Reinaldo Azevedo
Do portal Veja.com:
Por Reinaldo Azevedo
"Não!
Eu não vou desistir! Sempre entendi — eu e o bom senso — que ministro do Supremo está lá para decidir questões que não estão explicitadas na Constituição. Como o mundo é dinâmico e como as ocorrências que dizem respeito ao humano formam um conjunto aberto, com infinitas possibilidades, recorre-se ao tribunal quando se considera que um determinado direito constitucional foi agravado numa circunstância para a qual não há a devida prescrição ou que não tenha sido caracterizada, porque impossível, na Constituição. Afinal, textos constitucionais reúnem princípios, especificados depois em outros códigos —- todos eles devendo obediência à Lei Maior.
É fora de dúvida — ou deveria ser, ao menos — que, naquilo em que a Constituição é clara, específica, detalhada, não restando a menor dúvida sobre qual era a vontade do legislador, não cabe especulação de qualquer natureza. Não há valor intrínseco possível que possa desconsiderar o texto SEM QUE SE USE A CONSTITUIÇÃO CONTRA A CONSTITUIÇÃO, o que é um absurdo, um escândalo!
Não fosse assim, que se jogassem no lixo todos os artigos da Carta e se escrevesse apenas um:
“Todos os seres humanos, em quaisquer relações e circunstâncias, devem se pautar pelos valores do bem, do belo e do justo”.
E nada além. O Judiciário decidiria, com impressionante largueza de espírito, quando essa tríade estaria ou não sendo cumprida. Como são bons valores, convenham, estaríamos diante do discricionarismo do bem — que costuma, como atesta a história, dar à luz homicidas fanáticos.
Não, senhores! Eu não preciso ser “jurista” para chegar a essa conclusão. E, se alguém se faz jurista para defender que uma corte suprema pode jogar fora um artigo da Constituição numa democracia, então é prova de que recorreu aos instrumentos da ordem legal com a finalidade de solapá-la.
O direito à união civil não se iguala àqueles que, de fato, a todos igualam, como os especificados no caput do Artigo 5º: “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Aquele é um direito que se exerce segundo uma condição estabelecida pela própria Carta. E que, ATENÇÃO, pode ser mudado por emenda constitucional. Que se consigam os três quintos nas duas Casas do Congresso e se altere a redação do Artigo 226, ora essa! A Constituição também prevê as condições para a sua própria mudança. A união civil deixaria de ser a celebrada entre “homem” (que tem bingolim) e “mulher” (que tem borboletinha). Que fosse entre “pessoas”, pronto!
O que é inaceitável é que um colégio se reúna, SEM TER A PRERROGATIVA PARA TANTO, e decida: “O Artigo 226 da Constituição foi tornado sem efeito”. Alguns tantos dirão: “Mas o Congresso que temos jamais mudaria a redação de tal artigo”. Pois é… E deve o Supremo, diante dessa perspectiva, comportar-se como uma Câmara Legislativa que faz, por ato de ofício, o que o Congresso deixou de fazer em razão das circunstâncias políticas?
O Supremo Tribunal se transformou agora numa Corte dos Ditadores do Bem? Como a idéia de um só Tirano de Siracusa deu com os filósofos n’água — perguntem a Platão! —, vamos inventar agora um colegiado de tiranos virtuosos?
É claro que eu não sou jurista — até para sorte de uns tantos. Se fosse, iria infernizar a vida de alguns medalhões que decidiram que o papel do Poder Judiciário é fazer justiça com a própria toga, ao arrepio do que dizem os códigos legais. “Pacta sunt servanda”, aprendi nas aulas de latim, não de direito. Os contratos têm de ser cumpridos. A Constituição é um contrato nas sociedades democráticas. Aí dirá alguém, também em latim: “Pacta quae turpem causam continent non sunt observanda”: os contratos com propósito desonroso não têm de ser cumpridos. Ok. É uma máxima da jurisprudência, mas não aplicada à Constituição; serve justamente para os momentos em que a lei é agredida.
Atenção! Ser contra um dispositivo constitucional e lutar para mudá-lo é um direito garantido pela própria Constituição! Qualquer um pode, a qualquer momento, escolher ser o militante de uma causa. Numa democracia, a única militância permitida a um juiz é a letra da lei. É ali que ele acha o direito, não na rua. Na rua costuma estar o arbítrio, que a lei coíbe e corrige.
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