segunda-feira, 12 de agosto de 2024
MELANCOLIA
quinta-feira, 8 de agosto de 2024
CAOS, FRAGMENTAÇÃO, INSANIDADE
terça-feira, 6 de agosto de 2024
NADA, NADA DE NADA
IMAGEM: Honório de Medeiros
* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
Deslizo por sobre a superfície das coisas. Não sei nada, nada, de nada. O pouco que sei é inconsistente. Entretanto, enquanto me espanto com minha própria ignorância, fico perplexo com o conhecimento e poder dos outros. Há muita gente sabida mundo afora. Como sabem, eles! E eu, cá, tosco. Algumas pessoas, não muitas, trazem, esculpida no rosto, a tragédia de intuir, no outro, essa quimera da arrogância intelectual. Para elas, a quem foi dada a sensibilidade enquanto dom, a vida é apenas um lapso temporal. Entendem que não vale a pena qualquer tipo de arrogância e poder. E entendem, também, a solidão terrível dos que acham que sabem e podem e não percebem que por não saberem, verdadeiramente não podem...
É preciso muito pouco, às vezes, para sermos felizes.
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
MINAS GERAIS
* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
quinta-feira, 1 de agosto de 2024
INVERNO
quarta-feira, 31 de julho de 2024
CONHECIMENTO
* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
Imagine uma semente, o fruto de uma árvore que a gerou. Ela medra, se desenvolve, suas raízes mergulham no chão em busca de alimento, o tronco cresce, veem os galhos, ramos e folhas em busca do céu. Frutos virão. O ciclo continuará.
Assim é o conhecimento. Não começa do nada. Antes de qualquer ideia - a semente - outras propiciaram seu surgimento. Suas raízes são buscas de comprovações, no passado, que darão suporte à sua existência, mergulhando fundo no conhecimento anterior.
Seus galhos, ramos e folhas desenvolvem-se rumo ao infinito. Os frutos são colhidos por todos nós.
Os frutos do conhecimento vão se transformar em outras árvores, e não há limite para o tamanho da floresta.
Em cada um de nós há uma floresta. Se nos dermos as mãos, deixarmos de lado o que nos separa, dia haverá que seremos Um que são Todos.
Natal, "Ventos Uivantes", 27 de novembro de 2023.
terça-feira, 30 de julho de 2024
O MAL
* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
Alguns se comovem com criminosos aos quais a Justiça alcançou, alegando que "o meio" os fez assim. Esquecem que "o meio" também fez aqueles que superaram, à custa do próprio esforço, o chamado do mal. São com eles que devemos nos comover. Eles escolheram o caminho mais difícil e pouparam a nós, os inocentes, de sermos suas vítimas. Para eles, toda a minha admiração e homenagem. Na verdade, o mal é uma escolha.
domingo, 28 de julho de 2024
AMIZADE
sexta-feira, 26 de julho de 2024
CRISES
Crises são portas que se abrem, às vezes de forma barulhenta. Movem o mundo e as pessoas. Tiram-nos do nosso conforto. Aguçam nosso corpo e mente. Precisamos, apenas, não sermos dominados. Ao contrário, devemos aprender com elas. Rever nossas prioridades. Às vezes tomarmos outros caminhos inesperados e desconhecidos. Lutarmos pela paz interior.
quinta-feira, 25 de julho de 2024
A VIDA COMO ELA É
Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o literário “La Mémoire de L'homme” cumpre sua missão de preservar histórias abandonadas pela humanidade.
Da mesma forma, por outro ângulo, na Barcelona gótica (Barri Gòtic), o “Cemitério dos Livros Esquecidos”, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón na bela tetralogia "A Sombra do Vento", arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade dos homens ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças.
Também alberga essa missão a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em "Ficções", de 1944, que nos fala do mundo constituído por uma biblioteca sem fim, que abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis, e que somente o gênio do argentino foi capaz de nos persuadir de que sua existência é fictícia.
São histórias abandonadas tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton em "Nos Mínimos Detalhes": “Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas”.
