domingo, 24 de janeiro de 2010

A OPÇÃO PELO REALISMO


heideggerianices.blogspot.com

“Tudo que é compreendido, está certo”.

Oscar Wilde, “Balada do Cárcere de Reading”

Talvez não seja possível, pelo que conhecemos hoje, chegarmos algum dia a alguma conclusão acerca da discussão entre Realismo e Idealismo. Podemos tomar posição, enfileirar argumentos tão mais numerosos quanto o são aqueles que se nos contrapõem no campo das idéias. É possível persuadir a nós mesmos, tão tentadoras parecem as premissas das quais podemos partir para justificar esse ou aquele caminho, mas, com certeza, é brumosa a estrada e sempre somos surpreendidos pela constatação de que nele estamos sem sabermos ao certo de qual lugar partimos e, muito menos, uma vez que o conhecimento engendra tantas novas opções a cada passo, aonde podemos chegar.
Bachelard já o pressentia, na década de 30, apontando a característica pré-científica desse ponto-de-partida ou mesmo do próprio caminho: “desde William James, tem-se repetido freqüentemente que todo homem culto segue fatalmente uma metafísica”. Essa metafísica, para ele, na realidade, são duas: a do Idealismo ingênuo e a do Realismo intransigente. O primeiro seria devedor da utopia da razão absoluta, a quem competiria classificar o universo qual posto em um mundo perfeito, acabado e organizado; o segundo, refém da crença no imediato que a realidade oferece. Pedimos vênia para uma ligeira discordância: encontramos argumentos sólidos para crer no Realismo, não o intransigente, mas aquele que não comporta adjetivos.

Não há como ser diferente. Pode haver algo de mais metafísico que o projeto positivista, essa exacerbação realista surgida para destruir a própria metafísica? E o que seria ele? Nada mais que a crença no conhecimento que derivasse da experiência. Derivar a experiência sensorial das impressões, das sensações não significa outra coisa senão a volta à cena, do antigo critério da lógica indutiva. Mas essa lógica não cumpre a expectativa que teimosamente lhe devotam seus defensores, como o demonstrou David Hume em "Enquiry Concerning Human Understanding".

Mas não somente Hume. Com efeito, o assim denominado “problema da indução” é um dos temas fundamentais de uma das obras mais importantes da epistemologia moderna, qual seja "A Lógica da Pesquisa Científica", de Sir Karl Raymond Popper. Nela, o filósofo austríaco naturalizado inglês retoma a discussão iniciada por Hume e a aprofunda, propondo uma solução para a questão que, também, se constituiu objeto de preocupação de Kant, que tentou superá-la e não o conseguiu, propondo que o princípio da indução fosse válido a priori. A solução proposta por Popper, que é o método hipotético-dedutivo corroborado pela experiência, somente surge em decorrência da sua constatação de que a passagem, conforme Hume anunciara, de “enunciados singulares (por vezes denominados também enunciados ‘particulares’), tais como descrições dos resultados de observações ou experimentos, para enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias”, não se justifica logicamente.

Popper acrescenta:

“O problema da indução também pode ser apresentado como a indagação acerca da validade ou verdade de enunciados universais que encontrem base na experiência, tais como as hipóteses e os sistemas teóricos das ciências empíricas. Muitas pessoas acreditam, com efeito, que a verdade desses enunciados universais é ‘conhecida através da experiência’; contudo, está claro que a descrição de uma experiência – de uma observação ou de um resultado de um experimento – só pode ser um enunciado singular e não um enunciado universal. Nesses termos, as pessoas que dizem que é com base na experiência que conhecemos a verdade de um enunciado universal querem normalmente dizer que a verdade desse enunciado universal pode, de uma forma ou de outra, reduzir-se à verdade de enunciados singulares e que, por experiência, sabe-se serem estes verdadeiros. Eqüivale isso a dizer que o enunciado universal baseia-se em inferência indutiva.”

