Honório de Medeiros
Muito tempo depois
de sua separação eu a encontrei em um café, contemplando o mundo lá fora com
aqueles olhos azuis maravilhosos através das volutas da fumaça do cigarro.
Após os
cumprimentos de praxe, não resisti e lhe perguntei como sobrevivera ao fim do
seu casamento, tão minuciosamente condenado ao fracasso, segundo sua própria
avaliação, quando nos vimos pela última vez.
Ela sorriu, se
espreguiçou como uma gata, tomou lentamente um gole de café, e me perguntou se
eu queria saber a história toda ou somente o desfecho, com algumas pinceladas
óbvias como arremate.
Antes de lhe dizer que não dispensava os
detalhes me lembrei de que parte do seu fascínio era a administração do
silêncio, pois este nos induzia a supor regiões misteriosas do seu pensamento
onde a fantasia bordava, junto com a realidade, situações fascinantes para quem
soubesse ousar e tivesse coragem de receber.
Já naquele tempo
ela reinava impune, a tripudiar das vãs tentativas dos conquistadores ávidos e
tímidos admiradores, sem que as recusas constantes diminuíssem a admiração que
granjeava. Nela, nada se eximia de seduzir, mas mesmo assim um dia sucumbira a
uma paixão inesperada e violenta, que a retirara do circuito das festas e
badalações.
Desde o começo nós, seus amigos,
percebêramos que não daria certo aquela paixão. Sutilmente sua liberdade fora
sendo restringida – logo a dela, tão essencial a si. Aos poucos, milímetro por
milímetro, cedera sem notar, encantada por uma proposta enleadora de construção
do futuro a dois, mão a mão, através da imagem de uma ponte afetiva que se
sabia onde começava, mas que terminaria no infinito.
Embora apaixonada
foi através da persuasiva magia da visualização de um amor único, daqueles que
nutrem uma alma só em dois corpos distintos, que ocorrera a derrubada das suas
últimas resistências.
Mas finalmente ela despertou e a ânsia de
viver livre, solta, cobrou sua fatura. Passou a se sentir sufocada e a perceber
as invisíveis amarras que lhe prendiam o próprio voo. Queria ir embora, queria
sumir, queria desaparecer, mas havia um obstáculo, um sério senão a impedir sua
liberdade: o orgulho desmedido, o egocentrismo concentrado, a incontida autoimagem
que seu companheiro fazia de si mesmo; não era possível que o relacionamento
fosse desfeito sem que a explicação a ser dada para isso preservasse sua
posição social e o alto conceito que fazia de si mesmo.
“Eu não podia lhe dizer que ia embora por
que o amor acabara; seu orgulho não aceitaria ser trocado por nada, por coisa
alguma. Ele não admitiria nunca que não fora capaz de me segurar apaixonada,
não admitiria que eu nada mais sentisse exceto um afeto meio dependente do
alívio do afastamento definitivo. Tive, então, que criar uma paixão inexistente
por outro e, pior, por alguém abaixo da escala de valores que ele prezava. Fui
deixando que ele imaginasse que a verdade, acerca dessa paixão, estava sendo
arrancada a pedaços, tamanha era minha vergonha.
Assim, fui repudiada, me libertei, e ele pode
dizer por aí, quando questionado, que eu havia sido uma aposta perdida por que
mal avaliada, que eu fui incapaz de perceber a qualidade do sentimento que
despertara, que eu fui alçada a um nível incompatível com minha ausência de
sofisticação e, assim, depois, tinha sido levada de volta, como seria natural,
através de um "qualquer", ao mundo ao qual realmente pertencia”.
Contada a história se foi, não sem antes
me endereçar um sorriso meio irônico, como se a trama que ela encetara não
tivesse envolvido somente um homem, mas todos os outros tão previamente
condenados a não escapar, no final das contas, da malícia de toda mulher.
Um comentário:
Professor Honório de Medeiros:
Uma excelente história:
Valeu!
http://sednemmendes.blogspot.com.br/2012/11/da-arte-de-romper-um-grande-amor.html
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