É a vida, tal como é.
terça-feira, 23 de julho de 2024
TODOS QUEREM O PODER
Biguás. Predadores. Agem em grupo. Dois vão à frente espanando a água e conduzindo os peixes para a beira do açude, e o restante faz a colheita. Em seguida esses dois vão à forra. Alternam-se entre eles. Expulsam seus competidores primeiro alertando-os com um grito rouco, que lembra o ronco dos porcos. Depois atacam em revoada. Cisnes, galinhas d'água, marrecos, ficam com as sobras. Quando os bárbaros invadiram os domínios do império romano, agiram da mesma forma, lá pelo século V depois de Cristo. Lembrei-me de Konstantino Kaváfis e seu belo poema: "À Espera dos Bárbaros". Hoje em dia, são os consórcios de poder que assim agem, seja qual seja a cor de suas bandeiras. São diferentes entre si, mas iguais nos propósitos. Sempre foi assim. Tal qual os Biguás, todos querem, mesmo, é tomar e manter o Poder.
Cerro Corá, 14 de fevereiro de 2024.
domingo, 21 de julho de 2024
Étienne de La Boétie
Étienne de La Boétie
* Honório de Medeiroshonoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
sábado, 20 de julho de 2024
NEBLINA MIÚDA, GAROA
sexta-feira, 19 de julho de 2024
EU E OS GATOS; OS GATOS E EU
quinta-feira, 18 de julho de 2024
UM SORRISO LINDO, FELIZ
Subia eu a estradinha de barro do Sítio Feijão, na Serra do Camará, e ela vinha no sentido contrário, chutando a bola, pés descalços.
Era umas sete da manhã. Quando foi chegando perto, sorriu, um sorriso maravilhoso, feliz.
Eu parei, ela parou. Bom dia, bom dia. Vai jogar onde? Na casa de uma amiga. Sua casa é longe? Não. Já tomou café? Já. Lá tem para mim, eu tou com fome. Tem, vamos...
Ô meu Deus, meu coração ficou do tamanho de um rolimã...
Hoje, não. Você gosta de bolo? Gosto, bolo da moça.
Posso tirar uma foto sua? Pode.
Como é seu nome? Maria. Maria, sua casa é aquela, eu disse, apontando. É. Você tem bonecas? Só uma de pano. Pois até logo, eu já vou. Até.
E saiu correndo, chutando a bola, com aquela inocência maravilhosa dos puros de coração.
Nunca mais a vi.
Maria, onde está você? Estou lhe devendo um bolo e uma boneca...
Serra do Camará, muitos anos atrás.
quarta-feira, 17 de julho de 2024
BALAIO DE GATOS
segunda-feira, 15 de julho de 2024
A PALAVRA É ARTE FUGIDIA, UMA ARMA
* Honório de Medeiros
"As palavras valem também para isso, dar alguma existência aos nossos delírios", disse Raduam Nassar em Cantigas d'amigos (Cadernos de Literatura Brasileira, Ariano Suassuna).
Ariano, entrevistado pelo "Cadernos", em certo momento lembrou: "não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (...) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo".
Retruca o "Cadernos": "Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada".
Qual uma confraria de amigos, na Idade Média, digo eu, onde foi iniciada essa tradição. Montaigne e Boétié, por exemplo.
Assim é, assim será o caráter dos tempos atuais e futuros, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo, e as palavras, mesmo quando amalgamando belos e profundos textos, manjar para poucos.
A palavra é arte, arte fugidia, de domínio difícil e angustiante.
Relendo "O Crime do Padre Amaro" do imenso Eça, lá encontro essa ideia pela voz do seco Padre Notário:
- "Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que é um meio de persuasão, de saber o que será que passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é - a absolvição é uma arma".
A palavra é uma arma.
Recordo-me que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, à serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses da elite dominante, nos tempos medievais.
A palavra: arte ou instrumento. Às vezes ambos ao mesmo tempo.
Não somente a palavra escrita, mas também a falada, mesmo aquela que suscita nossos delírios: arma com a qual nos ferimos.
