sábado, 2 de julho de 2011

ENTREVISTA COM NOAM CHOMSKY

Noam Chomsky

"Quando estes políticos começam a falar sobre valores você põe a mão no bolso para ter a certeza de que a carteira ainda está ali"

por Regina Zappa


- Ao olhar para trás, para toda sua trajectória académica e militância política, o sr. se sente satisfeito com o que conseguiu? E o que acredita que conseguiu?

Muitas coisas aconteceram nos últimos 40 anos que foram alcançadas por muitas pessoas diferentes que trabalharam juntas ou paralelamente de maneiras diferentes, mas muitas vezes interagindo. Acho que o resultado final foi bastante substancial. Os Estados Unidos são hoje um país muito diferente do que eram há 30 anos. Poderia mencionar coisas específicas que foram alcançadas. Mas não sei se estou completamente satisfeito porque tudo que foi obtido foi parcial e ao mesmo tempo houve muita regressão. Muitas coisas estão melhor do que eram, mas não dá para se sentir completamente satisfeito.

O que está melhor?

Tomemos o pecado original da sociedade americana, o que aconteceu com a população indígena. Em 1969, o principal estudo sobre história diplomática americana feito por um historiados muito bom, Thomas Bailey, descreve o que aconteceu depois da Revolução americana. Os colonizadores se voltaram para a derrubada de árvores e matança de índios, expandindo suas fronteiras naturais. Hoje, mesmo no país de Jesse Helms, você não sai por aí matando índios e árvores. Em 1969, minha filha estudava numa escola de Lexington, uma cidade de profissionais de classe média. Ela tinha um livro de História na oitava série e por curiosidade fui dar uma olhadela para ver como eles tratavam a questão dos massacres de índios. Para minha surpresa, o livro contava como os colonizadores esperavam os homens saírem e entravam na aldeia, matando mulheres e crianças. É muito positivo que essas coisas sejam contadas assim. Hoje, não há nenhuma região do país onde se possa enganar os alunos a respeito disso. O mesmo é verdade no caso da guerra do Vietnam. Só em 1966 é que começou a haver reuniões contra a guerra. Em 1965, não consegui que professores de Harvard assinassem um documento suave que criticava a guerra.

Eles tinham medo?

Não, eles achavam que não havia problema em os EUA atacarem outro país. Quando Kennedy começou a bombardear o Vietname do Sul não houve protestos. Na realidade, se você perguntasse aos professores de Harvard quando os EUA atacaram o Vietname do Sul eles não saberiam do que você estava falando. Isto já não acontece. Nos anos 80, quando Reagan tentou fazer o mesmo na América Central, houve reacção aqui dentro. Agora, no caso de um conflito com um inimigo mais fraco, não só tínhamos que derrotá-lo, mas tínhamos que fazê-lo de forma rápida e firme porque o governo não encontraria mais apoio popular interno. Portanto, não podemos mais perpetrar longas guerras contra inimigos mais fracos, o que tem sido a base da história americana. Portanto, essa é uma mudança bastante radical em 300 anos de História, desde a década de 60.

Então a comunidade académica mudou?

A comunidade académica não mudou muito. O que mudou foi a opinião pública. Por exemplo, em relação à guerra do Vietname, as opiniões dos sectores mais instruídos da população e do público em geral divergiam totalmente. A posição mais crítica desses sectores com elevado grau de instrução, por exemplo, em Harvard, é que a guerra foi um erro desastroso que começou a partir de boas intenções. O público em geral não concorda. Pesquisas de opinião feitas entre 1970 e 1990 indicam que cerca de 70% creditam que a guerra não foi um erro, mas uma decisão fundamentalmente errada.

- O sr. fala muito em doutrinação e em como a sociedade está sujeita a isso através de vários meios, inclusive os meios de comunicação. Como explicaria, então, a mudança de opinião do público em geral?

Doutrinação funciona melhor entre as pessoas mais instruídas. As mudanças ocorreram, na sua maior parte, através do activismo político. É difícil definir como a cabeça das pessoas muda, mas uma série de questões estavam brotando ao mesmo tempo. Por exemplo, a questão do feminismo. Existe hoje uma atitude totalmente diferente daquela de 30 anos atrás.

- Como se encara o feminismo hoje?

Hoje já há uma aceitação dos direitos da mulher. A ideia de que o mundo da mulher deve girar em torno do cuidado com a família e das vontades do marido passou a ser vista como uma posição sustentada por extremistas. Na década de 60, esta seria a atitude considerada normal. Uma vez, uma outra filha minha que estava na escola na mesma cidade que mencionei antes resolveu fazer curso de técnicas industriais. Só os garotos podiam fazer e ela achou que isto era errado. Então ela foi chamada pelo orientador que explicou que, se ela fizesse o curso estaria tirando o lugar de um menino que poderia depois estudar engenharia ou mecânica. Aí ela perguntou: e se eu quiser me tornar uma engenheira aeronauta? O orientador não sabia que responder porque isso nunca lhe tinha ocorrido. Hoje isso tudo é muito diferente. Hoje somos um país muito mais civilizado. É isso num espaço de 30 anos.

- Nas décadas de 60 e 70 o sr. nadava contra a corrente. Isso o empurrou para as margens?

Certamente.

- Apesar disso, o sr. acredita que conseguiu influenciar a sociedade dominante?

Se você quer dizer os sectores articulados da sociedade, talvez não. Mas se você se refere à sociedade em geral, não apenas eu, mas muitos outros conseguiram. Eu passo agora boa parte do meu tempo fazendo conferências para milhares de pessoas. Na década de 60, eu falava para meia dúzia. Não fui eu quem mudou, mas o país. Mas as coisas não mudaram em Harvard Square (onde fica a Universidade de Harvard). Nunca sou convidado para falar na Escola Kennedy de Governo de Harvard. As estações de rádio públicas de Boston e as rádios nacionais públicas, consideradas como media liberal, ou criticadas por isso, já disseram que sou o único liberal que Harvard não publica [seus livros], mas, em relação ao público em geral, não dá nem para começar a responder aos convites para fazer palestras.

- Então, com excepção de Harvard...

Harvard Square é apenas simbólico.

- O sr. acha que há um EUA mais democrático? Existe democracia verdadeira neste país?

Não. Há uma cultura mais democrática, mas há uma sociedade organizada muito menos democrática. A democracia deteriorou-se substancialmente nos EUA em termos do seu funcionamento e a população está consciente disso. Mais de 80% da população acha que o governo não funciona, que trabalha para uma minoria e para interesses especiais.

- É isso que o sr. quer dizer com "funcionar"?

Há uma pergunta específica nas pesquisas Gallup que diz: a quem você acha que o governo serve? Uma das respostas é: a interesses especiais, não ao povo. Antes essa resposta representava 50%. Hoje é 80%. Portanto, se o governo trabalha para poucos e para interesses especiais, então não funciona para o povo. E isso é um percentagem bem alta que responde. Eu suspeito que isso esteja ligado ao facto das pessoas não votarem.

- Por que as pessoas ficam tão alienadas? Elas não acreditam em votar para mudar a situação?

Se elas tiverem alguém em quem votar. Suponhamos que se tenha dois republicanos moderados, ninguém se interessa. Mas há uma diferença entre política pública e opinião pública. Por exemplo, a discussão principal no ano passado era a questão do equilíbrio orçamental. Só se falava nisso nos media. Era a manchete de todos os jornais. Até que o governo fechou no ano passado. Mas o público não se interessou. E algum jornal disse que o público se opunha ao equilíbrio do orçamento? Assim que os políticos tiveram que se defrontar com o público a discussão acabou. Enquanto eles falavam para o New York Times, o Wall Street Journal, o Boston Globe, a NPB (National Public Broadcasting, a rádio pública) e os ricos eles podiam dizer que a prioridade máxima era o equilíbrio orçamental. Mas quando falam para o público, não podem dizer a mesma coisa. Repare o que aconteceu na campanha. Quem foi o primeiro candidato a desaparecer nas primárias no começo do ano? Foi Phil Grant. Sua campanha tinha muitos recursos mas ele era diferente dos outros candidatos: ele era o representante dos republicanos no Congresso. E ele morreu instantaneamente. Há anos vinha-se lendo que estávamos diante de uma avalancha conservadora, uma revolução, e seu único deputado teve morte instantânea. Ele poderia prever isto se lesse as pesquisas de opinião em vez dos jornais.

