segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"PADRE CÍCERO", DE LIRA NETO


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Pe. Cícero

Concluída na madrugada do sábado, 23 de janeiro do corrente, a leitura de “Padre Cícero”, do escritor cearense Lira Neto, cujo subtítulo é “Poder, Fé e Guerra no Sertão”, Companhia das Letras - “um tijolo” - como diz Aluísio Lacerda, passo a recomendá-lo vivamente aos amigos leitores do blog.


Lira Neto foi, para mim, uma grande e agradável surpresa. Nascido em Fortaleza, Ceará, 1963, já abocanhou o Jabuti em 2007, na categoria “melhor biografia” por “O Inimigo do Rei: Uma Biografia de José de Alencar”. Também escreveu “Maysa: Só Numa Multidão de Amores”, e “Castello: A Marcha para a Ditadura”. Não os li, mas que prometem, prometem.


Duvido que os outros sejam tão bons quanto “Padre Cícero”. Tão bons quanto, assinalo.


Primeiro por que é muito bem escrito: a leitura é muito agradável, flui fácil, o texto é envolvente; segundo por que a reconstituição histórica, inclusive em termos fotográficos, é primorosa; e terceiro, mas, não, por fim, é impressionante a dimensão do personagem principal e daqueles “secundários”, como é o caso do Dr. Floro Bartolomeu, baiano, médico, garimpeiro, político, ferrabrás, a “alma negra” do Padre Cícero, ou mesmo da Beata Maria de Araújo, negra, analfabeta, protagonista do “milagre do Juazeiro”, que consistiu em cuspir hóstias transformadas em sangue, quando da Comunhão. A Beata, que até palmatoradas tomou do Vigário do Crato, e foi exilada durante anos de sua Juazeiro natal por ordem da Igreja, também entrava em êxtase e apresentava os estigmas de Cristo, ao mesmo tempo em que se banhava de sangue para logo depois “acordar” limpa e sem qualquer marca no corpo – fenômenos constatados por padres e médicos.


Mas há outros personagens menores sumamente interessantes: o que dizer do Conde Adolphe Achille van den Brule, ex-camareiro do Papa Leão XIII, companheiro e sócio de Floro Bartolomeu, que se apaixonou por uma Juazeirense e, mesmo sendo casado na Europa e lá tendo deixado dois filhos, casou-se novamente no Cariri, nele fincou raízes e nunca mais voltou?


Além dos personagens, alguns fatos históricos relatados na obra chamam a atenção, como a tomada do poder central, em Fortaleza, pelos coronéis do Cariri tendo, à frente, Floro Bartolomeu e um exército de cangaceiros, jagunços, romeiros e devotos de Padre Cícero, todos pelo “padim” abençoados? Revolta que derrubou, na ponta do fuzil, o Governador Franco Rabelo, amado pelos fortalezenses, e, de permeio, matou o nosso Capitão José da Penha, que com ele se solidarizara?


O livro deixa algumas interrogações no ar: qual o passado de Floro Bartolomeu e o fim do Conde van den Brule? Por outro lado demonstra, à exaustão, como a incompetência da Igreja Oficial, externada, principalmente, dentre outros, por intermédio do Segundo Bispo do Ceará Dom Joaquim José Vieira. Preconceito, racismo, intransigência, autoritarismo, alheamento, burrice, tudo isso serviu como combustível de primeira grandeza para alimentar o incêndio fanático no qual se transformou Padre Cícero.

E o quê dizer de Padre Cícero? Nada. É preciso ler o livro. Entretanto é possível ter uma noção de sua sabedoria tomando conhecimento de seu catecismo ecológico, vazado lá pelos idos da virada do século XIX para o XX, e distribuído com os agricultores:


“Não toquem fogo no roçado nem na caatinga; não cacem mais e deixem os bichos viverem; não criem o boi nem o bode soltos; façam cercados e deixem o pasto descansar para se refazer; não plantem em serra acima, nem façam roçado em ladeira muito em pé: deixem o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza; façam uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva; represem os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta; plantem cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o Sertão todo seja uma mata só; aprendam a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar vocês a conviverem com a seca. Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer; mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o Sertão vai virar um deserto só.”


Enfim, uma grande obra. Para ser lida ou para ser estudada. Ou ambas, nada impede.

6 comentários:

Sergio Dantas.'. disse...

Sem dúvida, umas da melhores obras dos últimos tempos, mesmo se considerarmos que é uma biografia; uma 'síntese histórica'.
O escritor foi a fundo. Por exemplo, na questão da presença de Lampião me Juazeiro, Lira enfocou bem o papel de Floro Bartolomeu no estranho convite, assim como mostrou a inexistência de um suposto encontro deste com o cangaceiro.
O mito que houve esse conclave entre Lampião, Padre Cicero e o 'Coronel' Floro é apenas ficção ,como já de muito se sabe.
Floro, de fato, viajou para o Rio de Janeiro - acometido de sífilis em estado terciário - no início de fevereiro de 1926, enquanto Lampião só chegará ao Juzeiro em março.
Outro enfoque fantástico é o 'esmiuçar' da história (sempre ela) da Beata Maria de Araújo, desconhecida pela maioria dos Nordestinos.
Não sei se minha sugestão teria alguma força, mas creio que é obra imprescindível para quem deseja entender NORDESTE!
Sérgio Dantas.'.

Anônimo disse...

Venho corroborar com as palavras dos nobres amigos, realmente um excelente livro, esse do Lira Neto.
Conheço um pouco a história do padre Cícero, para mim uma grande personalidade, não é novo, mas vale a pena relembrar: se nenhum milagre fez o "padim", pelo menos um podemos destacar, O Juazeiro, quer milagre maior? Em 100 anos tornou-se a segunda maior cidade do Ceará, atrás apenas da capital.
Acredito que o maior merito do livro é conseguir concatenar os fatos de uma forma que torna a leitura agradavel, além da ótima pesquisa realizada pelo autor.
Uma boa pedida, para que as pessoas, principalmente as de fora do Ceará do Nordeste afinal, conheçam um pouco da biografia do "cearense do século".

obrigado e um abraço a todos.

Angelo Osmiro Barreto

Anônimo disse...

Faço minhas as palavras dos amigos que comentaram sobre o livro mais recente de Lira Neto. Muito bom. Poderia indicar, para os que são cearenses em especial, a leitura de outro livro do mesmo autor: " O Poder e a Peste", no qual Lira Neto nos apresenta a biografia de Rodolpho Theóphilo, um personagem pouco conhecido, que prestou grandes serviços ao povo cearense.
Um grande exemplo de força de vontade e dedicação aos conterrâneos.

Carlos Eduardo.

Carlos Santos disse...

Honório, depois espero ler essa obra. Por enquanto, não. A fila de livro e o volume que já tenho, além da qualidade deles, assustam. Mas claro que vou ver essa sua dica a posteriori. Saúde e paz.

Alexandre Heberte disse...

Maravilhoso livro. Todo Caririense deveria tê-lo como leitura obrigatória.

Jeffmanji disse...

Comprei agora pouco este livro. Pela sua resenha, deve ser muito bom mesmo. Prometo que depois de ler, volto aqui para comentar.

Abraço e vamo que vamo.