Natal, em 7 de março de 2015
Imagem por Honório de Medeiros, de poema anônimo, escrito em muro sacro.
sábado, 13 de julho de 2024
ARTISTAS DE RUA
SOU fascinado por artistas de rua. Quando os vejo, paro um pouco distanciado e tento absorver tudo quanto posso deles e de sua arte, na medida em que os encontro em minhas andanças.
Na Europa, eles são muitos. Há desde o acordeonista que toca "La Violetera", uma "habanera" de 1915, tantas vezes escutada na voz de minha mãe, até a quase adolescente que canta, à capela, uma doce canção de sua terra natal, a Itália.
Estou escrevendo acerca das ruas centrais de Bordeaux ou da famosa Place de La Bourse, o palco de encontro de todos, viajantes ou não, que por aqui moram ou andam.
Aproximei-me do acordeonista lamentando não dispor do poder do personagem de uma história em quadrinhos de minha adolescência, que podia ler a vida de qualquer pessoa bastando, para tanto, mergulhar em seus olhos, se o desejasse.
Como não podia nada pessoal lhe perguntar, aqui é ofensivo, tampouco possuía qualquer poder, depositei algumas moedas em sua caneca estendida sobre um pano vermelho que já vira muitas estações, olhei seu rosto cansado, mal cuidado, atribui-lhe uns bons setenta e poucos, e lhe perguntei se por um acaso do destino não saberia tocar "La Violetera".
Ele parou, pareceu buscar alguma lembrança obscura em suas memórias, deu-me um pequeno sorriso e titubeando, no início, mas com desenvoltura, a seguir, inclusive fazendo floreios, digamos assim, jazzísticos, tocou a música que eu lhe pedira como se estivesse no palco do Grande Teatro de Bordeaux sendo ouvido por todos quanto, ao longo de sua longa vida, em algum momento pararam para ouvi-lo e aplaudi-lo.
Bourdeaux, França, 29 de maio de 2018.
segunda-feira, 8 de julho de 2024
AINDA HÁ, DESDE A GUERRA CIVIL, BURACOS DE BALAS EM BARCELONA
Barcelona, 26 de dezembro de 2014.
sexta-feira, 5 de julho de 2024
A ARTE DE LAVAR LOUÇA
* Honório de Medeiros
@honoriodemedeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
Antônio Gomes pousou a xícara de café no pires e me disse que "a arte de lavar louça pode ser mais complexa do que se imagina".
"Primeiro, porque a forma como a lavamos diz muito a nosso respeito; segundo, porque se analisarmos a lavagem, em si, nosso método, descobrimos meios mais eficientes de fazermos qualquer coisa que queiramos fazer".
Ele me confessou que lava sua louça escutando uma playlist de sinfonias previamente montada. "As mais bonitas, em minha humilde opinião".
Depois dessa conversa, nunca mais lavei a louça como antes. Fico olhando desconfiado para aquela pilha de pratos e panelas e me perguntando o que ela quer me ensinar...
segunda-feira, 1 de julho de 2024
PARA D. ADÉLIA PRADO
D. Adélia Prado. Imagem: @jornalrascunho
* Honório de Medeiros
@honoriodemedeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
Madame, beijo suas mãos e me sinto honrado em partilhar este nosso quintal com a senhora.
Muito obrigado pela leveza, simplicidade, pureza dos seus versos lindos.
É tão bom partilhar o mundo com quem se emociona com a sinfonia da chuva tamborilando no chão!
Assim como a senhora, "eu quero depois...eu quero o tempo inteiro" esse "viver de novo, a ressurreição", o pão compartilhado por todas as mãos.
Deus lhe abençoe.
quarta-feira, 26 de junho de 2024
O SERTÃO É ASSIM
Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
O Sertão é assim: uma secura medonha, nuvens poucas no céu, o mato ralo e seco, um sol de lascar o cocuruto, preás, mocós e cascaveis correndo nas lajes, um ou outro gavião pairando lá em cima, voando rasante, mas quando chega o por do sol, os sabiás e cabeças-vermelhas se recolhem, o rasga-mortalha se assanha, os juritis começam seu canto e os chocalhos do gado ecoam nos currais, vai chegando a hora da coalhada, então uma melancolia suave se espalha pela imensidão, o vivente se esquece de tudo e uma certeza chega forte: ali é seu lugar, seu chão, sua pátria...
