quarta-feira, 30 de maio de 2012

A MELHOR AMIGA

Por Ricardo Sobral

Muito já se escreveu sobre a figura da melhor amiga. Cabe aos doutores em ciências aplicáveis à espécie explicar o fenômeno. Limito-me, pois, como tristemunha ocular, contar um causo que se assucedeu, e não foi no vale do Assu. Os nomes são tão verdadeiros quanto uma nota de mil reais. É bom para todos que assim seja.

Moema é morena, cor de jambo, cabelos pretos e lisos, olhos de jabuticaba, elétrica, direta e objetiva. Alba é loura, cabelos cacheados, olhos claros, fugidios, gestos lentos, estudados. Uma é para a outra a melhor amiga. Estudam juntas desde a primeira escolaridade até a universidade. As outras têm inveja das duas e de tão bonita amizade. Aos vinte e sete anos, experientes, pré-balzaquianas, não há segredo de uma para a outra e pode se afirmar que até então viveram juntas os momentos mais importantes de suas vidas, além de compartilharem quase tudo, exceto escovas de dentes e namorados.

- Alba, amiga, não te conto.

- Diga logo, mulher, não faça arrodeio . Quer me matar, é? - disse Alba rindo.

- Preciso desabafar, tem que ser com você, minha melhor amiga – Afirmou Moema bem baixinho, com receio de ser ouvida, embora não existisse ninguém por perto.

- Lá vem você outra vez, já sei, o namorado apresentou defeito de fábrica e você o despachou.

- Não. Pelo contrário, estou apaixonadíssima. Mais que isso, amiga, jamais pensei, nem nos meus devaneios de adolescente, que existisse nesse mundo um homem como Raul. Simplesmente é o máximo! Não preciso dizer mais nada. É o máximo!

Moema só tem palavras para enaltecer o namorado, cuidando sempre de acrescentar a descoberta de um novo dote. O que não varia é o final do elogio: o máximo!

Amiga íntima, fiel, solidária e inseparável, até que Alba procura com todas as suas forças exorcizar o fantasma da melhor amiga dizendo Raul é o máximo!

Desgraçadamente, não consegue. Ao contrário, a lembrança vira sonho; o sonho convola-se em desejo, e o desejo mina suas resistências, sente que já não se governa. Ajoelha-se em cima de caroços de milho, reza profundamente, faz promessa, jura fidelidade à amiga, chora, faz plano de viajar, quem sabe uma temporada no exterior não tiraria do seu ser o “máximo” de Moema?

- Meu Deus, não posso fazer isso com Moema. Afinal, é a minha melhor amiga. Me ajude.

Por certo Deus não ouve os seus gritos de socorro, embora sinceros e tonitroantes como as trombetas de Jericó.

Moema não tarda em observar que se operara em Alba uma mudança radical. Agora, é outra pessoa, praticamente irreconhecível. Raul também mudara, rareia cada vez mais; e, quando presente, alheia-se; revela-se enfadonho e contumaz queixoso de enxaquecas intermitentes.

Quando Moema descobre a dupla traição chora initerruptamente por quatro noites e quatro dias sem se alimentar. Só água, nem caldinho desce. Pensa que vai morrer de tanta dor; dor que jamais sentira, que sequer sabia existir. Sua melhor amiga, mais que o namorado, havia lhe roubado a alegria de viver. Não sorria mais; não frequenta salão; não se arruma e pouco compra roupas. Vira um Dom Casmurro de Machado de Assis.

E assim vive por três intermináveis anos. Mas, como não há mal que seja eterno nem bem que sempre dure, um dia sente-se curada, fortalecida. Dá a volta por cima. Apaixona-se ainda mais. Beatriz, que assumira o lugar de Alba, notou:

- Amiga, você me esconde alguma coisa. Esse andar sacudido, esse sorriso tipo rio cheio - de barreira a barreira - e essa pele sedosa querem dizer o que?

- Ah! Nem te falei, amiga, pois achei que não valia a pena falar. Não vai dar certo mesmo. O Rogério não é o meu tipo, e além do mais seu desempenho não pode ser considerado nem mesmo satisfatório.

A duras penas, Moema aprendera a lição. Depois, cachorro mordido de cobra tem mede de linguiça.

Preserva o namorado e a melhor amiga.

Até hoje, passados tantos anos, Beatriz, como melhor amiga de Moema, só não entende uma coisa: porque Moema continua com Rogério.

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