sábado, 28 de julho de 2012

MEU AUXÍLIO-MORADIA: COMO ERA LEGAL!

Por Rafael Duarte, do Novo Jornal


Moro em Natal há 14 anos. Cheguei em 1998, de Brasília, num ônibus da Eucatur. Longe de ser um pau de arara, o baú fez o percurso inverso dos candangos. Baixei por aqui depois de 2.507 quilômetros. A BR-101 era o que minha primeira professora de português chamaria de ‘coletivo de buracos’. Na chegada, 28 de julho, caiu uma chuva monstruosa. O ônibus quase não chega na rodoviária. Natal parecia uma ilha. A ideia aqui era estudar e passar no vestibular de Medicina. Não deu. Foram cinco tentativas, contando as de Brasília, Belo Horizonte, João Pessoa e Aracaju.


Mas tudo isso pouco importa hoje. Virei jornalista. Vou bem, obrigado. Fundamental mesmo me dei conta esta semana: foi em Natal, aos 17 anos, que recebi meu primeiro auxílio-moradia. Como vim sem grana, meus pais pagaram o aluguel do primeiro contrato. E foi só. Seis meses depois, a família veio completa. Foram seis parcelas de R$ 380,00. Acabara em pouco tempo a farra da minha Parcela Autônoma de Equivalência. Explico.


Por decisão irrevogável do meu pai, presidente do Supremo Tribunal da Família Duarte (STFD), a PAE era a gratificação que eu tinha direito pelo princípio da isonomia. Era, portanto, constitucional. Como a PAE não era um pagamento eterno, na folha lá de casa a verba entrou como vantagem eventual. Entrei na Justiça por necessidade. E por questão de justiça, of course. Fui curto e grosso na petição encaminhada ao Supremo.


Na minha defesa, cuja relatoria caiu coincidentemente para a excelentíssima senhora ministra minha mãe, argumentei que se Renata Duarte tinha o direito a um teto morando em Brasília eu também deveria ter o mesmo direito morando em Natal. ‘Direitos iguais’ era minha bandeira. Para garantir a vitória ainda apelei lembrando ser eu o filho mais velho e que no ano em que nasci o Flamengo venceu o primeiro dos três campeonatos cariocas com o time que, dois anos mais tarde, viria a ser campeão mundial em Tóquio. O presidente do STFD quase foi às lágrimas. A relatora, mais emotiva, aplaudiu e chorou. Sem falsa modéstia, a tese foi tão bem constituída que a promotoria não entrou nem com recurso. Vencida a causa da PAE, peguei o caminho de Natal.


Posso dizer, 13 anos e meio depois, que foi um tempo bom. O cartão corporativo – outro pleito atendido dentro da mesma rubrica vantagens eventuais – também ajudava nas despesas da minha sobrevivência. De vez em quando recebia uma ligação de alguém do STFD meio assustado com o extrato bancário, mas nada que abalasse as estruturas da hierarquia nem merecesse uma representação do Ministério Público. Sou da época do supermercado Sirva-se. Nome sugestivo que eu incorporei ao dia a dia sempre que entrava no estabelecimento.


Esta semana, depois de pegar a folha salarial dos Tribunais de Justiça e do Tribunal Regional do Trabalho lembrei dos bons tempos da minha PAE. Tudo legal. A diferença é que, lá em casa, o dinheiro era nosso.

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