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SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço)
Por Honório de Medeiros01. A aplicação do método científico no estudo dos fenômenos sociais pressupõe a admissão do postulado de Émile Durkheim, qual seja o de que, para sua aplicação, fato social equivaleria a fato natural.
02. Ao próprio postulado fato social = fato natural aplica-se o método científico que o demonstra verdadeiro.
03. O método científico consiste, grosso modo, em propor teorias que sejam testáveis e, em seguida, testa-las para corroborá-las ou nega-las.
04. Se não for passível de teste a teoria formulada não pertence à ciência, e, assim, não pode ser declarada verdadeira ou falsa.
05. A implicação dessas teorias se revela até mesmo no âmbito jurídico, no que diz respeito à possibilidade de danos materiais e/ou morais (p. ex. a afirmação de que Jerônimo Rosado foi coiteiro de Lampião).
06. Revela-se, também, como vetor necessário a ser observado no que diz respeito à seriedade com a qual os pesquisadores do Cangaço devem ou deveriam querer obter da mídia e do meio acadêmico.
07. Revela-se, por fim, para afastar o pouco respeito com o qual é tratado, às vezes, o tema, ao situá-lo como algo especificamente menor ou pequeno, nordestino e folclórico, no sentido negativo dos termos. Nesse sentido não podemos confundir as afirmações feitas pela ciência, alusivas ao tema, com o tratamento a ele dado, por exemplo, pela literatura de cordel. São dimensões distintas. Quando misturadas vamos encontrar literatura querendo ser ciência e ciência que é literatura (p. ex. a comparação entre cangaceiros e samurais), ou seja, confusão que ressalta o aspecto menor, preconceituoso quanto ao nordestino, e folclórico no sentido negativo.
08. Exemplos de enunciados ou afirmações formuladas sem a devida preocupação com o método científico:
a) A afirmação de que Lampião era um estrategista militar. Basta consultar A Arte da Guerra, de Sun Tzu; O Livro dos Cinco Anéis, de Miyamoto Musashi; ou a obra de Carl von Clousewitz acerca da guerra e nos lembrarmos do ataque a Mossoró que essa teoria cai por terra. A suposta capacidade militar de Lampião era resultado de um misto de esperteza banal, coragem contra os fracos, corrupção e incompetência das forças policiais;
b) A afirmação de que Lampião é um produto do meio. Essa afirmação é tautológica – todos somos produto do meio. O problema é o juízo de valor que é construído a partir dessa afirmação banal. Pensemos assim: se o meio conduz à criminalidade, a favela da Rocinha inteira, com seus 100.000 habitantes, seria formada por criminosos. Lampião poderia ter fugido do crime da mesma forma como muitos fugiram sem entrar no cangaço, mesmo tendo passado pelo que ele passou;
c) A afirmação de que Lampião era um revolucionário. Esta é hilariante. Lampião voltou sua crueldade especialmente contra fracos e oprimidos. Acaso há algum episódio de luta sua contra os coronéis, inclusive aqueles que o traíram, como Zé Pereira e Isaías Arruda?
d) A afirmação de que o cangaço foi um fenômeno resultante de conflitos agrários. Esta é uma perspectiva pequena por que decorrente de outra maior – complexa e determinante – de conflitos resultantes de relações de poder. Ou seja, em uma perspectiva macro, o problema da terra foi um problema de Poder. Mas tal problema não engendra um determinismo no sentido marxista do termo. O que se quer dizer é que não há uma relação direta entre conflito por terras e cangaço, haja vista os cangaceiros que entraram no cangaço por que optaram pela vida bandida, insuflados pela aura mítica que envolvia o cangaço. É o mesmo fenômeno que leva filhos da classe média ou alta a optarem pelo banditismo;
e) A afirmação de que Lampião não morreu em Angicos. Aqui robustecemos o aspecto lendário, mítico, tipicamente artístico, em detrimento da ciência. Qual a prova acerca da possibilidade de Lampião não ter morrido em Angicos? Nenhuma. Acaso quem conheceu Lampião e viu sua cabeça decapitada não teria imediatamente denunciado a fraude caso esta tivesse existido?
f) A afirmação de que Jerônimo Rosado foi coiteiro de Lampião;
g) A afirmação de que Jerônimo Rosado é um herói da resistência mossoroense;
h) A estética do cangaço defendida por Pernambucano de Mello. A afirmação correta seria: a estética do bando de Lampião. Não há qualquer manifestação estética nos outros cangaceiros. É puro marketing;
i) A comparação entre cangaceiros e samurais;
j) A afirmação de que Lampião não era cruel, brutal, monstruoso (basta lembrar o episódio do assassinato dos soldados, um por um, com punhal, ajoelhados em sua frente, até o basta de Maria Bonita);
l) A teoria do "escudo ético", de Pernambucano de Mello;
l) A teoria do "escudo ético", de Pernambucano de Mello;
l) A afirmação do motivo romântico de Massilon para invadir Mossoró.
09. Na verdade o estudo do fenômeno do cangaço deve avançar para um novo patamar, um novo paradigma. Esse novo paradigma é o da aplicação do método da ciência, devemos trabalhar com a análise e interpretação de todo o material existente, uma vez que provavelmente não há mais fontes primárias de pesquisa.
10. Assim, precisamos estudar a relação entre Coronelismo, feudalismo e cangaço.
11. Estudar o papel do Poder e das Forças Públicas em relação ao Cangaço.
12. Estudar o papel da Igreja em relação ao cangaço. Não somente Pe. Cícero mas aqueles lenientes com os coronéis que acoitavam. Não se trata de denunciar, mas de entender.
13. Estudar, por exemplo, o papel das forças políticas em Mossoró na época da invasão de Lampião: por que a conduta omissiva do Juiz e do Promotor da cidade quanto ao exercício de suas atribuições? Por que a conduta da Polícia matando Jararaca?
14. Por fim propor e discutir um novo conceito para cangaço, dentro de uma perspectiva científica que identifique o geral no particular e afaste, de vez, o estudo do fenômeno do cangaço do mero "contar casos".