* Honório de Medeiros
(honoriodemedeiros@gmail.com)
“Senti nesse texto como
se estivesse testemunhando o início da sua caminhada no curso de Direito,
quando você passou por um dilema que eu mesma vivi e vi muitos dos meus colegas
também passarem: primeiramente, a criação de um ideal que permitiria nos enxergarmos
como um verdadeiro aluno de direito, e nos fazia trabalhar em tarefas
auto-impostas para alcançar esse patamar também auto-imposto, e, em segundo
lugar, enxergar a situação do embate entre o que conhecemos e respeitamos e o
que somos apresentados e queremos respeitar. Eu não tinha noção da importância
de Hegel, e gostei de aprender sob sua influência, acerca da visão que os
outros autores tinham dele e de sua obra. Também achei que o texto acabou
mostrando de uma maneira muito delicada como é essa “jornada” do saber: inquietar-se,
questionar-se e a presença constante da mudança de percepções”.[1]
No final dos anos 80,
início dos 90 dediquei-me a estudar Hegel.
Peguei meu exemplar do Princípios da Filosofia do Direito, cuja primeira
edição é de 1918, e me lancei na empreitada, mesmo a contragosto, ante a
dificuldade de compreender o pensamento do autor, que se expressava em uma
linguagem deliberadamente abstrusa.
Fichte, a quem se atribui
ter sido a ponte entre Kant e Hegel, era ainda pior, mas eu acreditava que era
uma espécie de dever moral um estudante de Direito e do marxismo conhecer sua
obra.
A duros custos cheguei lá,
dadas as dificuldades que o texto, em si, e que são grandes, propunham, e do
qual o parágrafo abaixo é um bom exemplo:
O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua
base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a
liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito
é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda
natureza a partir de si mesmo.
Quanto mais lia, menos conseguia
esquecer a opinião que de Hegel tinha Schopenhauer, por quem nutro grande
admiração.
Para que se tenha uma
ideia dessa opinião, lembro a afirmação de Schopenhauer, citando Shakespeare (Cimbelina,
ato V, cena 4), em sua Vontade da Natureza, que a filosofia de Hegel era
"uma conversa de loucos, vinda da língua e não do cérebro".
Em O Mundo Como Vontade e Representação, Schopenhauer não deixou por menos:
Hegel, imposto de cima pelos poderes vigentes, como o
Grande Filósofo oficializado, era um charlatão de cérebro estreito, insípido,
nauseante, ignorante, que alcançou o pináculo da audácia por garatujar e
fornicar as mais malucas e mistificantes tolices. Essas tolices foram
barulhentamente proclamadas como uma sabedoria imortal, por seguidores
mercenários, e prontamente aceitas como tal por todos os tolos, que assim se
juntaram num coro perfeito de admiração, como nunca antes se ouvira.
Existe muito mais de
Schopenhauer em relação a Hegel, mas é o suficiente. Além dele, também da mesma
época há, por exemplo, Soren Kiekergaard, autor de O livro do Juiz,
crítico severo de seu historicismo, e citado por Sir Karl Raymund Popper
em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos:
Houve - escreve Kierkegaard - filósofos que tentaram,
antes de Hegel ... explicar a história. E a Providência só podia sorrir ao ver
tais tentativas. Mas a Providência não se ria às escâncaras, pois havia neles
sinceridade e honestidade humanas. Mas Hegel!... Aqui preciso da linguagem de
Homero. Como os deuses gargalharam trovejantemente! Esse pequenino e horrendo
professor compreendeu simplesmente a necessidade de cada uma e de todas as
coisas que existem, e agora executa em seu hormoniozinho toda a peça: “Escutai,
deuses do Olimpo!”
Sir Karl Popper comenta a
citação dizendo que as expressões de Kierkegaard são quase tão fortes quanto as
de Schopenhauer, quando afirma, um pouco depois, que o hegelianismo, "esse
brilhante espírito de podridão, é a mais repugnante das formas de licenciosidade,
mofo de pompa, e possui um infame esplendor de corrupção".
Ainda em A Sociedade
Aberta e Seus Inimigos, Sir Karl Popper, lá para as tantas, se pergunta a razão
pela qual ainda precisamos nos incomodar com Hegel:
A resposta é que a influência de Hegel permaneceu como
força poderosíssima, apesar do fato de que os cientistas nunca o levaram a
sério (...) A influência de Hegel e especialmente a do seu jargão, é ainda
muito forte em sua filosofia moral, e social, como nas ciências sociais e
políticas (com a única exceção da economia). Especialmente os filósofos da
história, da política e da educação, ainda estão sob seu império, em ampla
extensão. Em política isso é mais amplamente mostrado de que tanto a ala
extrema marxista, assim como o centro conservador e a extrema direita fascista
baseiam suas filosofias políticas em Hegel; a ala esquerda substitui a guerra
de nações que aparece no esquema historicista de Hegel pela guerra de classes;
a extrema direita substitui-a pela guerra de raças; mas ambos o seguem mais ou
menos conscientemente (o centro conservador é, em regra, menos consciente do
que deve a Hegel).
Mesmo assim li Hegel.
Conclui minha tarefa autoimposta. Ter continuado a estuda-lo me permitiu, algum
tempo depois, procurar entender a ligação entre a dialética de Heráclito de
Éfeso, a de Hegel, com sua “Filosofia da Identidade”, e a de Marx. Fez-me capaz,
certo ou errado, de conectar esse entendimento com a “Teoria da Evolução”, por
intermédio da “Teoria do Meme”, exposta por Sir Richard Dawkins em O Gene
Egoísta.
Permitiu-me, por fim, compreender que sem a ciência qualquer teoria acerca de fatos históricos é mera especulação. Quanto à Filosofia, é pura metafísica, delírio da Razão.