Pela ordem: Massilon, Lampião e Sabino
CONTINUAÇÃO...
Enquanto isso os planos dos inimigos do Coronel Rodolpho prosseguiam. Não seria possível sua eliminação pura e simples. Seria um escândalo nacional. Mossoró, como visto acima, rivalizava com Natal em tamanho e importância. Era o escoadouro natural para onde desaguavam todos os comerciantes do sertão paraibano e norteriograndense. Boa parcela do Ceará também freqüentava Mossoró. Além disso Mossoró ficava a meio caminho entre Natal e Fortaleza. Uma cidade rica e próspera.
“E se conseguirmos embutir o projeto de eliminação de Rodolpho Fernandes em um outro projeto maior, que funcionaria como cortina de fumaça? Em primeiro lugar, invadimos Apodi, saqueamos seus homens de recursos, matamos o Coronel Francisco Pinto; depois, logo depois, antes que a confusão baixe o pó, invadimos Mossoró, saqueamos o que pudermos e, enquanto o ataque acontece, um grupo especialmente preparado invade a casa do Prefeito de Mossoró e o mata. Para essa parte nós precisamos de muitos cangaceiros. Somente Lampião tem liderança e capacidade para comandar essa invasão.”
Foi assim que aconteceu? Concretamente não se sabe. Os indícios, entretanto, estão aí, para quem quiser analisá-los, relacioná-los e descobrir o que eles formam. São fortes esses indícios. São como pontos de uma malha, intersecções de uma rede, elementos conectados de um todo, aguardando que alguém consiga tirá-los da sombra e trazê-los para a luz do sol, revelando a verdade que o tempo cada vez mais condena ao esquecimento. Os personagens são citados na literatura acerca do assunto, uns mais, outros menos. O Coronel Rodolpho Fernandes; O Coronel Francisco Pinto; o jagunço Massilon Benevides; Lampião, o rei do cangaço; o Coronel Isaías Arruda; o misterioso Júlio Porto; os adversários políticos dos coronéis citados acima, cuja liderança vem de Brejo do Cruz, passando por Apodi, até chegar em Mossoró.
Para que seja possível a teoria de que a invasão de Mossoró por Lampião ocultava o projeto de matar Rodolpho Fernandes, é preciso que essa trama tenha sido anterior à entrada, nele, do rei do Cangaço, do Coronel Isaías Arruda e do próprio Massilon Leite. Haveria indícios que isso seria possível? Haveria. O primeiro indício, já apontado acima, seria o interesse político em descartar Rodolpho Fernandes de sua liderança no Oeste e Alto Oeste Potiguar. A prova desse interesse é a o menosprezo e a agressividade com a qual o Prefeito é tratado quando expõe a possibilidade de invasão da cidade; outra é o permanente trabalho de intriga contra si realizado junto a José Augusto Bezerra de Medeiros, governador do Estado, já relatado.
Cabe lembrar que o Prefeito de Pau dos Ferros, em 1927, Coronel Adolpho Fernandes, era adversário político de José Augusto. Este destronara os Maranhão do poder e, assim, lançara na oposição, em Pau dos Ferros, os seus aliados naquela região. Aliados que receberam todo o suporte de Ferreira Chaves, o último da oligarquia Maranhão a governar o Estado, para promover a tomada, pela força das armas, contra o Coronel Joaquim Correia, em Pau dos Ferros. Mágoas antigas, mal curadas, que redundaram no descaso proposital com que José Augusto lidou com o pedido de socorro que Rodolpho Fernandes lhe enviou, como nos conta Raul Fernandes : “Apelaram ao Governador do Estado. (...) ‘Desiludidos de qualquer providência do Governo Estadual’, os mossoroenses compreenderam que teriam de contar com os próprios recursos.”