SÃO JOÃO NA SERRA DE SANTANA, CERRO CORÁ
Cerro Corá, Serra de Santana, Colina dos Flamboyants, 22 de junho de 2024. Longe, ouço a Novena de São João Batista, na voz do pároco. Logo mais, o leilão, tradição sertaneja antiga, seguido de um forró pé de serra legítimo, com sanfona, zabumba e triângulo, enquanto o Galego da Serra prepara, em sua imensa tina, para todos verem, o queijo de manteiga que lhe rendeu premiação na França. Uma mesa, imensa, comportará mugunzá, canjica, pamonha, bolo preto, bolo da moça, pé de moleque, dadinhos de tapioca com geléia de pimenta e assim por diante, tudo arte de Jane Silva, incomparável. Celebraremos a amizade, os afetos, os laços de família: é o que esperamos, tudo sob a proteção de São João, a quem invocamos a benção, proteção, e a abertura dos caminhos que queremos percorrer. Saudade de meus filhos, tão longes, e de minha irmã...
quarta-feira, 19 de junho de 2024
SEU ANTÔNIO DE LUZIA
Honório de Medeiros
(honoriodemedeiros@gmail.com)
Seu Antônio de Luzia continua firme e forte no Sítio Canto, Serra da Conceição, como teima chamar sua Martins, onde nasceu, lá pelos idos de trinta para quarenta, ninguém sabe ao certo, e ele muda de assunto quando se toca no tema.
terça-feira, 18 de junho de 2024
ABRIL É O MAIS CRUEL DOS MESES
* Honório de Medeiros.
Dia cinzento. Prédios cinzentos. Rue de Granelle. Paris. Sigo por Saint-Germain-des-Prés-Prés, a passos hesitantes. Abril de 2009. É o mais cruel dos meses, disse Elliot em célebre poema. Talvez seja. Nasci em abril. Vou andando entre absorto e distraído. O pensamento voa, mergulha no passado distante. Sou adolescente, e, deitado na rede, livro de Dumas pousado no peito, sonho com uma Paris medieval, onde os mosqueteiros do rei defendem a rainha das astúcias ciumentas do cardeal Richelieu. Ah, Dumas. Percebo um mendigo. Não parece, não olha os passantes, não pede, mas a tigela pousada no papelão, à sua frente, não o nega. Seus olhos não desgrudam do livro, grosso e novo. Não consigo perceber o título. Deixo-lhe algumas moedas. Agradece, sem me olhar. Sigo em frente. Paris, Paris, onde andará esse mendigo, os mosqueteiros, a bela Ana de Áustria e o cardeal Richelieu?
quinta-feira, 13 de junho de 2024
PÈRE LACHAISE
* Honório de Medeiros
Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém à vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. “Não, desculpem-me, não sei”. Elas se vão. Cochicham. Admiro-lhes o talhe elegante, a beleza madura, até mesmo os guarda-chuvas.
quinta-feira, 6 de junho de 2024
SEU SEBASTIÃO BENTO
* Honório de Medeiros
Enquanto a tarde se fazia noite nas quebradas da Serra Verde, pelas bandas da Serra de Santana, no Seridó, e se ouvia, longe, o canto melancólico do Juriti sob o manto cinza de uma chuva miúda, puxávamos conversa, eu e Genilson, com Seu Sebastião Bento, noventa e nove anos nos couros, como dizemos no Sertão profundo.
Ele nos dava notícias de sua gente, espalhada pelos quatro cantos do mundo, talvez uns vinte e tantos filhos, somente três casamentos, porque não se dera ao gosto de aprender a dançar, tal qual seu filho Geraldo, vaqueiro e dançarino respeitado nas redondezas.
