Honório de Medeiros
Quarta
teoria: o ataque a Mossoró resultou de um plano político (quinta parte)
OS CORONÉIS QUINCAS E BENEDITO SALDANHA
Mas se realmente Massilon tinha,
por trás de si, desde o episódio de Brejo do Cruz, PB, até o ataque a Apodi,
RN, as figuras maquiavélicas de Quincas e Benedito Saldanha, ainda não há como
ligar diretamente os Coronéis paraibanos ao ataque a Mossoró.
Pelo menos até onde sabemos,
mesmo que os coronéis ambicionassem o controle político da Região, como o
demonstram suas participações na política de Caraúbas, via o Coronel Quincas
Saldanha; de Apodi, por intermédio de Benedito Saldanha, Tylon Gurgel,
Martiniano Porto e Luis Ferreira Leite; e, porque não dizer, influência
política no Rio Grande do Norte como um todo, haja vista a participação em
episódios políticos decisivos no Estado, oriunda das relações políticas com o
Interventor Mário Câmara e a histórica campanha da Aliança Social versus Partido Popular, relatada acima,
em meados da década de 30.
Isso, por uma razão muito
simples: não teria como haver a invasão de Mossoró sem Lampião e, conforme
exposto acima, nem o Coronel Isaías Arruda, tampouco Massilon – homem dos
Saldanha –, sabia que o grande cangaceiro se dirigia a Aurora no período do
ataque a Apodi.
Recordemos Sérgio Dantas[1]:
O encontro de Lampião com
Massilon deu-se em dias de maio, após o assalto a Apodi. Até aí, Lampião desconhecia
completamente o novel bandoleiro. O cangaceiro Mormaço, em interrogatórios
consignados nos processos-crime instaurados nas Comarcas de Martins e Pau dos
Ferros, ambos em 1927, deixam claro esse particular. Também, nesse sentido,
depoimento prestado por Jararaca à Polícia no mesmo ano. Todos são unânimes
quanto à época do encontro.
Ainda:
O cangaceiro “Mormaço”,
em diferentes interrogatórios prestados à Polícia (Martins, Pau dos Ferros,
Mossoró e Crato), deixou claro que Lampião desejava chegar ao Ceará para
refugiar-se e municiar o bando. Também acrescentou, em diversas oportunidades,
que Arruda intermediava, invariavelmente, tais compras de munição.
A NÃO SER que o projeto do ataque
a Mossoró, revelado por Argemiro Liberato e denunciado pela imprensa
mossoroense, estivesse na fase de planejamento e, deste, fizesse parte a noção
de que somente depois, em uma outra etapa, os líderes cangaceiros seriam
procurados por Massilon, etapa que teria sido precipitada para aproveitar a chegada
inesperada, em Aurora, de Lampião.
Pois é fato que, até onde se
sabe, nenhuma outra pessoa, fora os Coronéis Quincas e Benedito Saldanha, teriam
tanto a ganhar, AO MESMO TEMPO, politicamente, com a invasão de Apodi e
Mossoró, e a deposição, pela força das armas, dos Coronéis Francisco Pinto e
Rodolpho Fernandes do poder, exceto, também, o próprio Governador José Augusto
Bezerra de Medeiros, e Jerônimo Rosado.
Os Coronéis tinham um sério e
quase imbatível adversário político na Região: os Fernandes, e, principalmente,
o Coronel Rodolpho Fernandes.
E dois fatos a favor, digamo-lo assim:
a vontade de José Augusto Bezerra de Medeiros de destruir o crescente poderio
político dos Fernandes, e a atitude destes em relegar Jerônimo Rosado, um dos
dois principais aliados políticos de Francisco Pinheiro de Almeida Castro[2]
- o outro era Rafael Fernandes, ao esquecimento, como veremos um pouco adiante.
Rafael Fernandes: até hoje quem mais tempo passou no poder, de forma ininterrupta, no Rn
JOSÉ AUGUSTO BEZERRA DE MEDEIROS
Façamos uma introdução à política
do estado potiguar: nos anos vinte ocorreram várias mudanças significativas em
termos de poder político no Rio Grande do Norte.
