sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

UMA PEQUENA HOMENAGEM

Seu Chico Honório e a neta, Bárbara

Para Seu Chico Honório.

Quando meu pai finalmente concordou em receber o título de cidadão mossoroense impôs uma condição: se tivesse que falar eu o faria em seu lugar. Aceitei por que tinha consciência que sua humildade não lhe permitiria ocupar, deliberadamente, o centro das atenções.

Depois, ao longo das minhas caminhadas diárias, enquanto não chegava o dia da cerimônia, compus vários discursos. Em um, eu começava falando de sua infância difícil, sem a presença do pai, tendo que tanger jumentos que conduziam água dos barreiros para as casas a troco de quase nada; em outro eu concluía comentando sua velhice serena, tocada pela melancolia que a doença de sua companheira de toda uma vida suscitara. Nada me agradava. Sentia que mesmo com toda a minha experiência, estava tão emocionalmente envolvido com o tema do discurso que não conseguiria realizar meu intento de ser fiel ao perfil que desejava projetar.

Não adiantaria, naquele momento, seguir o conselho antigo e precioso: “fale com o coração”. Ao contrário, pensava com meus próprios botões, “preciso é de razão.”

Finalmente lembrei-me de perguntar a mim mesmo o que, em sua existência mossoroense, chamara a atenção daqueles que o homenageavam. A resposta era fácil: sua fé, que o transfigurara e o colocara distante de nós, católicos reticentes ou descuidados, por que lhe trouxera a brandura de coração e aquele olhar compassivo de quem, por tudo compreender, é capaz de sempre perdoar. Os anos, então, passaram ante os olhos da minha mente e eu recordei e pensei em transmitir para quem quisesse ouvir imagens esmaecidas de há muito tempo atrás, que mostravam uma família unida em torno do terço puxado diariamente por meu pai; as missas dominicais para as quais nos levava em nossas melhores roupas; as longas e confortantes conversas presenciadas de longe e pouco compreendidas, entre ele e quem o procurava – e eram muitos; o convívio com os companheiros de fé quando a Igreja os chamava; os últimos anos, ajudando a celebrar a Santa Missa e ministrando a Eucaristia na pequena Capela de São Vicente; a entrega amorosa e paciente à missão de cuidar da degradação física e mental do grande amor de sua vida...

Então seria por esse caminho. Eu não precisaria contar de uma paixão que lhe acalentara a meninice desde quando, para ganhar uns cobres a mais, cantava repentes na feira de São João do Sabugi – a viola. Não precisaria lembrar sua viagem solitária, a cavalo, nos idos dos anos 40, da mesma São João à Alexandria, em busca de dias melhores; não precisaria falar de seus anos na Estrada de Ferro, onde fora chefe de trem; não precisaria lembrar sua luta – já maduro – para concluir o curso técnico de contabilidade, nem dos anos vividos à sombra do radicalismo político de Mossoró, que tanto nos fizera sofrer. Principalmente não precisaria dizer como lhe calaram a viola por não compreenderem o valor de sua arte, nem de sua resignação, tudo aceitando por amor à família.

Talvez, no final, eu resolvesse dizer quanto nós, seus filhos, somos felizes em tê-lo como pai; quanto nosso caráter foi moldado pelo seu exemplo e quanto nos orgulhamos de perceber, na cidade que escolheu para casar, ter e criar seus filhos, o reconhecimento de seus pares a um homem de fé, simples e bom.

Não foi necessário, graças a Deus. Outro falou pelos demais. Como nada disse naquele dia, e acho que falaria mais para ele que para os outros que ali estavam, resolvi publicar este artigo.

Para que ele saiba.

2 comentários:

CARIRI CANGAÇO disse...

Amigo Honório, ler essa declaração de amor, nascida apartir do mais sincero respeito e admiração de um grande filho a um grande pai, me enche de felicidade; hoje já não tenho meu pai junto a mim, mas como você, não abri mão em nunhum momento de lhes dizer e fazer sentir o quanto eu o amava e o quanto ele foi; como o senhor Chico Honório:um homem de fé, simples e bom.

Abraço fraterno,

Manoel Severo

Anônimo disse...

parabéns, amigo. mais uma vez vc nos emociona. um abraço
jânio rêgo