O feijão branco, largado no chão e esperando debulhe, bem como a garrafa de pitu, carinhosamente guardada no canto do banco de madeira, ao alcance da mão, escutavam a história.
Nascera lá mesmo, naquele recanto, e os anos, muitos, se passaram velozes, mas ainda sobrava energia para cuidar do gado solto na revença do açude, e da roça de milho. A voz rouca, marcada pelo tempo, faz um contraponto sutil com o canto das cigarras e pássaros que saudam a noite vindoura.
Dou fé, disse a ele. Eu o vira surgir afastando o mato com sua bengala singela, enquanto tomava o rumo de casa em busca da lapada de cana que espalharia o sangue, antes da coalhada com raspa de rapadura.
Depois, tomamos rumo em busca do por de sol ao som do canto triste do Juriti. Quanta beleza ignorada pelos homens. Quanta solidão naquele mundaréu de Deus...
Voltamos.
Dia seis de abril, onde estivermos, vamos homenagear seus cem anos, Seu Sebastião. Ô meu filho, eu agradeço muito essa visita e consideração.
Fique com Deus, Sal da Terra, eu lhe disse enquanto apertava sua mão, dura e áspera como uma rocha, me lembrando de São Mateus.
Voltarei.
sexta-feira, 1 de dezembro de 2023
LONGE, AS SERRAS...
Longe, as serras. Acima, nuvens carregadas de chuva. O verde da mata. A estradinha de terra vermelha rasgando o chão. A água do açude. A árvore onde araras fizeram pouso. O perfume do ar carregado de umidade. Vou amarrar minha burra choteira aí, nesse presente de Deus. Eu e minha amada. Numa casinha simples, alpendrada, onde a passarinhada faça pouso, e, de noite, um ou outro saci venha pitar, quando for lua cheia...
terça-feira, 28 de novembro de 2023
ADEUS, SÁTIRO
Tão antiga era a relação de Padre Sátiro com meus pais, comigo, e minha irmã Emília, que começou antes que eu nascesse.
Sátiro assumiu a capela de São Vicente em 1956. Eu nasci bem dizer ao lado da igreja, em 1958.
Minha mãe foi diretora da Escola 13 de Junho - criada por ele - ali na esquina da Rua Dr. Francisco Ramalho, a partir de sua instalação até quando adoeceu. Administrou a capela e integrou eu coro anos a fio; meu pai foi seu financeiro e lá serviu como Ministro da Eucaristia.
Até vir para Natal, em 1974, e desde o primeiro ano primário, tive Sátiro como Diretor e várias vezes professor.
Menino, junto com meus amigo de infância, brincamos todos os dias, chovesse ou fizesse sinal, no patamar da capela, destruindo os jardins que ele mandara plantar , o que nos custava infindáveis "carões" memoráveis quando éramos encontrados no Diocesano.
Não brincávamos, apenas. Lembro bem de Marcos Porto e eu, meninos, balançando o turíbulo sob nuvens de incenso, nas anuais noites da novena de Santo Antônio que ele oficiava, cujo hino ainda sei de cor.
Bem depois, em um gesto de grande carinho e delicadeza, abriu a capelinha do Colégio Diocesano para celebrar meu casamento.
Por fim, estava presente, solidário na dor, encomendando os corpos de Seu Chico Honório e Dona Aldeiza Sena, quando de suas mortes.
Mas a lembrança que sempre permanecerá comigo, foi a imagem dele rezando um terço, de cabeça baixa, sentado próximo ao altar da capela, em frente ao caixão no qual meu pai recebia as despedidas definitivas.
No final, fui cumprimentá-lo. Ele olhou para mim e disse: "você perdeu o pai; eu, um grande amigo".
Adeus, Sátiro. Ou até algum dia.
sábado, 25 de novembro de 2023
SAUDAÇÃO AOS PARTICIPANTES DO EVENTO EM HOMENAGEM A CÂMARA CASCUDO
Boa noite! Saúdo os integrantes do Instituto Cariri Cangaço, Instituto Câmara Cascudo, UNI-RN e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, assim como todos os outros participantes deste evento.