Que Lampião não sabia acerca do que se tramava pensando em usá-lo, nos deu conta Jararaca, em depoimento já transcrito, mas que vale a pena relembrar: “Lampião nunca tencionara penetrar nesse Estado porque não tinha aqui nenhum inimigo e se por acaso, para evitar qualquer encontro com forças de outros Estados, tivesse que passar por qualquer ponto do Rio Grande do Norte, o faria sem roubar ou ofender qualquer pessoa, desde que não o perseguissem.” E quanto ao Coronel Isaías Arruda? Teria sido de sua lavra o plano maquiavélico? É bem possível. Mas como toda essa história chegou a ele? Por que Isaías Arruda resolveu planejar toda a operação contra Apodi e Mossoró, e, dissimuladamente, um plano dentro do plano, contra Francisco Pinto e Rodolpho Fernandes?
É agora que entra em cena o misterioso Júlio Porto. Este personagem era de Aurora, no Ceará, mesma cidade onde nascera e exercia enorme influência o Coronel Isaías Arruda. Em 1927 tem vinte e três anos de idade. Júlio Porto não era Porto. Seu verdadeiro nome era Júlio Sant’anna de Mello. O Porto viera de sua estreita ligação com Martiniano Porto. Este, por sua vez, fidalgote nas terras do Apodi, era inimigo sangue-a-fogo do Coronel Francisco Pinto. Já o conhecemos do episódio do assassinato do Coronel. Ligado por laços de interesse recíprocos, a Tylon Gurgel e Benedito Saldanha, futuro prefeito da cidade, outros fidalgotes ferrenhos opositores de Francisco Pinto. Tylon Gurgel, sogro de Décio Albuquerque, e Benedito Saldanha , protetor de Massilon Leite, que se considerava “afilhado” de seu irmão, o Coronel Quincas Saldanha.
Júlio Porto deve ter sido o elo de ligação entre os inimigos políticos de Francisco Pinto, Rodolpho Fernandes, e Isaías Arruda (quando invadiram Apodi os cangaceiros deixaram claro que iriam invadir Mossoró). Está presente em todos os momentos cruciais ligados à invasão de Apodi e Mossoró. Sendo de Aurora, Ceará, com certeza conhece José Cardoso, proprietário da Fazenda “Ipueiras”, parente do Coronel Isaías Arruda. A ele apresenta Décio Albuquerque, genro de Tylon Gurgel, por sua vez amigo de Martiniano Porto. Dissera a Décio, representante do consórcio contrário a Francisco Pinto e Rodolpho Fernandes, talvez, que José Cardoso era o homem certo para se chegar ao Coronel Isaías Arruda e, através dele, a Lampião. Brejo do Cruz; Apodi; Aurora. A malha se fecha, mas se expande. Reforça-se.
O segundo indício do projeto oculto de matar Rodolpho Fernandes quando da invasão de Mossoró é que não foi o Coronel Isaías Arruda o idealizador do ataque à cidade. Ele planejou, obviamente, e deu apoio logístico, mas a idéia lhe foi trazida de fora. Décio Holanda a levou. Foi o emissário e era um dos beneficiários, na medida em que o ataque a Apodi eliminaria Francisco Pinto, seu e do seu sogro, inimigo pessoal e político.
Isaías Arruda foi convencido por Décio. Com a mentalidade rapace da qual era possuidor, percebeu que sairia ganhando de qualquer forma: aceitou planejar a empreitada, atrair Lampião, fornecer armas e munição por que nada tinha a perder. Com certeza, ao tomar conhecimento do plano dentro do plano, deve ter cobrado um “por fora”. E pôs mãos a obra. Sérgio Dantas nos conta: “Em dias de abril daquele ano , o sinistro caudilho recebera importante solicitação. Décio Holanda – destacado fazendeiro do município de Pereiro, no Ceará – pediu-lhe que colocasse a “cabroeira” particular a seu serviço, posto que planejava tomar de assalto a cidade de Apodi, no Estado vizinho.”
CONTINUA...
Um comentário:
Achei excelentes todos os CAPÍTULOS do artigo O Rio Grande do Norte no tempo dos coronéis.
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