- O sr. acha que ao mudar o discurso e se voltar para as preocupações verdadeiras das pessoas...

Ninguém acredita numa palavra. Eles continuam tentando equilibrar o orçamento.

- Então as pessoas não acreditam?

Não acreditam em nada. A questão é que você não pode entrar numa primária anunciando que vai cortar a verba da saúde ou da educação. Aí eles começam a falar sobre valores. Quando os políticos começam a falar sobre valores você põe a mão no bolso para ter a certeza de que a carteira ainda está ali. Mas eles falam sobre valores porque não conseguem pensar em outra coisa para falar. Então eles continuam a trabalhar nisso, no orçamento porque o mundo dos negócios e a comunidade financeira estão interessados, mas a população não. Então é seu papel, se você for um jornalista, de suprimir tudo isso. Essas são coisas muito dramáticas.

- E quanto à diferença entre republicanos e democratas?

A diferença é que um quer equilibrar o orçamento em sete anos e o outro em sete anos e meio.

- E o público em geral? Votar democrata é mais ideológico?

Não é ideológico. Se você olhar bem, são questões como personalidade que contam na hora da escolha. Mas não diferenças de política, ou melhor, há pequenas diferenças de políticas, mas são subtis.

- Mas nada que faça grande diferença?

Não há ninguém que apareça e diga: queremos um programa de criação de empregos e não equilibrar o orçamento. Isso é o que o público quer, mas não é o que o mundo dos negócios quer. E esse é o mundo dos negócios. Mas esse é o tipo de coisa que não se é permitido saber em Harvard Square. O mundo dos negócios quer equilibrar o orçamento. E não é apenas o orçamento, é cada posição. Há duas partes do orçamento, por exemplo, cujos custos estão subindo e não sendo equilibrados. Uma é o Pentágono e a outra é o sistema de segurança, as prisões. Essas duas coisas estão subindo e os chamados conservadores as estão empurrando para cima. O público quer isso? Não. Mas não importa. Newt Gringrich quer e outros também. E eles o querem por uma razão muito boa: eles entendem que o sistema do Pentágono é a técnica pela qual o público financia a indústria de alta tecnologia. Você força o público a financiar a indústria de alta tecnologia através dos sistema do Pentágono. Essa é sua principal função. Tome o exemplo da NPR (rádio pública). Na campanha eleitoral de 1994, quando Newt Gringrich era o grande herói e se preparava para ser eleito, os republicanos caíram de pau nos democratas por causa da política de welfare (bem-estar social). Pois bem. Tem um pequeno facto escondido, do qual todo jornalista tinha conhecimento: Gringrich ganha mais benefícios da Previdência em seu distrito que qualquer outro candidato. Seu distrito recebe mais subsídios de bem estar (welfare) que qualquer outro distrito suburbano do país. Ninguém escreveu sobre isso.

- Isso nunca foi publicado?

Não. Uma vez dei uma palestra na Carolina do Norte na época da eleição. Pouco depois da palestra, perguntaram a um director da emissora porque a rádio pública não divulgava isso. Ele simplesmente disse que esse facto não era cutting edge news (notícia quente). E ele sabe que não se expõe o facto, por exemplo, que o sistema do Pentágono é uma forma de transferir os recursos públicos para os ricos.

- O sr. acha que a anunciada revolução republicana morreu na praia?

Não havia nada para morrer. Em 1994, os republicanos tinham cerca de 20% do eleitorado. Foi um aumento de 2% comparado a 1992, portanto, uma mudança muito pequena. E essa pequena adesão foi proporcionada quase que toda por estudantes saídos do curso secundário, brancos, começando a trabalhar, que se afastaram do Partido Democrata. Não porque eles adoravam os republicanos, mas porque odiavam os democratas. E tinham uma boa razão para odiá-los: seus salários eram péssimos. É a raiva do homem branco se voltando contra os democratas. E por falar nisso, poucos democratas concorreram à eleição baseados num programa ao estilo New Deal. Esses se deram bem. Os novos democratas, os democratas do Clinton, que eram basicamente republicanos, é que foram esmagados. Mas a mudança foi muito pequena. Nunca houve uma revolução republicana. Outra coisa interessante sobre as primárias é que ninguém falou sobre o Contrato com a América. E por quê? Porque o público odeia isso. Quando a eleição foi realizada, apenas cerca de um quarto do público tinha ouvido falar disso. E quando perguntavam a essas pessoas sobre sua posição, elas diziam ser totalmente contra. É assim que funciona o sistema. Pode-se manter um afastamento substancial entre opinião pública e política de governo. Desde que você não diga às pessoas qual é a política.

- Mas há muitos jornalistas que têm consciência disso.

Então eles são uns mentirosos fantásticos.

- Alguns tentam lutar contra essa tendência.

Muito poucos.

- Qual jornal deste país o sr. considera mais confiável?

Se eu tivesse que ler os jornais de apenas um país leria os jornais deste país (EUA). Não que sejam mais confiáveis, mas eles apresentam muita informação. O que eu disse antes estava na imprensa de alguma maneira, só que ficou meio escondido. Se você lê o Wall Street Journal, o New York Times, o Boston Globe, o Washington Post, o Christian Science Monitor, você encontra uma boa quantidade de informação confiável. A maior parte apresentada na forma de histórias. A informação está lá mas você tem que saber o que está procurando. E a não ser que tenha o tempo e a energia... Para a maioria das pessoas isso é irrelevante. Elas não têm o tempo, os recursos e o conhecimento.

- Elas apenas querem os factos?

Na verdade, elas nem querem os factos. Não estão interessadas nos jornais. Obtêm sua informação da televisão. Elas não têm tempo para a imprensa. É trabalho demais tentar separar os pedacinhos de verdade de toda a desinformação maciça. Mas está lá. Essa é parte da técnica da propaganda.

- E isso é parte do que o sr. costuma chamar de doutrinação?

É doutrinação quando você está falando dos sectores mais instruídos da sociedade, e é mais marginalização quando se trata dos sectores da sociedade com menos instrução. Se você olhar o mapa dos media como um todo, estamos então falando de um sector pequeno, das classes que tomam as decisões, que têm educação universitária. A maior parte do público vê televisão ou se liga na indústria de diversão e o objectivo desses media é marginalizar, transformar essa gente em consumidores passivos.

- E qual é, na sua opinião, a verdadeira função dos media?

Os media deveriam ser o que todos anunciam no discurso de formatura: o alicerce da sociedade democrática, que desafia a autoridade e oferece ao povo a oportunidade igual de aprender e participar. Tudo bem com o discurso, só que as pessoas que estão discursando não sabem que elas estão mentindo, na pior das hipóteses, ou sabem que estão mentindo, mas acham que esta é a única maneira de funcionar. Se você quer saber o que os media devem ser, leia a decisão da Suprema Corte americana quando ela deu permissão ao New York Times para publicar os Documentos do Pentágono [quer revelaram toda a história suja por trás da Guerra do Vietname ou o artigo de Anthony Lewis [jornalista americano] falando sobre liberdade de imprensa.

- O sr. acha muito difícil desenvolver um pensamento independente?

Difícil, mas não impossível.

- Mesmo com todo o preparo que uma pessoa pode ter ou é aí mesmo que reside o perigo?

Uma boa dose de educação e socialização e treinamento para a obediência ajudam. E se você tiver cursado boas escolas, como eu cursei e você também, a sua história foi sendo moldada para a obediência. Para a maioria da população, a educação é uma forma de colocá-la no seu nicho na sociedade e de fazer com que elas não causem problema. De fazer essas pessoas prestarem atenção em outra coisa — esporte, moda, comédias, mas não nos perturbe. Por exemplo, o fenómeno Bill Gates e seus planos para a Internet. Se as pessoas estiverem sentadas na frente de seus computadores, apertando botões para satisfazer formas artificialmente criativas, você não precisa se preocupar.

- Por falar em Bill Gates, o sr. que é professor aqui no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e que caminha por esses corredores respirando tecnologia, como vê a chamada revolução tecnológica deste fim de século? Trata-se de um mal, um bem, tem os dois componentes? Vai privilegiar aqueles que têm mais acesso à informação?

É como qualquer outro tipo de tecnologia.

- Mas desta vez é chamada de revolução.