Historiador, jurista, antropólogo, etnólogo, folclorista, sociólogo, memorialista, crítico literário, biógrafo, filósofo, cronista, romancista, poeta, ensaísta, bastaria “Civilização e Cultura”, que completou 50 anos em 2023, para colocar Câmara Cascudo entre os grandes pensadores nordestinos.
É pouco, porém, para tão
grande obra, ampla, profunda e complexa. Ele congrega tudo isso e muito mais.
Pela intensidade, quantidade e qualidade de sua produção intelectual, ele é,
sem sobra de dúvidas, um dos maiores pensadores brasileiros.
Cascudo é um oceano.
Considero
singular e apropriada esta homenagem, hoje, a Câmara Cascudo, vez que, pela
primeira vez presencialmente, até onde sei, conecta-se o descortínio do pensador
potiguar, com o fenômeno do cangaceirismo.
Cascudo,
permitam-me chama-lo assim, como o fazemos desde sempre, carinhosamente, foi o
primeiro norte-riograndense a escrever acerca desse tema, em Viajando o Sertão,
sua sexta obra, cuja primeira edição é de 1934.
Nela
tratou, pela primeira vez, do tema “cangaceirismo”[1],
e escreveu não somente acerca de Jesuíno Brilhante, mas, também, de Virgolino
Lampião, em dois capítulos distintos[2].
Em
Vaqueiros e Cantadores, cuja primeira edição é de 1939,
Câmara Cascudo avançou um pouco mais no tema, tentando resolver a dicotomia
entre o modo-de-vida de Jesuíno Brilhante e o de Lampião. Tentou, pelo menos.
É
quando introduz a hipótese do “fator moral” como elemento significativo e
diferenciador entre os tipos de cangaceiros, "insight" anterior de Felipe Guerra,
mais tarde brilhantemente desenvolvido por Frederico Pernambucano de Mello em
sua obra canônica acerca do cangaço, Guerreiros do Sol, na qual o denomina de “escudo ético”.[3]
Câmara
Cascudo voltou ao cangaceirismo em duas Actas Diurnas, escritas para o
Jornal A República de 31 de maio de
1942 e 7 de junho do mesmo ano, escrevendo acerca de Jesuíno Brilhante.
Curiosamente,
em 1944, citou Jesuíno em um verbete, na primeira edição do Dicionário do Folclore Brasileiro, quando,
em rápidas pinceladas, expôs o perfil do cangaceiro, tratou um pouco de sua
história, e elencou quais as fontes de sua pesquisa, sem acrescentar nada de
novo ao que já havia escrito anteriormente.[4]
Vinte e dois anos depois, em Flor de Romances Trágicos, cuja primeira edição é de 1966, Cascudo inovou e apresentou "Nota" contendo a definição, digamos assim, positivista, diferente acerca do que seria "Cangaceiro" e "Cangaceirismo".[5]
Os tempos
eram outros e ele, sempre atento, não ficou fora das novas correntes
filosóficas que grassavam na Europa.
Obra
notável, sob todos os aspectos, seja como historia, seja como estilo literário,
apresenta aos seus leitores Liberato, Antônio Silvino, Jararaca, Adolfo Rosa
Meia-Noite, Jesuíno Brilhante, Lucas da Feira, Cabeleira, dentre outros valentões, cabras, jagunços e cangaceiros.
Ainda
encontra tempo e lugar para introduzir, até onde sei, pela primeira vez no Brasil,
intuitivamente, dois exemplos de feminicídios que foram desdobramentos perversos do
exercício do Poder privado, através da morte de Ana Freire de Brito e Dona Ana
de Faria Souza.
Registre-se,
no livro, a notável informação, típica de Câmara Cascudo, na qual aponta a definição
mais antiga acerca do que seria “Cangaço” (cangaceirismo): a do Tenente-General
Visconde Henrique de Beaurepaire-Rohan, explorador, geógrafo, soldado e
político brasileiro, nascido em 1812 e falecido em 1894, autor do Diccionario
de Vocabulos Brazileiros, publicado em 1889 pela Imprensa Nacional, no Rio
de Janeiro, conjecturando que cangaço é "o conjunto de armas que costumam
conduzir os valentões".
