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Honório de Medeiros
Gosto muito do facebook. E do Google também.
Aliás, pelo Google tenho certa reverência. Penso no Google como a biblioteca de
Babel, descrita em um conto de Jorge Luis Borges no
livro Ficções, de 1944. O conto, metafísico, diz-nos acerca de uma realidade constituida por uma
biblioteca que abriga uma quantidade infinita de livros que são, cada um deles,
uma possibilidade alternativa da existência.
Como não
reverenciar um ambiente virtual que lhe apresenta, quando consultado, em tempo
real, um erudito artigo acerca do “Código de Leicester”, um manuscrito de 36
páginas escrito por Leonardo da Vinci e comprado por Bil Gates por U$ 30,8
milhões?
Entretanto não é acerca do Google que quero
escrever. É acerca do “face” como nós o denominamos.
O “face” é uma imensa praça virtual. Não sei se
fui a primeira pessoa a utilizar essa metáfora, mas é assim que a “batizei”
desde o início. Uma praça como o Hyde Park em Londres, só que em ambiente
virtual. Aliás, uma praça como qualquer outra deste mundo de meu Deus.
Nela é possível encontrar de tudo. E, usando
novamente essa expressão virótica, em “tempo real”. Muita fofoca, muita coisa
ruim, mas também, em contraposição, informações atualizadas, considerações
críticas interessantes, rasgos de inteligência fulgurantes, muito humor,
tomadas de posição acerca de assuntos candentes, e, talvez o que seja mais
importante, a possibilidade de interagir com pessoas com as quais habitualmente
você não encontra, mas por quem tem afeto.
Não é ele um fabuloso “nicho sociológico”?
Esses
dias, por exemplo, houve um apagão no Nordeste. Perto da meia-noite. Eu estava
acordado e fui cascavilhar nos sites e blogs de notícia em busca de informação.
Nada. Fui, então, para o "face". Quando entrei fiquei logo sabendo
que o apagão atingira todos os bairros de Natal, as cidades vizinhas, Recife,
Mossoró, Sousa, na Paraíba, e até Manaus.
Depois
comecei a me divertir com os comentários. Um deles, impagável, dizia que Dilma
estava reunida com o ministério, em Brasília, à luz de velas, criando, para o
Nordeste, o Programa “Minha Vela, Minha Vida” e o “Bolsa Lamparina”. Essa história, depois, me foi ratificada por uma querida amiga e ex-aluna.
Onde
encontrarmos algo semelhante, ou seja, quase tudo em quase nada?
No
"face" já vi e li pedido de sangue para transfusão e, em pouco tempo, o
agradecimento. Vi e li oração, súplica, declaração de amor, de ódio, pedido e oferta
de emprego, fotos belíssimas, outras muito ruins, flagrantes da vida real,
diatribes, solidão, felicidade, narcisismo, analfabetismo, enfim, tudo quanto
caracteriza o ser humano.
Parodiando Terêncio, tudo que é humano interessa ao “face”.
Parodiando Terêncio, tudo que é humano interessa ao “face”.
Por
outro lado, não consigo aceitar as declarações que atribuem ao "face"
um poder alienante sobrenatural. Compreendo que nessas críticas está presente a
primitiva mania de antroformizar as coisas, de a elas atribuir o que somente a
nós diz respeito, tais como os valores a partir dos quais julgamos o que nos cerca,
a nós mesmos e aos outros. O mal está em nós, não nas coisas. O
"face" é um instrumento como outro qualquer. Cabe a nós dar-lhe o
destino apropriado.
E,
me parece, para finalizar, que não há outra opção, no que diz respeito ao
“google”, ao “face”, a esse mundo virtual que é o grande salto no futuro:
render-se ou se render.
Ficar fora dessa “aldeia global” - fantástica premonição intelectual de Marshall MacLuhan -, em algum tempo será praticamente
impossível: momentos atrás acompanhei, de perto, um senhor já idoso, frentista,
lutando contra as dificuldades que lhe impunha o manuseio, na tela do computador, do
programa de pagamento de cartões, em um posto de venda de gasolina.
Em
certo sentido muito próprio, lutava ele pela sobrevivência em um mundo
totalmente desconhecido seu quando era menino.
Bom,
quanto aos que torcem o nariz para o “face”, ainda há tempo de correr atrás do
prejuízo...
2 comentários:
Perfeito, Honório.. É exatamente isto!
Professor e mestre Honório de Medeiros, a forma com que o senhor brinca com as palavras me assusta,as vezes procuro palavras e não encontro para expressar o que sinto sobre seus textos, este por exemplo, é simplesmente indescritível, nada que eu fale aqui será capaz de descrever o que sinto ao lê-lo. Parabéns, está incrível como sempre estão os seus textos, porém este me faz pensar e repensar na nossa condição, na minha em especial, me sinto como uma astronauta prestes a pisar na lua pela primeira vez, é assim que o face tem se tornado, um espaço, ou o espaço, talvez o cosmos, o buraco negro, não digo o big bang porque ai seria demais, porém, com um poder de atração inimaginável, ele puxa as pessoas para si e elas esquecem que lá fora existe um mundo, pronto para ser desvendado e que por mais que pareça que já conhecemos tudo desde o solo da lua até o gás de Júpiter, nunca sabemos tudo, sempre existe algo a explorar, algo a descobri, algo a nos espantar.
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