Certamente tem grandes efeitos. Como a revolução das telecomunicações, que foi bem real e que levou a essa enorme explosão do capital financeiro que está, entre outras coisas, minando as opções democráticas. Actualmente há cerca de 1 trilião de dólares girando por dia, sendo a maior parte de capital especulativo passeando pelos mercados financeiros, procurando as menores taxas internacionais e os menores salários e isso tem um tremendo efeito social. Nos Estados Unidos também. No governo Reagan, o Banco Central (Federal Reserve Board) estimou que cerca de metade do declínio na taxa de crescimento do país foi atribuído à especulação. Esse foi o efeito significativo da revolução das telecomunicações. Está fazendo este país se parecer mais com o Brasil: um pequeno sector de pessoas extremamente ricas e um sector enorme de pessoas sofrendo miséria. Criou-se um abismo maior. Esse é o maior efeito da revolução das telecomunicações, apenas através dos mercados financeiros. É claro que isso não foi a única coisa que causou essa situação. Foi preciso também desregulamentar o mercado, como Nixon fez. Mas este foi um efeito gigantesco. Isto não é inerente às telecomunicações, mas é provocado pela maneira como funcionam as telecomunicações sob condições de poder específicas. Sob outras condições de poder, a mesma tecnologia poderia ter uma abordagem mais libertadora. A tecnologia em si não traz um rótulo dizendo 'vou ajudar?' ou 'vou causar danos?'. Depende das condições sociais sob as quais ela é usada. A tecnologia da impressão poderia libertar as pessoas ou aprisioná-las. A automação pode ser usada para eliminar gerentes, ou para colocar a produção sob controle dos trabalhadores mais especializados. No segundo caso, eles passam a ter maior controle administrativo, o que é um aperfeiçoamento do poder e não uma distorção.

- É muito comum dizer hoje que a Internet é um meio de informação intrinsecamente democrático. O sr. concorda?

Um por cento da população mundial tem acesso à Internet. Mesmo nos países ricos, são as pessoas relativamente privilegiadas que têm acesso ou pessoas ligadas a instituições. Mas quantas pessoas podem? Agora, quando você olha a Internet é difícil dizer. A Internet em si tem todas as possibilidades. Pode ser usada para inundar (swamp) as pessoas com propaganda, criando necessidades artificiais, anúncios. Uma sociedade que gasta um trilião de dólares todo ano só com marketing... Isso é basicamente engodo e manipulação. Um trilião não é uma pouca coisa. É cerca de 7% do PIB. E com a Internet disponível, uma grande parte disso vai passar para esse veículo. Esse tipo de coisa vem acontecendo desde o inicio da Revolução Industrial, mas tem aumentado recentemente. Você quer controlar as pessoas e fazer com que elas acreditem que precisam de uma coisa que elas se matam para conseguir ou gastam todo seu tempo perseguindo aquele objectivo. Essa é uma maneira fantástica de controle. A Internet pode ser usada para isso. E pode ser usada para fornecer informação. Mas depende de quem esta manipulando.

- Depende então de quem está fornecendo a informação?

É de quem tem acesso. Como toda tecnologia moderna, ela foi patrocinada pelo governo, mas agora que está desenvolvida, ela foi entregue ao lucro privado.

- E essa palavra moderna para relações internacionais que é globalização? O que o sr. pensa da doutrina que prega a abertura dos mercados, da economia...

Sim, excepto a sua própria. Você nunca abre a sua própria economia. Você prega isso para os outros.

- Mas, por causa disso, não se fala mais em desenvolvimento. A palavra parece que saiu de moda.

Quem não fala? O Consenso de Washington não fala. Mas a ONU fala. Ela está pressionando para que seja realizada uma convenção internacional sobre o direito ao desenvolvimento que tem sido vetada pelos Estados Unidos. Não se fala no assunto em Harvard Square, mas quando se sai desse tipo de lugar, se fala nisso o tempo todo. No Brasil, as elites não falam nisso porque é a mesma coisa que Harvard Square, mas vá ao interior do país que você verá sobre o que se fala. Se você for à Índia é a mesma coisa. As pessoas ricas ficam falando sobre as maravilhas do neoliberalismo. Mas vê que o assunto é totalmente outro. Eles falam sobre desenvolvimento. Portanto, depende da pessoa com quem você está falando.

- Bem, as pessoas que influenciam ou que elaboram a política.

Claro. Eles estão numa posição de poder, tomando as decisões, justamente porque eles servem ao poder ou têm poder. Eles falam sobre essas coisas, mas isso não é o que todas as pessoas pensam. Mesmo na ONU, a convenção sobre o direito ao desenvolvimento é muito falada. É por isso que os Estados Unidos vetaram. A ideia da convenção chegou à ONU e foi votada, mas os EUA vetaram. Os EUA não assinam a maioria das convenções, mas desta vez eles a bloquearam.

- Mas a tendência na maioria dos países é abrir a economia e seguir os passos da globalização.

Isso é muito bom para os grupos de liderança. Por exemplo, veja o México. Ele era a menina dos olhos das instituições financeiras internacionais. Era um grande exito, um milagre económico total, funcionava perfeitamente para quem deveria funcionar. Para a população foi uma catástrofe. Foi óptimo para os que desenharam o experimento, foi muito bom para investidores estrangeiros, para bilionários. Então foi um grande exito para as pessoas que idealizaram o projecto. Agora, eles têm que admitir que foi, na verdade, uma catástrofe por causa do colapso do sistema. Se voltarmos na História, toda experiência que observei, começando em 1793, quando os britânicos impuseram sua colonização permanente na Índia, que ia ser uma grande experiência em engenharia social. Foi um desastre para o povo, mas um exito para o investidor britânico. É assim que as experiências normalmente acabam: muito bem para os idealizadores e uma tragédia para a população que está testando o projecto.

- E o Brasil?

O Brasil é do mesmo jeito. O Brasil foi tomado pelos EUA em 1945 e foi uma das áreas de testes de métodos científicos de desenvolvimento do capitalismo americano. Os técnicos americanos tomaram grandes decisões e se orgulharam muito do seu projecto. Eles se orgulhavam inclusive de imporem uma ditadura neonazista. Esse teria sido um passo maior para se chegar à liberdade em meados do século 20, segundo disse o embaixador de Kennedy, em 1964. O Brasil era o queridinho latino-americano da comunidade empresarial. Até 1989, continuava a ser tratado como um exito fantástico para o capitalismo americano. De repente, essa história desabou.

- Começou a desabar pouco antes de 64.

Sim, começava a tomar outro rumo, mas aí veio a ditadura militar e voltou a ser o queridinho. E permaneceu assim até 1989, quando veio a explosão da bolha económica (economic flap) .

- Aí perdeu-se o interesse?

É, porque os mesmos métodos que todos louvavam como capitalismo americano, de repente viraram socialismo de Estado. Não deu mais certo. Mas isso é apenas rotina. Enquanto isso, muita gente lucrou. Os ricos no Brasil estão muito bem, estão entre os mais ricos do mundo, os investidores estrangeiros estão muito bem e, enquanto isso, a população está passando fome. O Brasil tem estatísticas de qualidade de vida comparáveis às da Albânia. Poderia ser um dos países mais ricos do mundo. Acho que em má distribuição de renda é batido apenas pela Guatemala. Mas a América Latina, de uma maneira geral, é a pior região do mundo. Está repleta de milagres económicos e experimentos que sempre funcionaram muito bem. O neoliberalismo, por exemplo, que de novo não tem nada. Estes são exactamente os mesmos métodos com os quais a Grã-Bretanha desindustrializou a Índia e se enriqueceu. Com algumas adaptações, essa política terá o mesmo efeito: a intenção é essa e é isso que ela vai fazer. Enquanto isso, os países ricos ficam mais ricos. Como digo, Newt Gingrich se assegura sempre de receber bastante bem estar dos EUA para seu eleitorado rico. Os EUA se encaminharam para abrir seu mercado e reduzir as tarifas em 1945, pela mesma razão que os britânicos o fizeram em 1845. Mas os britânicos o fizeram apenas depois de 150 anos de proteccionismo, quando eles já estavam tão à frente de todo mundo que supuseram já ser seguro abrir a economia. Mesmo então, eles exportavam 40% de seus produtos para as colónias. Por volta de 1945, os EUA já eram quase totalmente dominantes e achavam que abrir o mercado poderia ser vantajoso, então se sentiram perfeitamente à vontade para reduzir as tarifas.

