Juca Kfouri
Do ventosulazul.blogspot.com
Sexta-feira, 06 de Abril de 2012
Jornal de Debates
ENTREVISTA / JUCA
KFOURI
“O pior do Brasil é a
ignorância”
Por Marcos Caldeira
Mendonça em 20/03/2012 na edição 686
Reproduzido de O TREM
Itabirano nº 77, fevereiro/2012; título original “Juca Kfouri: ‘O pior do
Brasil é a ignorância da população’”
Um dos jornalistas esportivos de maior
credibilidade no Brasil, o paulistano Juca Kfouri é um inflamado informador
sobre a corrupção no esporte brasileiro. Formado em ciências sociais pela
Universidade de São Paulo (USP), pertenceu ao Partido Comunista Brasileiro,
militou na Aliança Libertadora Nacional e trabalhou nos jornais O Globo, na
revista Placar, na TV Globo e TV Cultura, entre outras importantes redações.
Atualmente, está no canal ESPN-Brasil, na rádio CBN e mantém o
blogdojuca.uol.com.br e é colunista da Folha de S.Paulo.
O TREM, que segue a linha, hoje
quase exótica, de só entrevistar quem tem o que dizer, puxou papo com ele. Juca
Kfouri revela que tem vontade de ir embora do Brasil, explica por que não o faz
e responde a indagações como esta: “O que faz mais mal ao país: a emissora da
família Marinho, na qual o senhor trabalhou, o narcotráfico, os políticos
corruptos ou a ignorância da população?”
Perguntado
sobre o motivo por que os times de Minas Gerais, Nordeste e Sul são sempre
prejudicados em jogos decisivos contra paulistas e cariocas, foi curtinho, mas
ao busílis: “Porque os rios correm para o mar”.
A
seguir, com exclusividade, JK.
Pesando
tudo, o futebol mais ajuda o Brasil ou mais atrapalha o país?
Juca Kfouri – Nem
ajuda, nem atrapalha. Só o faz mais feliz.
Clubes
do exterior compram jogadores brasileiros ainda nas fraldas, empobrecendo muito
nosso esporte. Como evitar essa evasão absurda de pé-de-obra?
J.K. – Somos
exportadores de pé-de-obra porque ainda não entendemos que devemos exportar o
espetáculo, não o artista. Simples assim.
Você
leu Quando é Dia de Futebol, de Carlos Drummond de Andrade? Quem são os
escritores que mais bem escreveram sobre o futebol brasileiro?
J.K. – Li, é claro.
Carlos Drummond de Andrade é um deles. Paulo Mendes Campos é outro. Para ficar
nos mineiros, por mais cariocas que pareçam, Estrela Solitária, de Ruy Castro
[sobre a trajetória do jogador Mané Garrincha], é um dos melhores livros sobre
futebol escritos no Brasil.
Graciliano
Ramos escreveu em jornal que o futebol não teria sucesso no Brasil e defendeu
que o brasileiro praticasse a capoeira e outros esportes mais nossos. O futebol
é bem retratado pela literatura brasileira ou é tratado como tema menor por
nossos escritores.
J.K. – Na literatura
propriamente dita, ainda não tem o tratamento que merece. Mas hoje em dia temos
uma biblioteca futebolística pra lá de respeitável, de excelência mesmo. E se
Graciliano deu uma bola fora, fez por ter crédito para dar mil.
O
que achou de a Academia Brasileira de Letras – casa mais estéril que útero de
mula, segundo o polemista Fernando Jorge, colaborador dO TREM– homenagear o
jogador Ronaldinho Gaúcho?
J.K. – Uma demagogia
barata de um presidente da ABL [Marcos Vilaça] que adora bajular cartolas
nefastos e que prometeu, e jamais entregou, quando membro do Tribunal de Contas
da União, um parecer final demolidor sobre os Jogos Pan-Americanos no Rio, em
2007.
Como
a rivalidade no Brasil é acirrada, seria espetacular um campeonato de seleções
estaduais, com esta condição: o jogador teria de defender o estado no qual
nasceu. Assim, o futebol seria descentralizado dos principais eixos.
