domingo, 15 de novembro de 2009

ESBOÇO DE UMA METAFÍSICA ACERCA DA CAUSALIDADE JURÍDICA

Em uma metafísica da causalidade jurídica, há que se compreender sua relação com a concepção determinista do comportamento dos fenômenos físicos. O homem jurídico supre-se na esfera da dinâmica do real imediato, do "a priori" básico que determinará seu pensamento, assim como historicamente o homem filósofo supriu-se teoricamente na percepção dos macrofenômenos: apreendeu a idéia de causa e efeito porque lhe legou essa perspectiva, oriunda de uma psicologia das formas visíveis, possível e existencialmente aplicável.

É fácil compreender essa perspectiva. Dado que a astronomia é o conhecimento mais apto a dar ao espírito científico, hábitos, fundamentos, formas, a apreensão dos fenômenos físicos haveria de solicitar uma mecânica celeste. O homem, atingido em cheio pela magnitude da beleza das noites estreladas redimiu sua pequenez na tentativa de domínio das leis que a regiam. E a compreensão das leis era inerente à mecânica dos grandes fenômenos. Descobriu-se, assim, o determinado, pela clareza com que se interrelacionavam as formas.

O Determinismo é contemporâneo à mecânica, que o é ao observador dos fenômenos celestes em toda a sua grandeza. Como conceito, alimenta subjacentemente uma intuição de organização extremada, comportamento claramente definível, ordem meticulosa na estrutura do real. A visão, toldada pelo desconhecimento, supunha rigidamente determináveis os fenômenos celestes, causalmente explicáveis e efetivamente inteligíveis.

Questionar-se-ia esse esboço de crítica de uma teoria? O homem, alçado pela necessidade ao "status" de observador crítico, não ousou questionar suas concepções epidérmicas. O comodismo do visível venceu pelo cansaço da busca, pelo menos em uma primeira fase. Se as grandes formas, os grandes fenômenos, obedeciam a leis universais determinadas, se entender isso era decorrência da percepção conceitual possível de espaço e tempo como realidades absolutas e distintas, era crível afirmar que "o estado do universo num dado momento determina completamente sua evolução posterior". Na escala dos macrofenômenos, a aproximação da exatidão nos efeitos de causas conhecidas embotou a possível exclusão do rigor do erro.

Observador inconteste dos fenômenos estelares (quem ousa furta-se a um céu estrelado?), o homem jurídico, apropriador ingênuo da filosofia da seara científica, apropriou o conceito de determinismo (tê-lo-á feito sob circunstâncias além do seu domínio?) e seu conseqüente esboço teórico de causalidade. Acreditou, assim como os filósofos deterministas, que determinismo e causalidade era a realidade em si mesma. Transpôs, então, para o mundo jurídico, a causalidade e imbuiu-se psicologicamente da idéia de ordem, porque ordenados eram os fenômenos físicos.

Assim, como para o determinismo, certa linha de fenômenos concebida como determinada é pressuposto para uma previsão evoluída, com a maior precisão possível, dentro de uma perspectiva jurídica passou a haver a compreensão de que uma estrutura jurídica originará, posteriormente, uma evolução determinável. A uma lei qualquer, corresponderia necessariamente uma conduta específica. A uma ordem jurídica, corresponderia uma realidade jurídica previsível.

Em relação ao determinismo no jurídico, mesmo o fato da encontra de uma conduta objetiva oriunda de uma lei clara, não resistirá a uma inquirição mais profunda quando se analisam os elementos integrantes do efeito obtido. A certeza do legislado se fundamenta em possibilidades de exclusões progressivas, ou seja, o efeito da lei não será este, nem aquele... Então, tal determinismo se fulcra psicologicamente sobre exclusões. Atingiria o legislador o resultado desejado? Não. Fenece seu objetivo com o nascimento de sua intenção positivada.

Dessa forma, a causalidade presente no universo jurídico haveria necessariamente de prescindir de tal determinismo, até mesmo por conta da diferença categorial existente entre um e outro. Há sempre um efeito, indeterminável em sua essência.

Chega-se, assim, ao fulcro da questão. O legislador que sonha com a ordem jurídica ideal, nas circunstâncias (suponha-mo-lo humilde), não pode acreditar que, de sua lavra, origine-se este ou aquele resultado. No caso, somente haveria a possibilidade de afirmar-se uma probabilidade. Estamos, pois, imersos em uma metafísica, porque se desvaneceu qualquer certeza científica possível. Especulação...

Não se leva em conta, no universo jurídico, ainda, de uma realidade fundamentalmente probabilística. O indeterminado é o demiurgo, o criador da totalidade das coisas. No mais íntimo da matéria, encontra-se o vislumbre de uma idéia... A perturbação, o pequeno, o incerto, elevaram-se a patamares inconcebíveis. E a teoria determinista se autolimitou quando percebeu o excluído. O adensamento da pesquisa científica havia revelado o espectro da instabilidade do efeito. E da causa.

A ordem jurídica, a nível teórico, flutua em plena metafísica, pois. Mas, mesmo assim, ousa determinar o indeterminável, prever o imprevisível, propor o inconcebível. O mito da ordem jurídica repousa nessa metafísica do determinismo e empreende sempre um projeto dúbio enquanto age como esteio da manutenção do "status quo".

Na dimensão da realidade jurídica, a ação para o aprisionamento do instante resulta em fracasso. A tentativa de moldar uma conduta destrói-se enquanto expectativa na dialética do momento, porque esse instante alimenta em seu bojo a própria morte, e não admite duração. Na dinâmica do real, a medida da riqueza de uma ordem jurídica seria sua capacidade de desaparecimento. Irônico paradoxo!











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