Gostaria de saber de quem é esta arte, para render as devidas homenagens!
Honório de Medeiros
Recordo Zygmunt Bauman (“Isto Não É Um
Diário”; Zahar) citando José Saramago enquanto contorno o canteiro de obras no
qual é erguida a Arena das Dunas em Natal, esse monumento ao desperdício de
dinheiro público e segregação social:
(...)
as pessoas não escolhem um governo que colocará o mercado sob controle; em vez
disso o mercado condiciona os governos de todas as formas a colocar as pessoas
sob seu controle.
É o caso.
Em nossa alienação, a informação que o
site http://www.copaemnatal.com.br/oprojeto
nos fornece, qual seja, a de que entre a construção do estádio e das
obras acessórias ao complexo, o Governo confirma gastos de mais de R$ 2 bilhões,
confirmada por intermédio da excelente reportagem de Ana Ruth Dantas para o
jornal Tribuna do Norte (http://tribunadonorte.com.br/noticia/governo-vai-pagar-mais-de-r-1-bilhao-pela-arena/175668)
nos soa banal, face ao onipresente cansaço de nossa capacidade de se indignar
ante a gastança governamental ilegítima, ampla e continuada, e até mesmo
compreensível, tendo em vista a maciça e reiterada propaganda, por nós financiada,
que busca nos convencer da necessidade do investimento aludido.
No
próprio e primeiro site acima citado, trecho da matéria que ele veicula tem o
seguinte título: Copa impulsiona economia
potiguar. E a matéria prossegue:
(...)
Segmentos de comércio, turismo,
imobiliário e de serviços terão ganhos na geração de empregos e renda. A
economia do Rio Grande do Norte será remodelada nos próximos cinco anos. (...) O
presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN
(Fecomércio), Marcelo Queiroz, também acredita no desenvolvimento de Natal e
destaca melhorias no comércio. “Os investimentos serão feitos em todas as áreas
para os natalenses e para os milhares de turistas que virão conhecer o Estado”.
“A visibilidade de Natal para todo o mundo, criada com o evento, só proporciona
ganhos na economia”, lembra o presidente da Fecomercio. A criação de novos
empreendimentos e as melhorias nas obras de infraestrutura irão gerar mais
empregos e renda, alterando o perfil econômico do Estado.
Assim é que apenas um muxoxo contrai nosso rosto quando lemos o quê Ana
Ruth Dantas esclarece:
O Governo do Estado pagará pela Arena das Dunas, que sediará os jogos da
Copa do Mundo de 2014 em Natal, mais de R$ 1 bilhão. Embora o valor da obra
seja de R$ 400 milhões, bancados pela construtora OAS através de recursos
próprios e empréstimo junto ao BNDES, o desembolso dos cofres públicos
potiguares para a empresa vai representar, ao término do contrato de 20 anos de
concessão, o equivalente a três Arenas.
A engenharia
financeira feita pelo Executivo para a construção da Arena das Dunas prevê
repasses mensais durante 17 anos para a construtora. Esses repasses não terão
qualquer ligação e/ou compensações com a possível receita auferida pela OAS da
administração compartilhada do estádio. Os primeiros três anos, quando o
estádio estará sendo construído, é o chamado "período de carência" do
contrato Governo/OAS. A construtora é quem vai contrair o empréstimo de R$ 300
milhões oferecidos pelo BNDES e investir outros R$ 100 milhões, de recursos
próprios, cobrindo o custo da obra. A partir do primeiro ano de operação do
estádio, ou seja, em 2014, o Governo começará a pagar os R$ 400 milhões a OAS.
Nos primeiros 11 anos de funcionamento do estádio serão prestações mensais de
R$ 9 milhões. Do décimo segundo ano até o décimo quarto ano, serão R$ 2,7
milhões/mês de prestação. Nos três últimos anos do contrato de financiamento, o
Governo pagará à OAS prestações mensais de R$ 90 mil. Ao final do contrato de
20 anos, incluindo os três de carência, o Governo do Rio Grande do Norte terá
desembolsado R$ 1.288.400.000, ou seja, o equivalente a três Arenas das Dunas.
Não vou nem argumentar em defesa do emprego dessa
colossal montanha de dinheiro em programas sociais na área de saúde, educação e
segurança pública. Não vou mencionar o sucateamento da saúde estadual. Esse discurso
está entediante. Vou argumentar em defesa do uso dessa montanha de dinheiro em
uma infraestrutura que permitisse o avanço do turismo. Seria o caso de cuidar
do nosso fantástico litoral, totalmente abandonado, bastando nos dirigirmos a
Ponta Negra ou à Praia do Meio para comprovarmos essa situação. Seria o caso de
interiorizar o turismo. Seria o caso de tantas outras idéias com retorno
garantido...