José Augusto Bezerra de Medeiros,
do Seridó, herdeiro político do Coronel José Bernardo de Medeiros, líder
regional desde a época do Império, transferira o centro das decisões no Estado para
o Sertão, correspondendo esse poderio, no que diz respeito ao econômico, à
ascendência da cultura algodoeira no Estado.
É o que lemos em Luiz Eduardo
Brandão Suassuna e Marlene da Silva Mariz[3]:
José Augusto e Juvenal Lamartine de Faria, seu
sucessor e herdeiro político, com o apoio do Presidente Artur Bernardes,
conseguiram impedir Joaquim Ferreira Chaves, da oligarquia Maranhão, de chegar
ao poder pela terceira vez, e, assim, praticamente decretaram seu fim.
Juvenal Lamartine: teria sido por ordem sua que morreu Chico Pereira
A linha política do governo José Augusto insere-se
na conjuntura nacional, com a oligarquia local em plena harmonia com a
oligarquia que detém a hegemonia nacional. Um exemplo desse entrosamento é a
visita de Washington Luis, em 1926 (após ter sido eleito Presidente da
República), ao Rio Grande do Norte.
O poder de José Augusto Bezerra
de Medeiros será bruscamente interrompido pela Revolução de 1930, embora esteja
no cerne da vitoriosa campanha do Partido Popular contra o Interventor Mário
Câmara, tão cuidadosamente retratada por Edgar Barbosa em “HISTÓRIA DE UMA
CAMPANHA”, já aludido.
José Augusto Bezerra de Medeiros manobrou,
o quanto pode, para instituir uma nova oligarquia no Rio Grande do Norte, relata-nos
Gil Soares[4]:
José Augusto não se limitou a cuidar do seu
quatriênio. Preparou sucessões de familiares seus. O “Jornal do Comércio” do
Rio de Janeiro anunciou logo isso. Oligarquia. E na modalidade mais rudimentar,
que é a do tipo familiar.
De início julgava-se prestigiado para esse objetivo
derrubando, no interior, velhos dirigentes do seu partido, para substituí-los
por elementos de sua confiança pessoal. Exemplos:
Em São José do Mipibu, Inácio Henrique por
Monsenhor Antônio Paiva; em Nízia Floresta, José de Araújo por Joaquim Freire;
em Goianinha, Gonzaga Barbalho por Manoel Ottoni de Araújo Lima; em Pedro Velho
e Santo Antônio, Rodopiano de Azevêdo por Joaquim da Luz e Epaminondas Mendes,
respectivamente; em Nova Cruz, Anísio de Carvalho por Nestor Marinho; em Taipu,
Rozendo Leite por João Gomes da Costa; em Touros, Francisco Zacarias por Joel
Cristino; em Macau, Feliciano Tetéo por Armando China. E assim por diante.
Manoel Maurício Freire (Neco Freire), de Macaíba,
resistiu. Mas ficou muito desprestigiado. Viu o Governador eleger deputado
estadual o comerciante Antônio de Andrade Lima, seu velho adversário local.
Quando lhe chegou a vez de indicar o nome do prefeito, ei-lo obrigado a aceitar
o macaibense Cícero Aranha, Chefe de Serviço do Tesouro do Estado.
Depois do Seridó, a maior força eleitoral
situava-se na Zona Oeste. Liderada pela família Fernandes. Homens pacíficos,
muito dedicados a atividades agropecuárias e industriais.
O plano, aí, seria reduzir-lhe, paulatinamente, o
grande prestígio político.
Começou, pois, o Governador, atraindo para a chapa
estadual o médico Antônio Soares Júnior[5],
a maior figura da oposição em Mossoró[6].
Antônio Soares Júnior, líder da oposição radical ao Coronel Rodolpho Fernandes
Também:
No segundo ano do governo de José Augusto, seu
primo Napoleão Bezerra, meu velho e saudoso amigo currais-novense, me dizia o
seguinte no Campo de Demonstração de Jundiaí, em Macaíba: “Se os Maranhões
dominaram a política do estado durante trinta anos, por que não podemos fazer o
mesmo?”
