Pente-fino promovido pelo ministério mostra que estatísticas oficiais ignoravam legião de miseráveis, que ficaram descobertas até pelos programas sociais incrementados na gestão do ex-presidente Lula
27 de maio de 2012
Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo
Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma
operação para localizar os chamados miseráveis invisíveis do Brasil - aquelas
famílias que, embora extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas
sociais e de transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em
dados do IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta
encontrar e cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém,
chegou à mesa da ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do
esperado: só no primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em
situação de extrema pobreza e invisíveis.
Considerando apenas o chefe da família, isso corresponde à
população de João Pessoa (PB). Se for levada em conta toda a família, com a
média de quatro pessoas, é uma Salvador inteira que estava fora dos programas.
O resultado da operação, conhecida como busca ativa, também
surpreende pelas características dessa população: 40% das famílias invisíveis
estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Com o desdobramento e a análise
das estatísticas, é provável que se constate que a maioria dos miseráveis
invisíveis não estão nos grotões das regiões Norte e Nordeste, como quase
sempre se imagina, mas na periferia dos centros urbanos.
"Estamos falando de famílias extremamente pobres que
até agora não faziam parte do cadastro único do governo federal e por isso não
eram vistas na sua integridade, de acordo com suas necessidades e
carências", observa a ministra Tereza Campelo. "Podiam ter filhos na
escola, mas não tinham acesso ao básico dos programas sociais, como o Bolsa
Família, a tarifa social de energia elétrica e outras ações."
Para chegar a essas pessoas o ministério partiu do princípio
de que, por algum motivo, elas não conseguiam chegar aos serviços de
assistência social das prefeituras e pedir a inscrição no cadastro único.
"Era preciso sair dos escritórios. Mobilizamos prefeituras, agentes de
saúde, empresas de distribuição de energia elétrica", conta Tereza.
"As prefeituras estão sendo remuneradas por esse trabalho."
Acidentado. Em Franco da Rocha, na região metropolitana de
São Paulo, a assistente social Marisa Lima foi uma dessas agentes mobilizadas
para caçar os invisíveis. Em janeiro deste ano ela estava trabalhando na
Unidade Básica de Saúde Municipal do Centro, na Avenida dos Coqueiros, quando
apareceu por lá Raimundo Marques Ferreira, pintor de paredes, de 52 anos.
Buscava remédios e assistência médica, rotina que segue
desde 2007 quando sofreu um acidente de trabalho. Caiu num fosso de elevador e
teve os movimentos motores do lado esquerdo do corpo comprometidos. Como não
era registrado e a empresa fechou as portas após o acidente, ficou sem nenhum
tipo de cobertura. Os laudos médicos, que guarda presos com um elástico,
indicam que também sofre com depressão e problemas neurológicos.
Separado, Ferreira mora com quatro filhos num cômodo de
pouco mais de 30
metros quadrados , no fundo de um quintal, na Vila Zazu,
bairro pobre de Franco da Rocha. É uma casa limpa, mas úmida e escura, erguida
rente a um barranco ameaçador. Na época das chuvas, Ferreira sempre é visitado
pela Defesa Civil, que insiste para que abandone o lugar. "Sair para
onde?", indaga. "Aqui eu não pago aluguel."
Não sabia como fazer. No centro de saúde, abordado pela
assistente social, o pintor contou que "já tinha ouvido falar" do
Bolsa Família, mas não sabia se tinha direito, nem como se inscrever. Hoje
recebe R$ 102 por mês, que usa sobretudo para pagar as contas de água e luz e
comprar alguma comida. Dois de seus filhos, com 16 e 13 anos, foram inscritos
no Ação Jovem, do governo estadual, que garante R$ 80 por mês, desde que
frequentem a escola.
Agora a assistência social orienta Ferreira para que obtenha
uma aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, no INSS. Se
conseguir, ele quer ampliar a casa onde mora e investir em cursos de
informática para os filhos menores. Ele tem o olhar triste e fala em voz baixa,
com modos tão humildes que dá a impressão de assustar-se com o mundo à sua
volta.
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