- Por que era vantajoso?

Em toda sua história, os EUA sempre foram, extremamente proteccionistas. Mas em 1945, parecia uma boa jogada diminuir as tarifas. Ao mesmo tempo, eles trataram de debilitar radicalmente o mercado livre ao instituir o sistema do Pentágono, que é simplesmente um sistema que joga as verbas do Estado na indústria de alta tecnologia. E isso é uma violação radical do mercado livre. Então, tá. Nós vamos reduzir as tarifas porque esse jogo nós já ganhámos. E enquanto isso, vamos garantir que o público continue a financiar vários sectores da indústria, porque não queremos mercados livres. Bem, por volta da década de 70, os EUA já não estavam indo tão bem no comércio, então o que aconteceu? Reagan dobrou as tarifas. O governo Reagan foi mais proteccionista que todos os outros governos do pós-guerra juntos. Mas para os outros, continuava a retórica do mercado livre. Não para nós. Eles também aumentaram o sector estatal da economia.

- Diante desse panorama, que deveria um país como o Brasil fazer?

O Brasil é um país grande, tem muitas opções. A primeira coisa que o Brasil tem de fazer é controlar os seus ricos. Uma das diferenças entre os países em desenvolvimento do Leste asiático e os países da América Latina, é que qualquer estrato das classes ricas está bastante sob controle. O Estado é forte o suficiente não só para controlar o trabalho, mas também o capital. Assim você não tem o capital voando para Formosa ou para a Coreia do Sul. Na verdade, o Japão nem mesmo permitiu a fuga de capitais até que sua economia estivesse bem forte. Na América Latina, existe uma fuga de capitais imensa, que chega perto do volume da dívida externa. Grande parte dessa dívida poderia ser paga com esse fluxo de capitais. Outra coisa que não há no Leste asiático e que há na América Latina é um enorme défice comercial de importações de produtos supérfluos. Na América Latina há uma enorme importação de supérfluos por causa da profunda divisão das sociedades e os ricos importam produtos como Mercedes Benz. No Leste asiático isto não acontece. Lá existe uma sociedade muito mais igualitária, onde as importações são controladas com muito mais cuidado para suprir as necessidades dos países. Só esses dois factos já fazem uma grande diferença. Significa que os asiáticos não têm uma dívida nem um défice avassaladores. E há outras coisas. Como outros países, eles protegeram seus mercados, mas o fizeram com eficiência. O fizeram de forma a criar a base para a promoção das exportações. A América Latina é muito mais aberta aos mercados internacionais e muitos dos problemas são consequência desse facto. Por razões históricas e outras, o Leste Asiático não é. Esses são países, sobretudo Coreia do Sul e Formosa, que foram colónias japonesas. Os japoneses tratavam suas colónias de forma muito diferente da Europa. Eles eram brutais, mas desenvolviam suas economias. Então, essas colónias se desenvolveram tão rapidamente quanto o Japão, ou até mais rápido. O que certamente não é verdadeiro em relação aos EUA com as Filipinas, ou a Grã-Bretanha com a Índia, ou a Holanda com a Indonésia. Eles arruinaram suas economias. O Haiti era um dos países mais ricos do mundo antes dos europeus chegarem lá. O Japão desenvolveu suas colónias e criou bases para o desenvolvimento social. É claro que há todo tipo de diferenças específicas, mas elas mostram que tipo de coisas países ricos como o Brasil podem fazer.

- Agora mudando radicalmente de assunto. Porque a esquerda nunca foi uma força poderosa nos Estados Unidos?

Os EUA são um país bem interessante. Especialmente para uma sociedade guiada pelo business. Os EUA foram uma sociedade criada, que não cresceu de alguma coisa que já estava organicamente ali. Então, até certo ponto era uma tábua rasa. A população indígena foi dizimada, os colonos chegaram. Não havia instituições tradicionais, então prevaleceu o sistema feudal, com a Igreja, etc...E foi o único país que foi desenhado de uma forma específica. A Constituição foi moldada para ser de uma determinada forma. E foi tudo armado para ficar essencialmente sob controle do processo de business. Aí as coisas se desenvolveram. Os EUA têm uma história de sindicalismo muito violenta. Nunca desenvolveu o contrato social que os países europeus têm, que, até certo ponto, saiu de certas instituições tradicionais que os Estados Unidos não tinham. Aqui existia a ideologia capitalista e ela dizia que ninguém tem direitos humanos, você só tem o direito de entrar no mercado de trabalho. A Europa nunca instituiu isso por causa de toda uma série de coisas complicadas. Aqui, o trabalho foi brutalmente reprimido. Centenas de trabalhadores estavam sendo mortos nos EUA no começo do século. Os trabalhadores americanos só tiveram direito de se organizar em 1935. Esses direitos há muito existiam na Europa. Aqui era uma sociedade muito rica, então era fácil convencer as pessoas a desistir dos direitos em troca de bens. Na década de 20, os trabalhadores americanos não tinham nem uma fracção dos direitos dos trabalhadores europeus, mas tinham muito mais bens. É um país muito livre, mas extremamente opressivo.

- O que aconteceu ao movimento sindical?

Logo depois do primeiro movimento de organização de direitos de 1935, começou uma enorme propaganda do business, que foi interrompida durante a guerra e retomada logo depois, que incluía a indústria de relações públicas, de diversão, televisão, media, etc. Elas tinham basicamente dois papéis: um era retractar o sindicalismo como sendo um demónio e o outro botar as pessoas contra o governo federal. Porque o governo federal é a única força suficientemente forte para enfrentar os interesses das corporações, que querem eliminar tudo e repassar tudo para os estados, onde pode haver controle. E isso envolve uma imensa propaganda. Que você vê em todo lugar, dos media da elite até os seriados de crimes na TV. Na TV, se você tem um seriado com um agente do FBI e um policial local, o sujeito do FBI vai ser o mau e o policial vai ser o bom. Tudo é muito bem planejado: destruir os sindicatos e destruir qualquer ideia de que o governo pode ser um instrumento que as pessoas podem usar em seu próprio benefício. Ele tem que ser seu inimigo. O governo e os sindicatos são inimigos. As corporações não existem —- são só aqueles sujeitos bonzinhos que estão aí para ajudar.

- E os sindicatos?

Não acho que os sindicatos, os líderes sindicais, possam eximir-se de responsabilidade. Eles compraram essa ideia e fizeram mais ou menos um acordo: vocês dão aos nossos trabalhadores salários decentes e nós aceitamos seu sistema. Eles tem uma horrível reputação internacional por enfraquecer o movimento sindical em todo mundo, incluindo o Brasil. Depois da guerra, o sindicalismo americano foi fundamental no enfraquecimento do movimento sindical na Itália e na restauração do fascismo. E fizeram o mesmo em todo lugar. Horrível. Aliás, o movimento sindical americano nada tem a ver com os trabalhadores. O AFL-CIO, o sector do sindicalismo que fez isso tudo, é uma instituição que funciona totalmente com verbas do governo dos EUA. Estava sabotando sindicatos na América Central --- esse é o seu trabalho. Tudo isso faz parte do cenário e está preso a uma moldura que tem a ver com ideologia. Então sim, eles tem uma grande responsabilidade sobre os rumos do movimento e estão pagando por isso. O governo Reagan, por exemplo, informou à comunidade de business que não iria seguir as leis e deixou claro para as corporações que elas podiam demitir trabalhadores e não precisavam cumprir as leis. Essa é uma sociedade dirigida pelo business e boa parte do business são instituições totalitárias.

- Outra vez, mudando de assunto. O sr. acha que a Acção Afirmativa acaba aprofundando as divergências entre as raças. Será essa discriminação positiva um paliativo ou uma política necessária? O facto de grupos preservarem suas culturas divide a sociedade em compartimentos?

