Honório de Medeiros
Quando
minha filha tinha sete anos, me comunicou gravemente que não acreditava mais em
Papai Noel, coelhinho da Páscoa e na turma da Mônica.
-
“Acreditar como?”, perguntei.
-
“Que existem, papai.”
- “E
agora?”, insisti.
-
“Papai, é que já sou adulta.”
Fora-se
o tempo em que ela, aos quatro anos, virou para mãe e lhe disse, enquanto
olhava para a lua em quarto minguante:
- “Mamãe,
olhe a lua seca”!
Ou então, com a mesma idade:
- “Mamãe, Papai Noel não desce pela chaminé?”
- “É.”
- “E como ele vai entrar no apartamento para
deixar meu presente, se aqui não tem chaminé?”
Ponderei
que Papai Noel, por exemplo, existiria enquanto nele acreditassem. Não
adiantou.
-
“Papai, se eu acreditar então ele existe p’ra mim?”
Fiquei
olhando. E agora, me perguntei, como explicar que Papai Noel é mais ou menos
igual ao amor, ou seja, existe enquanto nós acreditarmos?
Quando
pela primeira vez ela nos disse que “talvez Papai Noel não existisse”, senti
algo parecido com um desconforto um pouco dolorido. Sua infância estaria indo
embora tão cedo? Essas crianças de hoje se tornavam, mesmo, adultas antes do
tempo?
E
imaginei, na época, que logo, logo, não estaria mais vendo seus braços gordos
segurando o guidão da bicicleta, o cabelo espalhado pelo vento, a gargalhada
espontânea, enquanto passava, ligeiro, por mim, no Bosque dos Namorados e logo
seu vulto se perdia ao longe.
Aquela
conversa franca e contínua, na qual todos os fatos do dia são narrados ao mesmo
tempo em que passam por um processo de avaliação muito pessoal, como quando me
comunicou que “eu fui atrás de Pedro Jorge, papai, e disse a ele que não estava
mais paquerando com ele, e acho que está certo assim, papai, por que eu sou
muito nova p’ra pensar nisso, não é”, seria substituída pelo recolhimento
natural da adolescência.
Aí a
história seria outra: nós, adultos, ficaríamos procurando palavras para nos
comunicarmos, e encontraríamos impaciência e silêncio.
Depois,
o mundo a levaria. E assim como com todos os outros, a nossa esperança passaria
a ser a internet, o telefone, as visitas esporádicas. Viriam marido e filhos e
a dimensão do sentimento que sentia por ela talvez não pudesse nunca mais ser
expressa da forma como o fazia naqueles tempos, quando a tinha ao meu lado, na
rede, me contando minuciosamente tudo quanto acontecera na escola e eu
aproveitava para fazer cócegas no seu pescoço e assanhar seu cabelo, sob um
protesto silenciado com promessas de me comportar que nunca eram cumpridas.
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