Jânio Rêgo
Por Jânio Rego, direto do www.blogdafeira.com.br
"Porque doar livros (5):
Muito tempo depois da morte de Marcos Porto, apareceu a história em Areias Alvas que o filho de seu Chico Porto e dona Maria do Carmo havia aparecido, daquele jeito como era ele, chupando quixaba, no meio dos bodes, ao pingo do meio dia, sob a frondosa quixabeira onde pôs fim à própria vida naquela sombria e marulhosa tarde de junho. Como vento nas dunas, essa história, contada sob glórias e aleluias por sete mulheres na Igreja Pentecostal Sal do Senhor, ecoou pelos povoados de Gado Bravo, Retiro, Pau de Légua, Barra e chegou até a vila do Tibau e Mossoró. A Igreja Pentecostal Sal do Senhor, olhando direitinho, foi fundada por ele quando voltou de uma temporada de quase uma dúzia de anos no Amazonas. Quando voltou tinha os cabelos brancos e compridos mas cortados na fronde como os índios. Toinha Bateria foi encontrá-lo deitado na rede no primeiro andar da casa da mãe dele enviuvada. Fez aquela festa, bichim,levantou-se com aqueles braços compridos e disse assim: Toinha e Maria Bolsa Velha. E calou-se, só abrindo a boca para pregar naquela duna grande ao lado da casa de Gado Bravo onde instalou a sede da sua irmandada, que era assim que ele chamava.
Porque doar livros (4):
Quando ainda era mais criança que hoje ele leu toda a coleção de Alexandre Dumas, aquele dos 3 Mosqueteiros, uns trinta e tantos volumes, de capa grossa, esverdeada com naipes dourados nas bordas. Sabe tudo sobre França, mais ainda que agora ano passado revirou in loco os locais onde o richelieu e tantos cardeais e reis pisaram, com a meticulosidade com que folheia os seus compêndios de filosofia do direito.
Tenho a impressão que o Blog da Feira o trará no momento em que os livros da Coleção Mossoroense estejam passando às mãos da Feira representadas em Tarcízio Pimenta e José Carlos Barreto. E esse ano é França Brasil Feira França. E nada mais francês, mais jacobino que Massilon, o cangaceiro cuja história Honório de Medeiros escreve.
Porque doar livros (3):
Quando o conhecemos ele já nem ensinava mais nem francês. Mas era para nós o professor de latim com quem não estudaríamos mais. Era um padre que perambulava pelos corredores do colégio, talvez revendo velhos amigos do Diocesano Santa Luzia, indo pro refeitório quando morava no colégio. Depois mudou-se e não ouvi mais falar dele, a não ser as histórias que contavam sobre sua sabedoria latínica. “An argento patia”, era uma palavra que ele criara com radicais do latim para significar Doença da falta de dinheiro do que ele sempre reclamava. Gostava de beber cerveja e não passsara de monsenhor na cruel hierarquia católica. Era isolado. Quando morreu estava na Tribuna da Bahia e meu colega Eduardo Costa me chama do arquivo para um telefone com uma notícia que lhe dava um amigo meu antes mesmo d´eu atender o telefone: e Eduardo ecoaria pela Redação: Jânio herdou a biblioteca de um monsenhor, e já eram bem 10 mil livros. Era uma mentira mossoroense, claro,mas a Redação da Tribuna acreditou que era herdeiro do Monsenhor Sales.
Porque doar livros (2):
Professor Vingt-Un Rosado foi meu diretor na Escola de Agronomia de Mossoró, hoje tornada Universidade Federal do Semi-Árido com cursos que não se conta mais nos dedos como no tempo de Esam. Naquele tempo deixei a Rural de Pernambuco com medo da perseguição da ditadura e fui continuar agronomia sob a proteção da família e da terra mater. A Esam era, como é, uma respeitável escola e somente os arroubos de adolescência permitidos pela minha família liberal haviam me deixado fazer vestibular e passar em Recife. Quando cheguei Vingt-Un estava na sua segunda fase de poder na instituição que já passava dos 10 anos. Conheci a Coleção Mossoroense naqueles anos e já era levada pela obstinação quixotesca do velho cientista agrônomo.
Porque doar livros (1):
Fazendo uma campanha em Ribeirão Preto, em 2004, encontrei um professor universitário de malas prontas para um congresso sobre apicultura em Natal e ele dizendo-se um discípulo de padre Huberto Brunning cujo trabalho havia conhecido através da Coleção Mossoroense. A imprensa de Natal tratou-o no dia do congresso como uma das maiores sumidades em abelha jandaira uma melífera em extinção no Nordeste. A cultura nordestina é assim, atraente e brota nos locais menos prováveis. Somente o padre Huberto merece um livro, é um personagem, tão estranha a figura e tão importante foi ele para uma geração norte riograndense. É um pouco dessa cultura que o Blog da Feira pretende plantar com livros aqui na Terra de Lucas. A Transportadora Bonfim nos informou há pouco que os livros devem estar aqui amanhã. É uma honra e uma alegria."
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