Como com a tecnologia, depende também de como é feito. A Acção Afirmativa, se ela é usada para compensar os efeitos perversos da discriminação do passado, no caso das mulheres e das minorias, ela é uma coisa boa. Mas claro que ela será usada por demagogos para insuflar o ódio racial e o ódio às mulheres. Esse é seu trabalho e seu trabalho é controlar as pessoas quando elas se odeiam e se temem. Isso tem que acontecer? Não. Eu voltei recentemente da Índia onde eles têm um programa forte de Acção Afirmativa que parece estar funcionando muito bem. E é uma sociedade muito mais pobre. Eu acho que aqui funcionou muito bem, mas agora está sendo usada como parte da técnica de controle social. Desde 1980, a força de trabalho não especializada, que constitui 70% da força de trabalho — a maioria de brancos vem assistindo à redução de seus salários em quase 20%. Eles tem muito com que se preocupar. Então se você os quer controlar e se assegurar de que eles não vão cobrar das pessoas responsáveis por isto, você insufla neles o medo e o ódio. Você os faz odiaram outras pessoas. Culparem o programa de bem estar social para os negros. Qualquer coisa, desde que não prestem atenção ao que está a acontecer. Por isso há muita propaganda que tenta argumentar contra a Acção Afirmativa e, como toda propaganda, não é totalmente falsa.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

quarta-feira, 29 de junho de 2011

MASSILON CONHECE LAMPIÃO

Massilon, Lampião e Sabino, da esquerda para a direita de quem olha

Honório de Medeiros

Em 11 de maio de 1927 Lampião penetrou no município de Jardim, Ceará, a légua e meia da vila de Porteiras.

No dia 12 de maio seguiu viagem até a Serra do Diamante, terras do Coronel Isaías Arruda de Figueiredo, chefe político de Aurora e Missão Velha, no Ceará.

Buscava refúgio e se municiar. É o que nos contou o cangaceiro “Mormaço” quando interrogado em Pau dos Ferros, RN; Martins, RN; Mossoró, RN; e Crato, CE.
Em 10 de maio de 1927 Massilon tinha atacado Apodi, Gavião e Itaú. Como a empreitada fora toda orquestrada por Isaías Arruda, a pedido de Décio Hollanda, uma vez cumprido seu desiderato tomou o rumo de Aurora, Ceará, na qual chega pelo dia 13 de maio para prestar contas.

Conta-nos Sérgio Dantas:


Aurora, penúltima semana de maio. Há dias Lampião já retornara da fracassada incursão à Paraíba. Finalmente – após longo périplo pontilhado de inúmeros percalços – alcançara o indevassável coito da Serra do Diamante, de Isaías Arruda.

Em dias subseqüentes, Lampião recebeu a visita de José Cardoso, parente do Coronel. Deslocara-se o fazendeiro até o valhacouto para apresentar-lhe o cangaceiro Massilon Leite.

O encontro de Lampião com Massilon, deu-se em dias de maio, após o assalto a Apodi. Até aí, Lampião desconhecia completamente o novel bandoleiro. O cangaceiro Mormaço, em interrogatórios consignados nos processo-crime instaurados nas Comarcas de Martins e Pau dos Ferros, ambos em 1927, deixa claro esse particular. Também, nesse sentido, depoimento prestado por Jararaca à Polícia no mesmo ano. Todos são unânimes quanto à época do encontro (“LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – GRÁFICA EDITORA; 2005; Natal; RN).

terça-feira, 28 de junho de 2011

AMOR

Imaginação


"O louco, o amoroso e o poeta são todos feitos de imaginação."

Shakespeare, "O Sonho de uma Noite de Verão"

ORIGENS JUDAICAS DO BRASIL

imagemdahora.com.br


Da coluna "Glosando o Mundo", de Laélio Ferreira - no Jornal da Besta Fubana.

"Geralmente, aprendemos, através dos livros de historia, que o povo brasileiro é formado por três etnias, branco, negro e índio; no entanto fica uma pergunta: Quem eram esses brancos? Apenas portugueses e holandeses?

De fato sim, mas em sua maioria “cristãos-novos” e marranos, ou seja, judeus que foram forçados a se converter ao catolicismo no período da chamada “Santa Inquisição”, na Península Ibérica (Espanha, 1480; Portugal, 1497), que possuíam um considerável numero de judeus em seus territórios em meio a população na Idade Média.

Esses judeus descendiam dos antigos israelitas da Península Ibérica, remontam à época do Rei Salomão (Shelomo), quando o mesmo enviou hebreus em navios fenícios, pela bacia do Mediterrâneo, em busca de madeira e outros artefatos para a construção do primeiro Templo em Yerushalayim (Jerusalém).

Com a cristianização da Europa pela Igreja Católica Romana, muitas minorias (principalmente os judeus) foram obrigadas a aceitar a “fé cristã” sob pena de morte; os que recusavam a conversão forçada eram condenados como hereges e depois queimados em praças públicas, esses lugares eram conhecidos como Auto-de-Fé.

Muitos judeus conseguiam fugir para o Norte da África (Marrocos), Grécia, Oriente Médio (em terras mulçumanas), Holanda e Inglaterra. Os que não conseguiam fugir eram batizados ali mesmo na beira dos portos, e ao receberem o “batismo” esses judeus deveriam trocar seus antigos sobrenomes hebreus por novos Patronímicos Portugueses e Espanhóis, isso para que toda a memória de suas raízes hebraicas fosse esquecida.

Agora esses “judeus conversos” deveriam ser chamados de “cristãos-novos”. Com a descoberta da América, muitos cristãos-novos, sonhando em viver livremente as práticas religiosas de seus antepassados judeus, se aventuraram nas caravelas de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral (ambos de origem judaica) rumo ás terras recém descobertas, entre elas o Brasil.

Calcula-se que nos séculos XVI e XVII, vieram para o Brasil em torno de 100.000 (cem mil) judeus de procedência portuguesa (cristãos-novos), muitos vieram seguidamente para o Grão Pará (hoje, estados do Amazonas e Pará e regiões adjacentes). A Amazônia também teve a sua parte na colonização judaica.

Isso significa que o Brasil foi praticamente colonizado por judeus conversos. Hoje em dia restaram apenas os sobrenomes (cerca de 17 mil) dos cristãos-novos e marranos (outra alcunha para judeus que foram forçados a abandonar suas práticas religiosas). Estima-se que exista hoje no Brasil, mas de 16 milhões de judeus descendentes.

Atualmente existe um grande interesse por parte de muitos brasileiros em resgatar sua origem judaica. Existem também milhares de descendentes de judeus marroquinos (vieram do Marrocos no séc. XIX para a Amazônia) que também perderam a sua identidade.

Relacionamos alguns nomes que possam ajudar em uma busca inicial. Lembre-se existem 17 mil sobrenomes, se o seu não está nesta lista, com certeza poderá está na próxima. 

LISTA DE SOBRENOMES: Abecassis, Abreu, Afonso, Agostinho, Aguiar, Aguillar, Albuquerque, Alcântara, Alencar, Alegre, Alexander, Almeida, Alvarez, Alves, Amarante, Amaro, Amazonas, Ambrosio, Amorim, Amoroso, Anastácio, Ancona, Andrada, Andrad, Andrade, Ângelo, Antero, Antonio, Antony, Antunha, Antunes, Aquino, Aranha, Arantes, Araújo, Arruda, Assis, Assumpção, Assunção, Augusto, Avelar, Bacelar, Balaciano, Balassiano, Barocas, Barros, Baruque, Bento, Bentes, Borges, Branco, Brandão, Brandes, Braz, Brito, Britto, Batista, Barroso, Calixto, Callado, Calado, Calo, Camargo, Campos, Cantor, Cardoso, Carneiro, Caro, Carvalhais, Carvalho, Castiel, Castro, Chaves, Coelho, Cordeiro, Correa, Cortes, Costa, Cunha, Cardos, D’Agostini, D’Almeida, D’Angelo, Damiel, Dantas, De Oliveira, Dentes, Diamante, Diaz (ou Dias), Douglas, Ferraz, Ferro, Ferreira, Flor, Forte, Fortes, Francisco, Franco, Frazão, Freire, Gaspar, Garcia, Gouveia, Guedes, Guilherme, Guimarães, Ávila, D’Ávila, Kardos, Labella, Lagos, Laredo, Lima, Lisbona, Lopes, Lopez, Lucio, Machado, Madeira, Maranhão, Marques, Martins, Mascarenha, Meira, Miyra, Medeiros, Medina, Meirelles, Melo, Mello, Morteiro, Montilho, Moraes, Moreno, Moreira, Moura, Nogueira, Nunes, Oliveira, Pacheco, Paim, Peres, Perez, Pereira, Pires, Picanso, Pinto, Pitta, Ponte, Pontes, Portela, Porto, Portugal, Prado, Primo, Queiros Queiroz, Reis, Ribeiro, Rodrigues, Rocha, Russo, Safra, Salis, Sales, Sampaio, Samuel, Miranda, Medico, Santos, Sabóia, Santana, Sereno, Silva, Silveira, Soares, Mendes, Sobel, Sobrinho, Sousa, Souza, Solano, Soriano, Toledo, Torres, Valente, Parente, Ventura, Vidal, Vieira, Trindade, Gomes, Ramos, Vargas, Colaço, Fonseca, Cabral, Tavares, Teixeira, Siqueira, Pinheiro, Perdigão, Menezes, Salgado, Fernandes..."