Antes,
em 1955, Raimundo Nonato tinha visitado Cascudo para lhe entregar, sem que houvesse entrado em circulação, seu Lampião em Mossoró, que foi o
primeiro livro escrito por um potiguar acerca do cangaço.
Nonato conta, na parte que denominou de “Breve
Notícia Antes do Livro”, que Câmara Cascudo, ao receber o presente, o convocou
para escrever “a gesta do cangaço no Nordeste Brasileiro”. Cascudo lhe dissera,
na ocasião:
No itinerário a percorrer, varando caatingas e
estradas iluminadas pelos clarões dos tiros dos velhos bacamartes de
pederneira, falará, de começo, sobre Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico,
caudilho de batalhas incontáveis, que respeitava as famílias e defendia os
oprimidos.
Tempos
depois, precisamente quinze anos (1970), no que foi o primeiro livro dedicado
exclusivamente a Jesuíno Brilhante, Raimundo Nonato da Silva lançou Jesuíno
Brilhante, O Cangaceiro Romântico, sob instigação de Cascudo.[6]
O livro repetiu a fórmula que Raimundo Nonato usara em Lampião em Mossoró, de 1955.[7]
Por fim, na trajetória tangencial, embora relevante,
de Câmara Cascudo no estudo do cangaceirismo, alguns temas são instigantes:
1) suas
definições e hipóteses acerca do cangaceirismo;
2) sua
teoria do “fator moral”;
3) os
perfis de Jesuíno Brilhante e Lampião, antagônicos entre si, segundo sua
perspectiva;
4) os
perfis de cangaceiros menores, tais quais Jararaca e Moita Brava;
5) a hipótese do paralelismo entre coronelismo e feudalismo, nunca desenvolvida, mas
insinuada;
6) o esboço acerca de uma taxonomia dos cangaceiros, precursora da tipologia de
Frederico Pernambucano de Mello;
7) o esboço da presença do fator genético, assim como do social na gênese do
cangaceirismo.
8) o esboço histórico de casos de feminicídio.
O
cangaço é um fato social relevante, sob qualquer aspecto: basta que o examinemos sob a ótica da nossa
cultura popular nordestina sertaneja ou do banditismo
rural, fenômeno internacional.
Os
problemas para estuda-los são complexos, Cascudo percebeu isso quando escreveu
acerca de Lampião, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e outros cangaceiros.
Precisamos
ir além da crença injustificadas de que o cangaço é produto mecânico do meio, ou um
movimento de resistência popular, narrativas inócuas. Quem assim pensa conduz
os verdadeiros resistentes, aqueles que não se entregaram ao crime, ao limbo da
história.
Por
que não há um estudo acerca desses homens comuns, os verdadeiros heróis, o caudaloso rio da vida?
Ressalte-se,
por fim, que tudo isso é apenas o começo. O desafio, em estuda-lo, está
lançado.
Uma
vez dito isso, nós, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
saudamos todos os presentes e lhes damos as boas-vindas, colocando-nos à
disposição.
Muito
obrigado.
[1]
Uso o termo “cangaceirismo”, mais preciso, no lugar de “cangaço”, para designar
a conduta ou modo de viver do cangaceiro.
[2]
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Viajando o
Sertão. São Paulo: Global Editora. 4 ed. 2009.
[3]
PERNAMBUCANO DE MELLO, Frederico. Guerreiros
do Sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa.
5 ed. 2011.
[4]
CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário de
Folclore. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da
Educação e Cultura (MEC). 2 ed. 1962.
[5]
O.a.c.
[6]
SILVA, Raimundo Nonato da. O.a.c. Ver se houve
prefácio de Cascudo.
[7] SILVA, Raimundo Nonato da. LAMPIÃO EM MOSSORÓ. Mossoró: Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005.