quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

MANOELITO OU DA ARTE DE APRISIONAR O INSTANTE

* Honório de Medeiros
Emails para honoriodemedeiros@gmail.com

Alguns anos atrás o antigo Centro Mossoroense promoveu, em Natal, uma exposição com pequena parte do acervo fotográfico de Manoelito.

Ao mesmo tempo, prestou-lhe uma homenagem através de seus descendentes.

E os mossoroenses, além de outros interessados, puderam constatar seu talento através das fotografias expostas na Capitania das Artes.

Vivo fosse talvez Manoelito tivesse encarado com ressalvas as fotografias escolhidas para a exposição. Faltaram aquelas que melhor expunham sua arte: os tipos populares, os nus artísticos, a própria cidade.

Sim, porque já naquela época, ou por isso mesmo, ele construiu um legado contemporâneo do futuro - em termos de arte os conteúdos, como o querem alguns filósofos, ditam a forma - jamais o contrário.

Embora seja compreensível a razão do Centro Mossoroense ter escolhido as fotografias de membros de antigas famílias da cidade para o vernissage, não seria demais a lembrança do caráter paroquiano dessa escolha. 

No final das contas a exposição, que pretendia homenagear Manoelito, transformou-se numa homenagem de mossoroenses a mossoroenses através das fotografias que ele compôs.

Assim é que não se via outra coisa, na Capitania das Artes, senão mossoroenses procurando a si mesmo e a seus ancestrais nas fotos expostas.

Um fato no mínimo curioso para um evento aberto ao público para homenagear a arte - embora também a memória por ele construída - de um artista finalmente e justamente lembrado.

Não importa. De qualquer maneira a homenagem, merecida, foi feita.

E o melhor do acontecimento foi ter sido chamado a atenção dos próprios mossoroenses para o valor incalculável do acervo doado pela família de Manoelito ao município de Mossoró.

Não é à-toa a importância que estudiosos de grandes universidades do sul dão ao acervo.

Tornado público, talvez seja mais difícil sua destruição, embora não haja mais como recuperar o muito que se perdeu, ao longo do tempo, em decorrência da incúria dos órgãos públicos.

Saliente-se que o valor da obra de Manoelito não reside apenas no aspecto histórico.

Se, através das lentes de suas máquinas fotográficas, captou e registrou quase cinquenta anos da vida de Mossoró, muito mais se torna fundamental seu trabalho quando o observamos a partir de uma perspectiva científica e, com os olhos de estudiosos, agradecemos sua contribuição para entendermos a evolução de uma cidade com as características de Mossoró.

Entender como Mossoró avançou no tempo é entender aspectos da história das cidades, do Sertão, Nordeste, Brasil, enfim, de nós mesmos.

Ou seja, o instante que Manoelito aprisionou é, aos olhos do cientista, um imenso objeto de estudo a ser desvendado e compreendido. Lá estão, à sua espera, congeladas no espaço e no tempo, com arte, imagens que revelam fenômenos históricos, sociológicos, econômicos. Debruçados sobre eles, assim como se debruçaram sobre as pinturas, as estátuas, a arte, enfim, dos antigos, estudiosos construíram a história da humanidade.

Entretanto, mais que alguém desejando fazer o registro de várias épocas, Manoelito construiu arte. Neste aspecto, não se sabe se sua vida imitou a arte, ou o contrário.

Como todo artista, estava à frente de seu tempo não só no que diz respeito à arte em si, mas também ao seu estilo de vida.

E parecia compreender essa perspectiva, quando transcendia a diuturnidade das exigências comerciais que lhe eram impostas pela necessidade de sobrevivência compondo fragmentos-imagens de uma beleza sem par, mesmo se somente lhe era exigido o aprisionamento daquele instante específico através de uma fotografia.

Ele não fotografava, compunha. Transformava o árido em fértil, o cinzento em festa para os olhos, o jogo de sombras em delírios de arte.

Repousa sobre o meu birô de trabalho uma foto de minha mãe, feita por ele, onde está estampado, com rara felicidade, o melhor de seu talento.

Não podia ser diferente: virou lenda a exigência e rispidez com a qual, mesmo no tumulto de casamentos ou outras festas, produzia as fotografias a ele encomendadas.

E, compondo, reafirmou a crença - pelo menos para uns poucos - de que somente artistas como ele, antenas da raça, ungido dos deuses, conseguem tornar-se eternos.

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