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O SUPREMO TRIBUNAL SE TRANSFORMOU NUMA CORTE DOS DITADORES DO BEM?

Reinaldo Azevedo

Do portal Veja.com:

Por Reinaldo Azevedo

"Não!

Eu não vou desistir! Sempre entendi — eu e o bom senso — que ministro do Supremo está lá para decidir questões que não estão explicitadas na Constituição. Como o mundo é dinâmico e como as ocorrências que dizem respeito ao humano formam um conjunto aberto, com infinitas possibilidades, recorre-se ao tribunal quando se considera que um determinado direito constitucional foi agravado numa circunstância para a qual não há a devida prescrição ou que não tenha sido caracterizada, porque impossível, na Constituição. Afinal, textos constitucionais reúnem princípios, especificados depois em outros códigos —- todos eles devendo obediência à Lei Maior.

É fora de dúvida — ou deveria ser, ao menos — que, naquilo em que a Constituição é clara, específica, detalhada, não restando a menor dúvida sobre qual era a vontade do legislador, não cabe especulação de qualquer natureza. Não há valor intrínseco possível que possa desconsiderar o texto SEM QUE SE USE A CONSTITUIÇÃO CONTRA A CONSTITUIÇÃO, o que é um absurdo, um escândalo!

Não fosse assim, que se jogassem no lixo todos os artigos da Carta e se escrevesse apenas um:

“Todos os seres humanos, em quaisquer relações e circunstâncias, devem se pautar pelos valores do bem, do belo e do justo”.

E nada além. O Judiciário decidiria, com impressionante largueza de espírito, quando essa tríade estaria ou não sendo cumprida. Como são bons valores, convenham, estaríamos diante do discricionarismo do bem —  que costuma, como atesta a história, dar à luz homicidas fanáticos.

Não, senhores! Eu não preciso ser “jurista” para chegar a essa conclusão. E, se alguém se faz jurista para defender que uma corte suprema pode jogar fora um artigo da Constituição numa democracia, então é prova de que recorreu aos instrumentos da ordem legal com a finalidade de solapá-la.

O direito à união civil não se iguala àqueles que, de fato, a todos igualam, como os especificados no caput do Artigo 5º: “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Aquele é um direito que se exerce segundo uma condição estabelecida pela própria Carta. E que, ATENÇÃO, pode ser mudado por emenda constitucional. Que se consigam os três quintos nas duas Casas do Congresso e se altere a redação do Artigo 226, ora essa! A Constituição também prevê as condições para a sua própria mudança. A união civil deixaria de ser a celebrada entre “homem” (que tem bingolim) e “mulher” (que tem borboletinha). Que fosse entre “pessoas”, pronto!

O que é inaceitável é que um colégio se reúna, SEM TER A PRERROGATIVA PARA TANTO, e decida: “O Artigo 226 da Constituição foi tornado sem efeito”. Alguns tantos dirão: “Mas o Congresso que temos jamais mudaria a redação de tal artigo”. Pois é… E deve o Supremo, diante dessa perspectiva, comportar-se como uma Câmara Legislativa que faz, por ato de ofício, o que o Congresso deixou de fazer em razão das circunstâncias políticas?

O Supremo Tribunal se transformou agora numa Corte dos Ditadores do Bem? Como a idéia de um só Tirano de Siracusa deu com os filósofos n’água — perguntem a Platão! —, vamos inventar agora um colegiado de tiranos virtuosos?

É claro que eu não sou jurista — até para sorte de uns tantos. Se fosse, iria infernizar a vida de alguns medalhões que decidiram que o papel do Poder Judiciário é fazer justiça com a própria toga, ao arrepio do que dizem os códigos legais. “Pacta sunt servanda”, aprendi nas aulas de latim, não de direito. Os contratos têm de ser cumpridos. A Constituição é um contrato nas sociedades democráticas. Aí dirá alguém, também em latim: “Pacta quae turpem causam continent non sunt observanda”: os contratos com propósito desonroso não têm de ser cumpridos. Ok. É uma máxima da jurisprudência, mas não aplicada à Constituição; serve justamente para os momentos em que a lei é agredida.

Atenção! Ser contra um dispositivo constitucional e lutar para mudá-lo é um direito garantido pela própria Constituição! Qualquer um pode, a qualquer momento, escolher ser o militante de uma causa. Numa democracia, a única militância permitida a um juiz é a letra da lei. É ali que ele acha o direito, não na rua. Na rua costuma estar o arbítrio, que a lei coíbe e corrige.


DOIS POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ

Patativa do Assaré
flavianocaricaturas.blogspot.com

I

“De noite tu vives na tua palhoça,

de dia na roça de enxada na mão.

Julgando que Deus é um Pai vingativo,

não vês o motivo da tua pressão.



Tu és nesta vida um fiel penitente,

um pobre inocente no banco do réu.

Caboclo não guarde contigo essa crença,

a tua sentença não parte do Céu”



II


“Só canto o buliço

da vida apertada,

da lida pesada

das roças ou dos eito.

E as vez recordando

a feliz mocidade,

canto uma sodade

que mora em meu peito”

quarta-feira, 22 de junho de 2011

DESCULPAS

Caros amigos,

Postagens atrasadas posto que o tempo anda curto.

A Deus querer, de amanhã para sexta-feira as coisas voltam a seu lugar.

Um abração,

Honório de Medeiros

terça-feira, 21 de junho de 2011

CARLOS SANTOS LANÇA HOJE "SÓ RINDO 2"


Do www.carlossantos.com.br:

"É hoje, amigo internauta, o lançamento do livro “Só Rindo 2 – A política do bom humor do palanque aos bastidores”. Será a partir das 19h30 nos jardins da TV Cabo Mossoró (TCM), em Mossoró.

O jornalista Givanildo Silva – amigo-irmão – será o cerimonialista, despido de maiores formalidades. O reitor da Universidade do Estado do RN (UERN), professor Milton Marques, fará a apresentação, naquele diapasão sereno de seu estilo.

Nosso encontro promete ser leve, em ambiente enxuto, como uma confraria à esquina de casa. Ah! não precisa levar cantil, encomendar uma quartinha, empunhar garrafinha com água mineral ou portar saco com gelo! Ninguém vai morrer desidratado: água e refrigerante serão fartos.

O livro é um trabalho que reúne 160 histórias ambientadas no universo político do Rio Grande do Norte, em especial.

Nele não há interesse no escárnio, não se busca o enxovalhamento da imagem de políticos, seus asseclas e anônimos e, sim, documentar o inusitado e pitoresco. É isso que procuro apresentar, ao assiná-lo.

O convite formal, por escrito, entregue solenemente em mãos, ficou a cargo de uma das editoras responsáveis pela edição, a “Sarau das Letras”, parceira do meu selo próprio – a “Editora Herzog”. Entretanto como é comum a quase toda produção do gênero, chegou “em cima da hora”, impedindo distribuição mínima.

Tudo bem.

A grande maioria dos meus convidados não tem rosto, não conheço pessoalmente; falta-me a intimidade da prosa à calçada, nem sei endereço físico. Se é gordo, magro; baixo, alto. Evangélico, cristão, islâmico, agnóstico…

São médicos, advogados, jornalistas, professores, comerciantes, empresários, engenheiros, políticos. Mas são também taxistas, frentistas, policiais, estudantes, donas-de-casa, engraxates, comerciários, desempregados etc.

É um mosaico humano, gente de todos os matizes, que ao longo dos últimos anos foi se reunindo por aqui, transformando esta página numa “ágora” grega, num fórum de debates.

Convidá-los um a um, impossível. Humanamente, impossível.
Quem não estiver presente, não estará ausente.

