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Honório de Medeiros
No shopping, as duas adolescentes sentam ao meu lado. “Aquilo é um triste”, diz uma. “Só”, diz a outra. Devem ter entre quinze e dezessete anos. Vestem-se de forma apurada e já se maquilam. São “patricinhas”, talvez, se eu estiver certo no exercício do meu conhecimento da “fauna” urbana. Não largam os celulares enfeitados com capas, chaveiros e decalques coloridos. Aliás, a inquietude de cada uma delas é sempre pontilhada por ligações sendo feitas e recebidas em um ritmo frenético: elas ligavam, diziam duas ou três palavras misteriosas, desligavam, recebiam uma chamada, escutavam duas ou três palavras também misteriosas, desligavam, ligavam... Algo torturante de se ver ou ouvir.
Pouco depois chegam alguns outros membros do grupo. Os abraços são demorados e cheios de um carinho ritual – as mãos daqueles que estão se cumprimentando sobem e descem sem cessar nas costas de cada um deles por um longo tempo. É como se fosse uma despedida de alguém a quem não se veria durante muito tempo. As conversas começam, mas não é uma conversa. Todos falam ao mesmo tempo. Todos calam ao mesmo tempo. Riem de algum deles, riem de si mesmo, riem de todos. E não se sentam, não ficam em pé; antes, esparramam-se nas cadeiras das formas mais insólitas possíveis, mesmo quando estão comendo fast-food ou pizza com coca-cola.
Pelo que eu pude entender do que ouvi as conversas dizem sempre respeito a festas que aconteceram e festas que acontecerão. Festas e mais festas. Festas já batizadas de careta, festas que foram, festas que serão, festas demais, festas de menos, festas e mais festas. E os celulares tocando e sendo tocados. E misteriosas conversas particulares ocorrendo dentro do próprio grupo. E eles se mexem, se rearrumam, se levantam para pegar refrigerante, voltam e, assim, na minha retina, deixam uma imagem de constante movimento, de ansiedade, de energia sem controle.
Esses adolescentes, pela própria aparência, são privilegiados. Usam roupas planejadamente descoladas, mas revelam sua origem social através dos tênis – caríssimos – e dos celulares que fotografam, gravam, filmam, fazem coisas do arco da velha. Eles pertencem a um determinado nicho social. São da elite. Estarão à frente do destino deste país amanhã. Tomarão decisões. Determinarão o que há de ser feito na vida de cada um de nós, às vezes individualmente, às vezes coletivamente. Com eles está nosso futuro, salvo raras e honrosas exceções na história dos outros países, por que no nosso essa afirmação é quase um axioma.
Já vivi bastante para ver que é assim mesmo que funciona. Posso olhar para trás e lembrar que A, B, C, foram crianças que eu conheci, algumas das quais até um pouco mais intimamente. Hoje, são deputados, juízes, empresários – herdaram de seus pais, e dos pais dos seus pais, e dos pais dos pais dos seus pais, os lugares que ocupam na sociedade. Algo como um determinismo social. Os avós foram, os pais também, os filhos serão. Com as exceções de praxe, lógico, que o próprio sistema no qual e para o qual vivem se encarrega de engendrar e cooptar por que há sempre necessidade de sangue novo, para que tudo continue como sempre. Mudar para não mudar...
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