segunda-feira, 22 de outubro de 2012

ADEUS, INFÂNCIA



Honório de Medeiros
 
Quando minha filha tinha sete anos, me comunicou gravemente que não acreditava mais em Papai Noel, coelhinho da Páscoa e na turma da Mônica.
- “Acreditar como?”, perguntei.
- “Que existem, papai.”
- “E agora?”, insisti.
- “Papai, é que já sou adulta.”
Fora-se o tempo em que ela, aos quatro anos, virou para mãe e lhe disse, enquanto olhava para a lua em quarto minguante:
                                               - “Mamãe, olhe a lua seca”!
                            Ou então, com a mesma idade:
                                          - “Mamãe, Papai Noel não desce pela chaminé?”

     - “É.” 

     - “E como ele vai entrar no apartamento para deixar meu presente, se aqui não tem chaminé?” 

Ponderei que Papai Noel, por exemplo, existiria enquanto nele acreditassem. Não adiantou.
- “Papai, se eu acreditar então ele existe p’ra mim?”
Fiquei olhando. E agora, me perguntei, como explicar que Papai Noel é mais ou menos igual ao amor, ou seja, existe enquanto nós acreditarmos?
Quando pela primeira vez ela nos disse que “talvez Papai Noel não existisse”, senti algo parecido com um desconforto um pouco dolorido. Sua infância estaria indo embora tão cedo? Essas crianças de hoje se tornavam, mesmo, adultas antes do tempo?
E imaginei, na época, que logo, logo, não estaria mais vendo seus braços gordos segurando o guidão da bicicleta, o cabelo espalhado pelo vento, a gargalhada espontânea, enquanto passava, ligeiro, por mim, no Bosque dos Namorados e logo seu vulto se perdia ao longe.
Aquela conversa franca e contínua, na qual todos os fatos do dia são narrados ao mesmo tempo em que passam por um processo de avaliação muito pessoal, como quando me comunicou que “eu fui atrás de Pedro Jorge, papai, e disse a ele que não estava mais paquerando com ele, e acho que está certo assim, papai, por que eu sou muito nova p’ra pensar nisso, não é”, seria substituída pelo recolhimento natural da adolescência.
Aí a história seria outra: nós, adultos, ficaríamos procurando palavras para nos comunicarmos, e encontraríamos impaciência e silêncio.
Depois, o mundo a levaria. E assim como com todos os outros, a nossa esperança passaria a ser a internet, o telefone, as visitas esporádicas. Viriam marido e filhos e a dimensão do sentimento que sentia por ela talvez não pudesse nunca mais ser expressa da forma como o fazia naqueles tempos, quando a tinha ao meu lado, na rede, me contando minuciosamente tudo quanto acontecera na escola e eu aproveitava para fazer cócegas no seu pescoço e assanhar seu cabelo, sob um protesto silenciado com promessas de me comportar que nunca eram cumpridas.

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