão. Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: "não se pode entrar duas vezes no mesmo rio", célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. "Tudo flui"... Quão bela é a filosofia dos gregos arcaicos...

Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: "o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão". Ou mesmo: " O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada."

Suprema gnosiologia...

Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada pelo poeta/filósofo: "procure iluminar a realidade"; "somente então podemos enxergar."

Simples assim.

A poesia – ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial. Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos. Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.

O Homem é muitos, mesmo sendo nenhum.

Nenhum comentário: