Juvenal Antunes
ELOGIO DA PREGUIÇA
Juvenal Antunes
Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!
Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.
Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.
Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!
Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!
Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!
Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas!
Cresce o teu filho? É belo? É forte? É loiro?
- Mas uma rês votada ao matadouro!
Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz...
Que arda, depressa , a colossal fogueira
E morra assada, a humanidade inteira!
Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?
Queres riquezas, glórias e poder?
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro...
Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?
Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!
Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!
Ó Laura, tu te queixas que eu, farcista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,
E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor - por outro amor.
Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.
Que me não faças mais essa injustiça,
Se ontem não fui te ver, foi por preguiça.
Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar.
(Cismas, 1908)
Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!
Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.
Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.
Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!
Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!
Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!
Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas!
Cresce o teu filho? É belo? É forte? É loiro?
- Mas uma rês votada ao matadouro!
Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz...
Que arda, depressa , a colossal fogueira
E morra assada, a humanidade inteira!
Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?
Queres riquezas, glórias e poder?
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro...
Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?
Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!
Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!
Ó Laura, tu te queixas que eu, farcista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,
E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor - por outro amor.
Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.
Que me não faças mais essa injustiça,
Se ontem não fui te ver, foi por preguiça.
Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar.
(Cismas, 1908)
* Homenagem singela, minha, a dois homens: Juvenal Antunes, poeta e filósofo, e Pirro de Élida, filósofo. Este nos deu, de presente, uma das mais poderosas armas contra a manipulação e a chatice dos plenos-de-certezas: o ceticismo! Dois personagens também são homenageados: Macunaíma e Oblomov. E viva a arte como instrumento de combate à qualquer tipo de opressão!
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