quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A VELHA SENHORA



A velha senhora

Honório de Medeiros

Formavam um belo casal. Ambos já acima dos setenta, beirando os oitenta, cabelos totalmente brancos, andar pausado, vinham todos os dias, até nos finais de semana, tomar, por volta da hora do “ângelus”, uma sopa de legumes especialmente preparada para eles. Quando os vi pela primeira vez, despontando na esquina da rua onde estávamos, chamei a atenção: “vejam”. Vinham lentamente, de mãos dadas, parecendo um casal de namorados.
Embora ela aparentasse ser mais idosa, estava em melhor estado de conservação. Notava-se claramente seu cuidado para com ele. A sua mão que enlaçava era também a que conduzia, guiando-o e o afastando de possíveis obstáculos, tais como irregularidades no calçamento ou cadeiras postas no meio do caminho. Mas não era só. Depois de sentados, era ela quem puxava conversa e fazia breves relatos, como querendo entretê-lo, aos quais ele pontuava com monossílabos, ou chamava sua atenção para algo diferente - o olhar cândido e curioso da criança sentada na mesa próxima.
Mesmo após vezes seguidas observando, quase nunca os vi sorrir. Eram muito sérios e somente em uma ou outra oportunidade pude surpreender um carinho eventual de um para o outro. Não que isso demonstrasse distanciamento, ao contrário. Havia, entre eles, uma transcendência – era perceptível – quanto ao trivial de gestos desnecessários, típica de um relacionamento antigo, onde o entendimento era perfeito e o silêncio comum pleno de compreensão e afeto.
Eu e os outros conversamos vezes sem conta sob o casal com quem os atendia. Tinham nascido em outro lugar, dizia ele, uma cidade grande, eram aposentados da receita e optado por não terem filhos. Agora, no final da vida, desejando mais tranqüilidade, vieram para uma cidade menor onde não possuíam parentes próximos nem conhecidos. “Quem cuida deles?”, perguntei. “Ninguém”. “Há uma moça que faz a limpeza do apartamento e do restante eles mesmo cuidam”. “Quando querem sair, já têm um motorista de táxi de confiança que os leva para onde desejam ir”.“Saem?”, continuei. “Vão à missa, aos médicos...”
Após algum tempo trocávamos cumprimentos, mas jamais passou disso. Havia uma certa reserva em cada um deles que desestimulava a aproximação para a conversa coloquial. Talvez já não tivessem interesse em construir novas relações e absolutamente não se sentiam solitários, quem sabe mesmo gostassem da solidão e do tipo de paz que ela proporciona. Se não fosse assim, por qual outro motivo teriam saído de sua cidade e vindo para esta outra, desconhecida?
No fim, tudo acabou como esperado. Ele teve um infarto fulminante e ela ficou só. No início pensou em continuar no apartamento que dividiam e tocar a vida. Mas um dia, ao chegar e perceber sua ausência na hora de costume fui informado que decidira partir e ir morar em um local especializado em receber idosos. Antes, aparecera para se despedir. Deixara, até mesmo, uma pequena lembrança, um “souvenir”. Agradecera muito, delicadamente, toda a atenção recebida. Não tocara no assunto de sua viuvez, nem dissera para onde iria. Depois, apertara a mão dos proprietários do restaurante, desejara felicidade e se fora, com seu passinho miúdo, o vestido elegante, de talhe antigo, deixando, pela última vez, o cálido registro do esvoaçar dos seus finos cabelos brancos e um leve vestígio de “Fleur de Rocaille” no ar...





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