Formar-se-iam grandes seleções no Nordeste, por exemplo. Para tanto, teríamos
de ter organização e calendário muito bem planejado. O senhor considera
interessante um campeonato assim?
J.K. – Não mais,
infelizmente. O espaço tem de ser dos clubes, que investem demais para viverem
sendo desfalcados por seleções.
No
Brasil, se um time vai mal em três ou quatro partidas, a cobrança por bons
resultados é imediata. Ou o time começa a vencer ou o treinador, sob protestos
intensos, perde o cargo. Se igual cobrança fosse feita na política, que Brasil
seríamos?
J.K. – Ah, se
protestássemos diante dos palácios, como fazemos nos clubes de futebol, o país
seria quase o que sonhamos que seja.
Por
que os times de Minas Gerais, Sul e Nordeste, quando disputam partidas
decisivas contra os do Rio de Janeiro e São Paulo, sempre são prejudicados por
árbitros e auxiliares. Não há na história sequer um campeonato vencido por
clubes de fora do Rio e São Paulo com erro capital do trio de arbitragem.
J.K. – Porque os rios
correm para o mar...
Se
o futebol adotasse a regra do futebol de salão, em que o jogador pode entrar na
disputa e sair quantas vezes o treinador quiser, a durabilidade de um atleta
seria ampliada para até uns 45 ou 50 anos. Temos craques com mais de 40 anos,
mas que não jogam mais porque não suportam a correria do futebol moderno. Imagine,
por exemplo, poder ter no banco um Zico cinquentão só para cobrar falta, ou um
Éder. O que pensa dessa proposta, para privilegiar a habilidade e estender a
carreira dos gênios?
J.K. – Considero uma
boa ideia, dessas que o conservadorismo do futebol jamais adotará.
Copa
do Mundo no Brasil: já calculou a conta da corrupção, do superfaturamento, da
desonestidade?
J.K. – Nossos netos a
pagarão.
Em
todos esses anos de estrada jornalística, qual foi a melhor história que
presenciou numa redação?
J.K. – Estava na
redação da Globo em Barcelona, esperando com todos para botar no ar a chegada
da tocha olímpica, que vinha de navio, na cidade. Eis que de repente um dos
produtores escalados para vigiar o monitor que trazia imagens do porto catalão
grita da sala de edição: “A xota está chegando, a xota está chegando!”. Ao cabo
da gargalhada geral e irrestrita, ouviu-se a voz tranquila e sarcástica do
saudoso Hedyl Valle Júnior: “Calma, pessoal, calma...”
Você
trabalhou na TV Globo, conhece-a por dentro. O que faz mais mal ao Brasil: a
emissora da família Marinho, o narcotráfico, os políticos corruptos ou a
ignorância da população?
J.K. – A ignorância da
população que elege os políticos que elege, que alimenta o tráfico e que
confere hegemonias a quem não deve.
Por
favor, fale sobre este assunto: a importância para um jornalista de que ele
seja respeitado, tenha credibilidade.
J.K. – É só o que vale.
O resto, como já disse o escritor Millôr Fernandes, é armazém de secos e
molhados.
O
senhor é conhecido pelo empenho jornalístico em favor da ética no esporte e na
política. Ao jornal O Pasquim21, em 2002, disse que o Brasil é invivível. Já
teve vontade de largar este torrão e morar em um país com menor grau de
canalhice?
J.K. – Vontade já tive
sim, mas tinha os filhos e era difícil. A vontade se mantém, mas agora tem as
netas e ficou impossível.
Digamos
que inventaram um equipamento pelo qual é possível falar e ser escutado
simultaneamente por todos os brasileiros. Se fosse usar essa estrovenga para
falar duas importantes verdades sobre o Brasil, o que escutaríamos?
J.K. – Que não temos,
felizmente, o monopólio da corrupção, mas parecemos ter, infelizmente, o da
impunidade.
***
[Marcos Caldeira
Mendonça é editor de O TREM Itabirano]