Assim, a lógica indutiva, na solução proposta por Popper, passa a ser um meio através do qual se pode submeter à prova uma teoria. É o que Popper denomina de “prova dedutiva de teorias”. Ou seja, é o modelo hipotético-dedutivo, que consiste no seguinte: “A partir de uma idéia nova, formulada conjecturalmente, e ainda não justificada de algum modo – antecipação, hipótese, sistema teórico ou algo análogo – pode-se tirar conclusões por meio de dedução lógica. Essas conclusões são em seguida comparadas entre si e com outros enunciados pertinentes, de modo a descobrir-se que relações lógicas (equivalência, dedutibilidade, compatibilidade ou incompatibilidade) existem no caso. Poderemos, se quisermos, distinguir quatro diferentes linhas ao longo das quais se pode submeter à prova uma teoria. Há, em primeiro lugar, a comparação lógica das conclusões umas às outras, com o que se põe à prova a coerência lógica do sistema. Há, em segundo lugar, a investigação da forma lógica da teoria, com o objetivo de determinar se ela apresenta o caráter de uma teoria empírica ou científica, ou se é, por exemplo, tautológica. Em terceiro lugar, vem a comparação com outras teorias, com o objetivo, sobretudo, de determinar se a teoria representará um avanço de ordem científica, no caso de passar satisfatoriamente as várias provas. Finalmente, há a comprovação da teoria por meio de aplicações empíricas das conclusões que dela se possam deduzir.”

E o que não dizer, por outro lado, do Idealismo ingênuo? “Não existem fatos somente interpretações”, observa Friedrich Nietsche, por exemplo, lembrado por Vattimo ( 2001:17) quando este defende sua crença idealista e critica o Realismo. E acrescenta:

“Esta frase de Friedrich Nietsche, que, mesmo com alguma cautela (já que poderia soar ainda como uma outra afirmação metafísica), pode ser assumida como a divisa da ontologia hermenêutica, é também aquela sobre a qual versam as polêmicas daqueles que, sempre mais freqüentemente nos últimos tempos, cedem àquela que proponho de chamar ‘tentação do realismo’”.
Entretanto, podemos considerar, com Popper, haja vista a afirmação acerca da inconclusa discussão mencionada acima, sobre o Realismo não ser demonstrável nem refutável, pois como qualquer outra teoria filosófica ou metafísica despida de conteúdo empírico, excetuando-se, neste caso, a lógica, não podem ser suas asserções submetidas a teste, que mesmo assim parece sensato, no sentido do senso comum erudito, acatar a tese de ser indiscutível o fato de “Qualquer discussão do realismo, e especialmente todos os argumentos contra ele, [terem] de ser formulados em alguma linguagem. Mas a linguagem humana é essencialmente descritiva (e argumentativa), e uma descrição sem ambigüidades é sempre realista: é de alguma coisa – de algum estado de coisas, que pode ser real ou imaginário podendo, então, tal descrição ser submetida a critérios de verossimilitude”. Tese essa bem menos crua, em defesa do Realismo, que a de Samuel Johnson, não o filósofo americano mas, sim, o literato inglês, ao responder a Berkeley, o qual, juntamente com Hume e Kant, constituem o cerne do pensamento idealista: “com um pontapé numa pedra”, dizendo: “refuto-o assim”.
 
Ainda com Popper, admitir ser um dos maiores erros da filosofia apresentar a “evidência por si mesma” como argumento a favor de qualquer sentença, como é feito por praticamente todas as filosofias idealistas, a despeito do caráter conjectural do conhecimento, mesmo quando tratamos com leis naturais, como aquelas que compõem a mecânica de Newton, ontem aparentemente “evidentes por si mesmas”, mas depois entendidas como válidas somente até certo limite pela física relativística de Einstein. Popper lembra que as filosofias idealistas são, muitas vezes, sistemas de apologética de certas crenças dogmáticas, ao mencionar:

“O fato de que uma sentença pareça a alguém, ou mesmo a todos nós, ‘evidente por si mesma’, isto é, o fato de que alguém, ou mesmo todos nós, acreditemos em sua verdade e não possamos conceber que ela seja falsa não é razão para que ela seja verdadeira”.