É! Meu novo filho nasceu. Outros virão. Cada um, em papel ou carne e osso, é único. Querido! Incensado. Com história própria. Título e subtítulo; nome e sobrenome. Feito em partilha, vivo para ser amado.

A paternidade responsável tem ônus e bônus. Topei fazer para me realizar sendo. Só isso.

Que belo dia para dizer “muito obrigado”.

Até mais tarde!"

domingo, 19 de junho de 2011

MARTINS

Martins


Honório de Medeiros




                   Os olhos claros da garçonete não olhavam ou faziam de conta que não olhavam os olhos de seus admiradores espalhados pelas mesas do restaurante onde trabalhava. Não olhavam também para os passantes na calçada da praça em frente. Tampouco para nós outros que estávamos em restaurantes vizinhos e separados por um espaço puramente imaginário. Mas nós sabíamos que ela sabia dos nossos olhares. Havia uma sabedoria ancestral, herdade de Eva, naquela sua reserva à nossa admiração. Sabedoria que a Serra burilara com seu pendor para o isolamento ilhéu. Não é a Serra uma ilha no vale? Não é Martins com seu frio invernal de Julho, a névoa como véu ocultando as formas das árvores centenárias nos sobrenaturais caminhos de barro que conduzem para os sítios uma ilha no coração do Sertão? Não é Martins uma ilha? Não o sabia isso Francisco Martins Roriz quando fincou seus pés portugueses à margem da Lagoa dos Ingás e nela construiu uma Capela exatamente onde sua companheira foi encontrada morta? Não o sabia que ali estava um lugar como não havia igual em todo aquele mar de terra, sol, cinza, pó, pedra e solidão?

                   Ela, a garçonete, vai e vem. O que pensará enquanto desliza e atende, alheada de si e da presença de sua beleza, a beleza das mulheres de Martins, a todos nós que subimos a Serra e nos entregamos ao prazer ancestral de comer, beber, amar e conversar, receber a dádiva do frio e das árvores, do céu estrelado e do vale distante onde a escuridão somente se rende às luzes trêmulas das pequeninas casas isoladas? Talvez não pense. Talvez aja mecanicamente. Mas, ali, em Martins, não é possível que a realidade seja menor que a arte. Ao contrário. Ali, a vida imita a arte. E seu pensamento, com certeza, não desmerece todo o clima que envolve a cidade. Há luzes, há cores, há música, há risos, então há romances, amores, paixões que surgem, outras que desmoronam, o interminável ciclo da vida em plena efervescência. Em sua cabeçinha loura com certeza há a espera ansiosa pelo fim da noite ou começo da madrugada, como queiramos. Há alguém que a espera. Há palavras, carinhos, compromissos, há tudo quanto é humano e os deuses abençoam. Não pode ser de outra forma.

                   Talvez ela seja de um sítio vizinho ou mesmo distante. Não quero perguntar. Pode ser que conheça algum dos seus moradores. Alguém sábio, que conseguiu sair de Martins e voltar depois de muitos anos sem que a saída afetasse seu coração e sua alma. Alguém que não foi corrompido pelo mundo exterior – por que Martins é uma ilha!, não esqueçamos. Esse sábio já mal vê o mundo. Não importa. Com sua idade e sabedoria, o mundo está em sua mente e a sua mente é o mundo. Ele, quando fora, interpretou o mundo a partir de Martins; hoje, apenas confirma, com sua experiência, que em quase todas as vezes estava certo. “O mundo lá fora”, diz quando ao seu redor sentam os que o visitam, “não é nada diferente de nossa Serra. É como uma mulher coberta de jóias e vestidos e pintura. E quando se tira tudo isso, o que fica?” Todos balançam a cabeça concordando. Todos estão juntos ali impulsionados por um código imemorial: escutam atenciosamente quem pode lhe explicar o mundo que o bom Deus lhes legara e que as vezes parece tão incompreensível. Ainda bem que o bom Deus lhes mandara também algumas pessoas que tinham o dom de perceber suas mensagens deixadas nas linhas da natureza e explicá-las aos outros. Por isso essas reuniões. Para escutar e reforçar os laços de solidariedade que os mantinha unidos e protegidos em sua Ilha, Martins.

                   Agora a garçonete se fora. Quem a terá recebido em seus braços. Faz frio. A praça está repleta de silêncio. Os restos da festa jazem espalhados. Alguns retardatários encaminham-se para suas cobertas. O ar puro e suavemente perfumado da Serra envolve Martins. Às margens da Lagoa dos Ingás a escuridão mal deixa perceber suas águas. Mas elas estão ali, muito mais antigas que os passos dos que viviam desde a ocupação portuguesa no seu entorno. Águas misteriosas que vêm não se sabe de onde. Águas que ouviram o grito de dor de Francisco Martins Roriz quando se deparou com o cadáver de sua esposa morta por afogamento. Águas que testemunham, dizem os antigos, os passos inquietos dos seus antigos proprietários, os índios, que nas noites enluaradas caminham incansavelmente da Lagoa para a Casa de Pedra, da Casa de Pedra para a Lagoa e assim será até o final dos tempos.

sábado, 18 de junho de 2011

AILTON MEDEIROS, O "OUTSIDER"

Ailton Medeiros

Ailton Medeiros tem um olhar crítico acerca das coisas e dos fatos, para os quais se debruça com as lentes privilegiadas que sua cultura "underground" construiu ao longo de uma vida de muitas leituras, muitos filmes e muitas conversas. Abaixo, um pouco do seu pensamento.


Blog: Ailton Medeiros é um "outsider", "um maldito"?

Quem sou eu para dizer quem sou eu? Na verdade, não sei quantas almas tenho, cada momento mudei. Mas gosto de uma frase de François Silvestre: "Se tivesse que me esculpir, era assim que me talhava: língua de bêbado e olhar de criança".

Blog: Qual a diferença entre Ailton Medeiros e os outros blogueiros do Rn?

Digo o que penso. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável, mas é uma crítica. Trato as pessoas como adultos. É tão incomum isso na nossa sociedade que as pessoas acham que é ofensa.

Blog: Ailton Medeiros tem algum "rabo-de-palha"?

Não, porque faço tudo às claras. Jamais deixaria de escrever o que penso sobre isso ou aquilo na suposição de que meus amigos (ou mesmo meus patrões) não concordariam comigo. Tenho opinião, não vendo opinião. E o segredo de aborrecer é dizer tudo. E eu digo o que acho que tem de ser dito.

Blog: Um livro, uma música, um filme.

Livro: "Deserto dos tártaros" (Dino Buzzati);

Filme: "Nós que nos amávamos tanto" (Ettore Scola);

Música: My Generation (The Who).

Blog: Quem, no Rn, pensa que escreve bem, mas não escreve nada?

Diógenes da Cunha Lima.

Blog: Quem, no Rn, politicamente, merece respeito?

Aluzio Alves pelo conjunto da obra. Alves foi um homem de ação e de ideias, o que é quase raro entre políticos. E foi um homem do seu tempo com todas as qualidades e defeitos. Pena que não tenha deixado substituto.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

GOVERNO VERSUS SERVIDOR PÚBLICO

maryderosso.blogspot.com


Honório de Medeiros


                            O que se percebe hoje, no Rio Grande do Norte, no que diz respeito ao embate entre categorias de servidores públicos e Governo, não é uma crise no Estado, entendido este, na percepção do senso comum, como “lugar” no qual ocorrem acontecimentos sócio-políticos.

                            O Estado, na verdade, é uma cristalização, uma “formalização” de como a Sociedade se auto-organiza e, nesse aspecto, continua incólume: funciona o Poder Legislativo; funciona o Poder Judiciário; até mesmo funciona o Poder Executivo; e a vida real, concreta, o dia-a-dia no campo social, as relações de produção fluem normalmente.

                            Mas há uma crise no Governo, e esta é grave.

                            As raízes do embate entre o atual Governo e algumas categorias de servidores públicos são antigas e profundas. Aqui não é o local apropriado para esmiuçar todas elas, muito embora seja possível detectar, como nexo a lhes dar unidade, a contínua e ancestral espoliação dos servidores públicos, via apropriação de sua força de trabalho.

