* Honório de Medeiros
Quem leu "A Tempestade", de Shakespeare, ou a assistiu, conhece o célebre jogo de palavras:
"É um demônio, um demônio de nascença, / em cuja natureza jamais pôde atuar a educação."
O solilóquio completo de Próspero é o seguinte:
"É um demônio, um demônio de nascença, em cuja natureza jamais pôde atuar a educação. Foram perdidos todos os meus esforços; sim, perdido completamente, sempre, quanto hei feito a ele por amor à humanidade. Seu corpo com a idade fica hediondo e cada vez mais ulcerado o espírito. Atormentá-los vou até que rujam."
Eis como a arte antecede a ciência.
A essência desse solilóquio é aquela da filosofia: "inato ou adquirido?"
Richard Dawkins a descreve assim, em "Fome de Saber", o volume 1 de suas memórias: "Os filósofos vêm pelos séculos afora refletindo sobre essa questão. Quando do que sabemos é embutido de forma inata, e até que ponto a mente é uma tábula rasa, à espera de que algo seja escrito nela, como acreditava John Locke?"
Karl Popper encaminhou seu gênio para resolver essa questão. É a medula de sua epistemologia. Aliás, até onde sei, o termo "tábula rasa" foi criação dele.
Muito interessante esse jogo de conectar idéias oriundas de diversas fontes. Shakespeare, Locke, Popper, Dawkins...
* Arte: www.mallarmargens.com
Um comentário:
No final d'A Tempestade: Próspero: "Eras uma figura ignóbil e eu te dei compleição humana". Calibã: "Mas a ilha era minha e tu ma tomaste". Próspero: "E ainda te ensinei minha língua". Calibã: "No que a mim só serve para nela poder amaldiçoar-te". Abraço de François.
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