Com Bachelard, continuando a perfilar argumentos em defesa do Realismo, podemos perceber e criticar as conseqüências do idealismo kantiano, que pretende pôr ordem nas “imagens que faz da natureza, atando-se ao que elas têm de imediato”, deixando de ultrapassar o mero sensitivismo. Ou, com Miaille, especificamente no subuniverso jurídico, perceber o caráter de obstáculo epistemológico que esse Idealismo representa, qual seja o de elaborar uma teoria jurídica que é uma idealização do mundo, não uma explicação científica:

“A questão pode assim ser formulada: dão-nos as abstrações da ciência jurídica uma representação ideológica do mundo do direito, ou, pelo contrário, uma explicação científica? Desde já dou a resposta: a ciência jurídica, tal qual ela é concebida e apresentada, não é senão uma imagem do mundo do direito, não uma explicação. Como é que se manifesta esta representação? É o que temos de procurar explicar agora, para mostrar em que este idealismo constitui um obstáculo epistemológico”.

E Miaille o explica, demonstrando em que consiste esse conjunto de noções, definições, idéias jurídicas que tudo justificam por nada justificarem – moldes proteiformes a serviço do Poder Político. Não por outra razão, como apontado mais além, neste texto, pode-se observar o uso político de aparatos teóricos, tal como o que se faz, por exemplo, ao se mudar o entendimento, o significado, a interpretação de determinada norma jurídica quando ocorre mudança na estrutura do Poder.

Então, uma vez que não é possível escoimar-se de uma metafísica, que o seja através deste auto-de-fé no Realismo. É sensato crer na existência real, objetiva e independente do mundo. É sensato crer que “existem coisas reais, independentes da consciência”. (Hessen, 2000:73). E não é sensato acreditar no Idealismo, bem como no Realismo exacerbado, seja em sua vertente lógico-positivista, empirista, ou fenomenológica.

Ainda, como último argumento em defesa do Realismo, citar Winston Churchill, de quem Popper transcreve um texto do seu “My Early Life – A Roving Comission”:

“Alguns de meus primos que haviam tido a grande vantagem de uma educação universitária costumavam provocar-me com argumentos para provar que nenhuma coisa tem qualquer existência, exceto o que pensamos dela...” “Sempre me apoiei no seguinte argumento, que arquitetei para mim mesmo, há muitos anos... Lá está esse grande sol aparentemente firmado em base não melhor que nossos sentidos físicos. Mas felizmente há um método, inteiramente à parte de nossos sentidos físicos, para testar a realidade do sol... Astrônomos... predisseram por (matemática e) razão pura que um ponto negro passará sobre o sol um certo dia. Olhamos e nosso sentido de visão imediatamente nos diz que os cálculos deles estão confirmados... Utilizamos o que se chama em feitura de mapas militares uma ‘posição cruzada’. Obtivemos testemunhos independentes da realidade do sol. Quando meus amigos metafísicos me dizem que os dados com os quais os astrônomos fizeram seus cálculos foram obtidos originalmente, necessariamente, pela evidência de seus sentidos, digo ‘Não’. Eles poderiam, de qualquer forma em teoria, ser obtidos por máquinas calculadoras automáticas postas em movimento pela luz caída sobre elas sem qualquer mistura dos sentidos humanos em qualquer etapa... Reafirmo com ênfase... que o sol é real, e também que é quente – de fato, quente como o inferno e que, se os metafísicos disso duvidam, devem ir lá e ver.”

Em conclusão, julgo ser possível, dada a fragilidade teórica dos fundamentos do Idealismo e Realismo exacerbado, conceber uma instrumentalização, consciente ou inconsciente, do aparato conceitual de cada uma dessas teorias para outros propósitos que não apenas o da busca do conhecimento. Isso é impensável em termos de uma ciência que se estabelece, ela própria, quando e somente quando suas afirmações (algo real) acerca de algo (existente no espaço e no tempo) sobrevivem às críticas, aos testes, às provas. Quanto menos frágil for o fundamento de uma teoria científica, menos ela se presta a manipulações de natureza política.



Um comentário:

Anônimo disse...

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