                            Um exemplo situa o abstrato no concreto: os tributos que sobem indiscriminadamente enquanto o poder de compra dos servidores públicos cai. No que diz respeito ao servidor público há, inclusive, um epifenômeno específico: enquanto outros segmentos da classe média têm como limite para seu crescimento econômico-financeiro as leis do mercado, o barnabé, ao longo dos anos, sente na pele os efeitos do congelamento artificial de sua remuneração, ao travar a luta diária contra as gôndolas dos supermercados, os preços da educação particular, os custos da medicina privada.

                            Entretanto é necessário analisar uma dessas raízes exposta pela circunstância político-institucional vivida em nosso Estado pelos servidores públicos, expondo suas causas e suas conseqüências.

                            E qual é ela?

                            Quanto a este Governo, embora pudéssemos abarcar os anteriores, a histórica postura da elite dirigente que o compõe em estimular as negociações com os servidores públicos por categorias. O objetivo da estratégia ancestral é maquiavélico: dividir para reinar. E o que era para ser uma vitória estratégica, se revelou um erro histórico.

                            Na medida em que a discussão é encetada por categorias, separadamente, e especificamente com aquelas que têm poder de barganha, como os auditores fiscais, a polícia militar, ou os médicos, todo o restante dos servidores públicos – e é uma imensa maioria – é deixada de lado e condenada à submissão: aqui convém lembrar os ASGs, os Técnicos de Nível Superior e Médio, e assim por diante.

                            Perdem, assim, ambos: Governo e categorias. O Governo, governabilidade; as categorias, legitimidade.

                            Até recentemente essa estratégia surtiu aparentes efeitos favoráveis e, mesmo equivocada, garantiu sobrevida. Todos os governos, desde as capitanias hereditárias em sua essência conservadores, até mesmo reacionários, constituídos que foram pela mesma elite que há séculos se apropriou dos aparelhos do Estado - embora às vezes aparentemente dividida por cores, bandeiras e músicas -, têm como seus uma “memória” no trato com a “coisa pública” que induz a mesma conduta, a mesma ação, o mesmo procedimento, ano após ano, em relação aos servidores públicos.

                            Mas um dia a casa – mal construída - cai, e a causa é claramente perceptível: as contradições inerentes à postura conservadora de governar, que se materializa por intermédio do exacerbamento radical da tentativa de implantar um modelo financista de gestão, ou seja, fazer caixa para obras (a face perversa da “Teoria do Bolo Econômico”), e a conseqüente necessidade de “enquadrar” as categorias de servidores públicos que ameaçam tal modelo gerencial via crescimento da folha de pagamento do Estado.

                            E como “fazer caixa” equivocadamente, sem atacar os chamados “nós estruturais” como, por exemplo, o número de Secretarias, de cargos em comissão, o déficit previdenciário, o repasse para os outros Poderes, a gestão do patrimônio do Estado, origina, em curto prazo, um déficit de legitimidade, eis a conseqüência: o Governo não conta com as categorias com as quais litiga porque não conseguiu atraí-las para seu plano de gestão; e não conta com a maioria submissa do restante dos servidores públicos por que sequer percebe sua existência; não conta com a Sociedade por que seu discurso, contraditório, conseqüência de sua percepção autoritária de gestão, confunde e suscita antipatia.

                            Esse modelo conservador de gestão e suas conseqüências, radicalizado ao extremo em sua face mais perversa, a de confrontar as categorias “fortes”, e relevar a massa “fraca”, de servidores públicos, e suas entranhas ocultas, secundado por uma mídia obsequiosa e/ou incapaz de perceber o pano-de-fundo dos acontecimentos, parte dela a esgrimir com o olho no descalabro dos governos anteriores, alheia ao fato de que as elites governantes historicamente são as mesmas, e parte a exibir seu desnorteio ante o que realmente está acontecendo, conseguiu reunir, como adversários internos, embora ainda separados entre si, as categorias enganadas pelos artifícios eleitoreiros dos personagens políticos locais que se revezam no Poder desde sempre.

                            E em que erraram as categorias ao longo do tempo?

                            Erraram por caírem no canto de sereia das elites governantes aceitando discussões remuneratórias unilaterais, confiando em seu poder individual de pressão. Agora, quando precisam da maioria dos servidores públicos para dar legitimidade às suas pretensões, não são capazes de mobilizá-la, e como não o são, não se legitimam ante a Sociedade. Sociedade cansada da mesma prática encampada tantas e tantas e que somente lhe trás prejuízos.

                            Pagam o preço de seu erro histórico: ao encontrarem um Governo disposto a radicalizar sua opção ideológica cuja face exposta é o modelo de gestão “fazer caixa para tocar obra”, e disposto a destruir, ainda mais, a imagem do servidor público ante a Sociedade, apresentando-o como ganancioso, estão passíveis de saírem derrotados nesse enfrentamento, “perdendo a parada”.

                            Agora, a conseqüência para a Sociedade.

                            Suponhamos que o Governo consiga dobrar as categorias. Qual o resultado concreto dessa vitória de Pirro?

                            O “caixa” melhora, substancialmente. O Governo vai “tocar obras”, repetindo a mesma toada de sempre, desde as Capitanias Hereditárias e a construção do Forte dos Reis Magos.

                            E dificilmente avançaremos quanto às políticas publicas.

                            Políticas públicas, para se concretizarem, necessitam de servidores públicos treinados, bem remunerados, e, principalmente, fundamentalmente, persuadidos a darem o melhor de si.

Políticas públicas não se concretizam com servidores ressentidos.

                            E existe um ressentimento histórico nos servidores públicos do RN, em sua imensa maioria, com exceção de algumas castas privilegiadas, que já construíram, para si, um ambiente “legal” apropriado no qual se mantêm, distantes das agruras pelas quais passam os professores, os médicos, os policiais, os técnicos de nível médio, os ASGs...

                            Com servidores ressentidos, nada funciona no serviço público. O exemplo nem sempre lembrado é o Governo Geraldo Melo.

Nada funciona em decorrência da “greve branca” que, insidiosa, não declarada, se instala. É um desânimo geral: os processos administrativos não andam, ou passam a andar em círculos. Ações não se concretizam; programas definham; políticas públicas passam a ser pura retórica governamental. Tudo isso, como se sabe, gera conseqüências eleitorais.

                            E a grande vítima, claro, é a Sociedade, que paga o preço por estar entre o touro enfurecido e o abismo.

                            Por fim: o que faltou ao atual Governo em sua relação com os servidores públicos?

Uma percepção não autoritária de gestão pública, com o desdobramento óbvio: respeito no trato com quem está do outro lado da mesa de negociação e compõe essencialmente a Administração Pública. Compreender a premência de uma Reforma do Estado, sempre postergada, legitimada pela Sociedade, da qual participem os outros Poderes e os Servidores Públicos. Ações que sinalizem claramente uma firmeza de propósitos, como a extinção de Secretarias, cargos em comissão, revisão dos repasses financeiros aos outros Poderes, déficit previdenciário, e assim por diante.

O servidor público, que juntamente com os fornecedores do Estado, foram as primeiras vítimas desse modelo financista de gestão implantado pelos atuais governantes, como não estão sujeitos ativos de sua história, a esta altura dos acontecimentos, salvo uma mudança de mentalidade quase impossível de acontecer, já consolidou a percepção de que a Governadora é seu inimigo. Isso é terrível.

 Assim ocorre, também, com a linha de frente do Governo e sua ingênua tática de “morde e assopra”. Está ela sendo moída, lentamente, no “moinho ideológico” do qual fazem parte enquanto inocentes úteis, no capital simbólico que é sua imagem pública.

A se manter este estado de coisas, outras moendas virão. A roda do moinho continua girando, e como o tempo passa muito rápido, e o senso comum muda lentamente de opinião depois que consolida sua imagem das coisas e dos fenômenos, talvez, em breve, não haja mais condições de lidar com o futuro sem concebê-lo a partir do passado e presente. Ou seja: o amanhã somente será percebido a partir do ruim que nossa memória evoca.

E o Estado, essa excrescência que a Sociedade vê, perplexa, trabalhar contra si, na medida em que nada funciona no que diz respeito ao essencial, passa a ser sinônimo de algoz, e seus protagonistas, supondo deterem as rédeas dos acontecimentos, responsabilizados, muito embora, pelo seu lado, sejam também meras vítimas das próprias armadilhas que ajudaram a construir.              

quinta-feira, 16 de junho de 2011