E:
Naquele ano de 1926 era voz corrente, em Natal, que
o “plano político” do governo do Estado seria o seguinte:
1º O governador José Augusto teria como sucessor
seu sobrinho-afim Juvenal Lamartine e seguiria, logo, para o Senado; 2º por sua
vez, o sucessor de Juvenal Lamartine, em 1932, viria a ser seu sobrinho
Cristóvam Dantas; 3º este ingressaria como deputado federal logo no pleito de
1930, a fim de abrir a vaga para Juvenal Lamartine retornar ao Congresso
Nacional.
José Augusto, quando achava
necessário, agia com violência, como nos recorda Gil Soares, na mesma obra:
Causando surpresa, José Augusto demitiu sumariamente
o jornalista Pedro Lopes Júnior do cargo de escrivão da Delegacia Auxiliar de
Polícia, por causa de comentários desfavoráveis a atos do seu governo.
Como seria de se esperar, o Tribunal de Justiça,
unânime, mandou-o retornar ao cargo. Em ambiente hostil, alta noite, elementos
fazendo-se passar por policiais, bateram a sua porta. Pedro Lopes foi, pelo
quintal, ocultar-se em casa de um vizinho. Preferiu deixar o Estado.
Ainda:
Vitoriosa a Revolução de 1930, o advogado Bruno
Pereira em telegrama divulgado pela imprensa, manifestou seu “desafeto”:
“Interventor Irineu Joffily – Natal.
Pessoa vossa excelência felicito minha estremecida
terra redimida garras mais imoral oligarquia[7]
do mundo. Atenciosa saudação. Bruno Pereira”.
Em 1921, Café Filho e Kerginaldo Cavalcanti
apoiaram a Reação Republicana de Nilo Peçanha. Em 1928, Café Filho foi eleito
vereador em Natal, mas o governo queimou as atas, procedendo a novas eleições a
“bico de pena”. Nesse mesmo ano, o sindicato[9]
e o jornal[10]
foram invadidos e destruídos pela polícia do governador Juvenal Lamartine, e
Café Filho foi obrigado a fugir do Estado, indo conspirar com os políticos e
militares da Aliança Liberal na Paraíba.
CONTINUA...
[1] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; Cartgraf –
Gráfica Editora; 2005; Natal; RN.
[2] Falecido em 1922.
[3]
“HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE”; SUASSUNA,
Luiz Eduardo Brandão e MARIZ, Marlene da Silva; Sebo Vermelho; 2ª. Edição;
2005; Natal, Rn.
[4] “O PASSADO VISTO POR GIL SOARES”; MUINIZ, Caio
César (organizador); Coleção Mossoroense; Série “C”; volume 1.147; 2005;
Mossoró, RN.
[5] Eis o líder da oposição a Rodolpho Fernandes em
Mossoró, razão de suas principais divergências com José Augusto. Foi o primeiro
mossoroense a se doutorar em Medicina. Filho de Antônio Soares de Góis e Josefa
Soares de Góis, nasceu em 4 de maio de 1881, no lugar Barrocas, subúrbio da
cidade. Formou-se na Bahia, em 1905. Prefeito de Mossoró de 21 de setembro de
1933 a 4 de novembro de 1935 (dados obtidos em (BRITO, Raimundo Soares de;
“RUAS E PATRONOS DE MOSSORÓ”; Coleção Mossoroense; Série “J”; v. 01; dezembro
de 2003; Mossoró. Raimundo Nonato lembra, em “MEMÓRIAS DE UM RETIRANTE”
(Fundação Guimarães Duque e Fundação Vingt-un Rosado; Coleção Mossoroense;
Série “C”; v. 1.235; 3ª edição; 2001; Mossoró), ao relatar um dos embates entre
os Fernandes e José Augusto Bezerra de Medeiros, que “Neste particular, a
situação do Dr. Soares Júnior era, realmente, privilegiada, pois comandava um
forte grupo de oposição, cujo concurso o governador do Estado via com bons
olhos.”
[6]
Grifei.
[7] Oligarquia liderada por José Augusto.
[8] SPINELLI, José Antônio; “CORONÉIS E OLIGARQUIAS NO
RIO GRANDE DO NORTE”; EDUFURN; 1ª edição; Natal; 2010.
[9] Sindicato dos Operários de Natal.
[10] “Jornal do Norte”.
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