Albert Schweitzer
Honório de Medeiros
Quando se dispôs a estudar medicina
para, formado, morar na África e cuidar dos miseráveis, Albert Schweitzer já
era famoso na Europa inteira como um dos maiores intérpretes de Bach.
Terminado o curso, fundou um
hospital no Gabão e, durante o restante de sua vida, enfrentando toda a sorte
de adversidades, se doou por inteiro a mais nobre das missões: salvar vidas
humanas. Ele, mais que ninguém, tornou possível acreditarmos na espécie humana,
principalmente porque suas ações não foram estimuladas por um projeto político
ou vocação religiosa, mas, sim, e somente, pela nobreza de sua alma e pureza de
intenções.
Longe de nós acreditarmos que temos
o mesmo estofo moral de Albert Schweitzer. Quando muito, se possível, podemos apresentar
a virtude de tentarmos ser honestos no dia‑a‑dia. Não é muita coisa, mas,
dentro dos nossos limites, é o possível.
Entretanto, parece que até mesmo
essa tentativa de honestidade está desaparecendo lentamente do nosso cotidiano.
Basta fazermos um pequeno exame de consciência e a constatação salta aos olhos.
Por exemplo: quantas vezes não desrespeitamos as regras do trânsito? Quantas
vezes não furamos filas, desrespeitando o direito de quem nos antecedeu?
Quantas vezes não aceitamos o jogo do guarda‑de‑trânsito corrupto, e lhe damos
a "bola" que ele deseja?
Alguém poderia argumentar que tais
infrações são muito pequenas, "o importante é ser honesto no
essencial", e que tudo isso faz parte da sordidez que é, hoje, a vida em
sociedade. Ledo engano. Esses exemplos são reveladores de uma doença social:
vivemos hoje em uma sociedade egoísta, narcisista, fútil, enfim totalmente
construída a partir de valores negativos: o honesto passa por tolo, o altruísta
é visto como excêntrico e, ao contrário, aquele que leva vantagem em tudo é
esperto e o mundo, por derradeiro, pertenceria aos cínicos, aos amorais.
Já não existe, por exemplo, nas
Universidades, o "espírito" de grandeza que caracterizava os
estudantes de antigamente. Fazia‑se direito para lutar pela justiça, e medicina
para curar. Hoje, a meta é a profissionalização, no mais curto espaço de tempo
e o enriquecimento imediato. Somos todos "alpinistas sociais" e nos
medimos e avaliamos pelo que temos, e não pelo que somos. Esta é a realidade de
uma época.
O quê não dizer, por exemplo, dos
nossos homens públicos? Se analisarmos os candidatos que postulam, nas eleições,
esse ou aquele cargo, a qual conclusão chegaremos?
E o resultado de nossa conduta nos
agride diariamente: somos vítimas de nossa omissão, colhemos aquilo que
semeamos.
Quê fazer? Cruzar os braços? Fazer
parte, também, da multidão de indigentes morais? Ou dar, pelo menos, na medida
de nossa capacidade, pequenos passos para tentar construir um mundo melhor?
Vale salientar que essa opção
apresentada diariamente a cada um de nós envolve nosso presente e o futuro de
nossos filhos. Então, a título de exemplo, não deveríamos escolher nossos
candidatos a partir de critérios tais como honestidade, competência, amor à
coisa pública? Não deveríamos analisar, por exemplo, a conduta passada de cada
um deles: se foi honesto; se prestou algum serviço relevante à comunidade e o
fez sem interesse imediato; se foi coerente ideologicamente...
É evidente que, assim como
Diógenes, o Cínico, que na Grécia antiga procurava nas ruas de Atenas um homem
totalmente honesto, e não o encontrava, possivelmente também não acharemos
algum que esteja de acordo com nossa esperança. Mas talvez encontremos um ou
outro que tenha pelo menos uma qualidade essencial: não ser corrupto.
Desprezemos, também, os arrivistas, os carreiristas, aqueles reconhecidamente
incompetentes e, principalmente, os desonestos ‑ a eles, o ostracismo político.
Assim, valorizando nosso voto
estamos, mesmo que de forma imperceptível, dando um pequeno‑grande passo para a
construção de um mundo melhor.
E, mesmo que seja difícil a luta
diária que travamos conosco para sermos um pouco melhor do que éramos ontem,
convém ir em frente, pelo menos por dois motivos: somos nós, através de nossas
ações e omissões, que construímos o futuro que nossos filhos herdarão; por
outro lado, assim agindo, talvez não tenhamos tanta vergonha (para os que a
sentem) de sermos tão diferentes de Albert Schweitzer.
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