As gerações futuras estão condenadas ao pagamento de um
empréstimo ilegítimo em todos os seus aspectos. Não lhes sobra alternativa, vez
que nós, o presente, não reagimos quando e como deveríamos. Por esse
empréstimo, um segmento muito específico da Sociedade amealha riqueza arrancada
de todos quantos estando na outra ponta do processo, seja em Natal, seja no
interior, estão excluídos da possibilidade de serem beneficiados com esses
recursos.
E por que esse
empréstimo é ilegiítimo? É ilegítimo porque não beneficia, por exemplo, os
favelados de Natal. Com
uma população de 803.739 mil habitantes, Natal tem 10% de seus moradores
vivendo em aglomerados subnormais, ou seja, favelas, invasões e loteamentos sem
titulação. Segundo o Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a capital do Rio Grande do Norte tem 80.774
pessoas vivendo em aglomerados subnormais.
É ilegítimo porque não beneficia o interior,
ou seja, segundo dados do IBGE - Censo 2010, como a
população do RN é de 3.168.027 habitantes, e Natal tem 803.739 habitantes,
ficam fora dos benefícios mais de dois milhões e trezentos mil habitantes.
Ou alguém imagina que para a
população interiorana do Rio Grande do Norte a construção da Arena das Dunas
trará alguma vantagem? Ou alguém imagina que essa obra trará benefícios para os
mossoroenses, caicoenses, pauferrenses, para citar alguns?
Claro que todos quantos foram
movidos, encaminhados para fazerem a defesa da Arena das Dunas, seja por
ignorância, seja por má-fé, hão de dizer que todo esse investimento feito há de
retornar por intermédio, por exemplo, do aumento da tributação que reverterá para
o social, seja em Natal, seja no interior. É a famoso “teoria do bolo
econômico”, o xodó dos ricos, o argumento principal esgrimido para justificar a
espoliação, dos que detêm o capital financeiro. Por essa teoria, “aumentemos o
bolo que todo mundo come”!
Lamento dizer, mas essa teoria foi
construída para beneficiar os ricos. Nasceu nos laboratórios do chamado
“Consenso de Washington”. E não é nova. Delfim Neto já a brandia décadas atrás
quando dirigia os destinos econômico-financeiros do Brasil, sabe-se lá a
serviço de quem. Não por outra razão Branko Milanovic, principal economista do
departamento de pesquisa do Banco Mundial, citado por Bauman, afirma que
Na virada do século XXI, os 5% mais ricos do planeta recebem um
terço do total da renda global, tanto quanto os 80% mais pobres.
Conclui Balmant:
Embora alguns países pobres estejam se emparelhando ao mundo
rico, as diferenças entre os indivíduos mais ricos e mais pobres são enormes e
tendem a crescer.
E o que é pior,
especificamente, é que os ricos estão mais ricos pegando nosso dinheiro a preço
vil, oferecido pelo Estado, captado diretamente, e o maior atingido é a classe
média, vítima indefesa da tributação (os ricos transferem o ônus para os
pobres), ou captado obliquamente, na base da sociedade, quando esta paga
tributo indireto ao comprar bens de primeira necessidade, como uma caixa de
fósforos, e o recebendo de volta gordo e lustroso.
Chama-se transferência esse
processo: tiram de nós e dão a eles. É isso que os governos fazem quando pegam
dinheiro emprestado para financiar obras que somente beneficiam uns poucos, em
detrimento de muitos.
Vou dobrando o cabo da boa
esperança, como dizia minha mãe se referindo aos que passam dos cinqüenta, e
não vi nada mudar desde criança, no que diz respeito à distribuição da riqueza
que o bom Deus houve por bem deixar na face da terra: os ricos continuam ricos,
os pobres continuam pobres. O que mudou - e como, foram os instrumentos por
meio dos quais os ricos arrancam o dinheiro dos pobres.
Não estranho, portanto, o que
li em Bauman. Tampouco o que li do economista do Banco Mundial.
Mas não vou perder as
esperanças. Meu padrinho Padre Cícero dizia, e minha santa mãe repetia, que “um
dia o Sertão vai virar mar, e a roda grande entra na roda pequena”.
É aguardar...