sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

RAFAEL NEGREIROS, OU DE UM POEMA QUE SE PENSOU QUE FOSSE DE BORGES


Rafael Negreiros e Ivonete Paula

Por Honório de Medeiros

Alguns anos atrás eu e Franklin Jorge resolvemos lançar um jornal em Pau dos Ferros que cobrisse, para o Estado, todo o Alto Oeste. Seria ele semanal e iria para as bancas aos sábados.
Foi algo insano, mas naquela época não tínhamos noção acerca da aventura na qual nos meteríamos, e a história da “Folha do Alto Oeste” será contada, um dia, através de “perfis”, “sueltos” e “bicos-de-pena” como somente Franklin sabe fazer.
O que importa é ter sido Rafael Negreiros nosso primeiro e mais importante colaborador e, já no terceiro ou quarto número ter criado, com a iconoclastia que o caracterizava, a figura do “ombudsman” jornalístico – isso mesmo que a Folha de São Paulo viria fazer anos depois se arrogando pioneira sem saber que no Sertão do Rio Grande do Norte essa experiência já existira.
Naquele artigo Rafael desancou o jornal com tiradas tipicamente suas: ironias cortantes entremeadas por observações pertinentes e oportunas acerca do exercício do jornalismo. Artigo que ele enviou para publicação e divertiu-se com nosso possível constrangimento. Publicamos, claro, e graças a ele fizemos história.
Essa talvez tenha sido a única vez que mantive um contato mais estreito com ele, apesar de sempre tê-lo conhecido. O final da minha infância e início da adolescência – os últimos anos nos quais morei em Mossoró – foi cheio daquilo que chamávamos de “as histórias de Rafael”, casos que eram contados em todas as esquinas da província e maravilhavam a nós pela rebeldia, sem que disso tivéssemos noção.
Víamos Rafael – pelo menos eu via – como alguém que tinha coragem de tomar posições. Para mim não importava que posições fossem essas, mas, sim, o destemor com que elas eram assumidas e defendidas, além do torrencial volume de erudição que envolvia cada escrito seu.
Anos depois acompanhei, via Fernando Negreiros, seu filho caçula e amigo meu de infância, seu distanciamento da turbulência que o caracterizava. O tempo, esse domador de homens, cumprira seu papel como sempre deslealmente, por que escolhera para cúmplice anões morais com os quais Rafael se recusava a compartilhar a experiência de sorver a vida daquela forma tão sua e tão peculiar.
Era o fim de uma era de titãs. Homens símbolos. Os contemporâneos dos seus últimos dias – imberbes arrogantes e pragmáticos, desletrados e vazios – sequer sabiam, quando o conheciam, ou dele ouviam falar, com que graça esdrúxula, humor derruidor, Rafael desmontava as armadilhas da mediocridade cotidiana. E hoje, com raras e honrosas exceções, lembram-no eles por seu talento menor – o humor, a excentricidade – desconhecendo, lamentavelmente, que se a coragem de firmar opinião usando, como veículo, a iconoclastia, tivesse nome ele seria, com certeza, Rafael Negreiros.
Mas existe ainda uma outra faceta de Rafael que eu considero ímpar. É ela que me lembra um poema atribuído a Borges. Nele, em tom confessional, o autor ou a autora lamenta-se, olhando para o próprio passado e adivinhando a morte, não ter desperdiçado a vida com coisas pueris. Algo como um banho de chuva, um banho de mar, gargalhadas... Não importa caro autor ou autora, Rafael Negreiros fez isso por você.

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