terça-feira, 28 de dezembro de 2021

HEGEL: DE UMA LONGA E ÁSPERA CAMINHADA

 * Honório de Medeiros

(honoriodemedeiros@gmail.com)


“Senti nesse texto como se estivesse testemunhando o início da sua caminhada no curso de Direito, quando você passou por um dilema que eu mesma vivi e vi muitos dos meus colegas também passarem: primeiramente, a criação de um ideal que permitiria nos enxergarmos como um verdadeiro aluno de direito, e nos fazia trabalhar em tarefas auto-impostas para alcançar esse patamar também auto-imposto, e, em segundo lugar, enxergar a situação do embate entre o que conhecemos e respeitamos e o que somos apresentados e queremos respeitar. Eu não tinha noção da importância de Hegel, e gostei de aprender sob sua influência, acerca da visão que os outros autores tinham dele e de sua obra. Também achei que o texto acabou mostrando de uma maneira muito delicada como é essa “jornada” do saber: inquietar-se, questionar-se e a presença constante da mudança de percepções”.[1]

 

No final dos anos 80, início dos 90 dediquei-me a estudar Hegel.

Peguei meu exemplar do Princípios da Filosofia do Direito, cuja primeira edição é de 1918, e me lancei na empreitada, mesmo a contragosto, ante a dificuldade de compreender o pensamento do autor, que se expressava em uma linguagem deliberadamente abstrusa.

Fichte, a quem se atribui ter sido a ponte entre Kant e Hegel, era ainda pior, mas eu acreditava que era uma espécie de dever moral um estudante de Direito e do marxismo conhecer sua obra.

A duros custos cheguei lá, dadas as dificuldades que o texto, em si, e que são grandes, propunham, e do qual o parágrafo abaixo é um bom exemplo:

            O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo.

Quanto mais lia, menos conseguia esquecer a opinião que de Hegel tinha Schopenhauer, por quem nutro grande admiração.

Para que se tenha uma ideia dessa opinião, lembro a afirmação de Schopenhauer, citando Shakespeare (Cimbelina, ato V, cena 4), em sua Vontade da Natureza, que a filosofia de Hegel era "uma conversa de loucos, vinda da língua e não do cérebro".

Em O Mundo Como Vontade e Representação, Schopenhauer não deixou por menos: 

            Hegel, imposto de cima pelos poderes vigentes, como o Grande Filósofo oficializado, era um charlatão de cérebro estreito, insípido, nauseante, ignorante, que alcançou o pináculo da audácia por garatujar e fornicar as mais malucas e mistificantes tolices. Essas tolices foram barulhentamente proclamadas como uma sabedoria imortal, por seguidores mercenários, e prontamente aceitas como tal por todos os tolos, que assim se juntaram num coro perfeito de admiração, como nunca antes se ouvira.

Existe muito mais de Schopenhauer em relação a Hegel, mas é o suficiente. Além dele, também da mesma época há, por exemplo, Soren Kiekergaard, autor de O livro do Juiz, crítico severo de seu historicismo, e citado por Sir Karl Raymund Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos:

            Houve - escreve Kierkegaard - filósofos que tentaram, antes de Hegel ... explicar a história. E a Providência só podia sorrir ao ver tais tentativas. Mas a Providência não se ria às escâncaras, pois havia neles sinceridade e honestidade humanas. Mas Hegel!... Aqui preciso da linguagem de Homero. Como os deuses gargalharam trovejantemente! Esse pequenino e horrendo professor compreendeu simplesmente a necessidade de cada uma e de todas as coisas que existem, e agora executa em seu hormoniozinho toda a peça: “Escutai, deuses do Olimpo!”

Sir Karl Popper comenta a citação dizendo que as expressões de Kierkegaard são quase tão fortes quanto as de Schopenhauer, quando afirma, um pouco depois, que o hegelianismo, "esse brilhante espírito de podridão, é a mais repugnante das formas de licenciosidade, mofo de pompa, e possui um infame esplendor de corrupção".

Ainda em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Sir Karl Popper, lá para as tantas, se pergunta a razão pela qual ainda precisamos nos incomodar com Hegel:

            A resposta é que a influência de Hegel permaneceu como força poderosíssima, apesar do fato de que os cientistas nunca o levaram a sério (...) A influência de Hegel e especialmente a do seu jargão, é ainda muito forte em sua filosofia moral, e social, como nas ciências sociais e políticas (com a única exceção da economia). Especialmente os filósofos da história, da política e da educação, ainda estão sob seu império, em ampla extensão. Em política isso é mais amplamente mostrado de que tanto a ala extrema marxista, assim como o centro conservador e a extrema direita fascista baseiam suas filosofias políticas em Hegel; a ala esquerda substitui a guerra de nações que aparece no esquema historicista de Hegel pela guerra de classes; a extrema direita substitui-a pela guerra de raças; mas ambos o seguem mais ou menos conscientemente (o centro conservador é, em regra, menos consciente do que deve a Hegel).

Mesmo assim li Hegel. Conclui minha tarefa autoimposta. Ter continuado a estuda-lo me permitiu, algum tempo depois, procurar entender a ligação entre a dialética de Heráclito de Éfeso, a de Hegel, com sua “Filosofia da Identidade”, e a de Marx. Fez-me capaz, certo ou errado, de conectar esse entendimento com a “Teoria da Evolução”, por intermédio da “Teoria do Meme”, exposta por Sir Richard Dawkins em O Gene Egoísta.

Permitiu-me, por fim, compreender que sem a ciência qualquer teoria acerca de fatos históricos é mera especulação. Quanto à Filosofia, é pura metafísica, delírio da Razão.



[1] Comentário de Bárbara de Medeiros.

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