Mostrando postagens com marcador Direito Constitucional. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Direito Constitucional. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

DA LEGALIDADE (O SUBJETIVISMO ANÁRQUICO JUDICIAL)

 


Honório de Medeiros


O povo deve bater-se em defesa da lei, como se bate em defesa das muralhas” Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.c. – fragmento 44).
 
Algum tempo atrás, o Supremo Tribunal Federal se debruçou acerca da criminalização da homofobia e transfobia.
O primeiro voto, a favor, foi do Decano da instituição, que em sua opinião, por não ter o Congresso legislado sobre o tema, segundo ele por "evidente inércia e omissão", algo que a Câmara e o Senado negaram, existe, portanto, uma lacuna legal e axiológica no ordenamento jurídico brasileiro, e caberia ao STF, por intermédio da analogia, suplementá-lo.
Celso de Mello propôs que não fosse fixado um prazo para que o Congresso editasse uma lei relativa ao tema, como pedem as ações para isso intentadas, mas que, enquanto os parlamentares não se manifestassem, a homofobia e a transfobia fossem enquadradas na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).
Entretanto, é de sabença geral que os meios de preenchimento de lacunas, no nosso ordenamento jurídico, somente por este deveriam ser indicados, evitando a incerteza do Direito e o subjetivismo anárquico judicial.

Fique claro que este comentário não diz respeito à criminalização ou não. Diz respeito à forma como estava sendo feita.
Ora, a analogia, em matéria penal, é algo estritamente proibido pela Constituição Federal em suas cláusulas pétreas, qual seja o artigo 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”
Então, o que levou o Ministro Mello a crer que, mesmo assim, o STF pode ir além da própria Constituição Federal?
A crença de que o STF tudo pode e pode tudo. Que compete a eles, ministros do Órgão, dizerem o que seja o melhor para a Sociedade. Depreende-se tal do que se lê a seguir:

Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são.” (Ministro Teori Zavaski; AI nos EREsp 644.736/PE, Corte Especial, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007, p. 170).

Esse é o cerne da doutrina do realismo jurídico, sinteticamente expresso na afirmação de Oliver Wendell Holmes, Jr., antigo ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos: “o Direito é o que os tribunais dizem que ele é (the law is what the courts say it is”), visceralmente contrário à tradição jurídica nacional e ao que o povo brasileiro escolheu, por intermédio de seus representantes, em 1988, na Assembleia Nacional Constituinte, e o expressou por intermédio do Princípio da Legalidade, no inciso II, do artigo 5º, enquanto Cláusula Pétrea: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

O desdobramento desse princípio, em matéria penal, está no artigo 5º, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Outra cláusula pétrea.

Mais claro, impossível.

O próprio Celso de Mello já se referira ao Princípio da Legalidade como um dos princípios mais importantes no Direito Constitucional; o principio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo, e que este é a essência do Estado de Direito, pois lhe dá identidade própria”.

Como se nada disso significasse coisa alguma, os ministros do STF enveredaram pela doutrina do Realismo Jurídico, em sua versão tupiniquim, esgrimida enquanto arma de Poder, para conter o alvoroço investigatório do Senado e Receita Federal, mandando um aviso claro ao Congresso e ao Poder Executivo: “mandamos nós; obedece quem tem juízo”.

O que existirá, dentro daquelas paredes luxuosas, que o Poder Legislativo e Executivo não podem investigar?

Pior: ao assumir tal postura, ferem, mortalmente, o Princípio da Soberania da Vontade Popular, essência da Democracia, tão importante que se encontra no parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição Federal:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

É óbvio, posto tudo isso, que se o Congresso até hoje não quis regulamentar a questão dos crimes de homofobia e transfobia, tal significa que sua vontade, a vontade do Povo é essa. No tempo certo, em seu tempo, no tempo dos legisladores, será feito. O STF não pode dizer nem quando, nem o quê, nem quando pode e deve ser tratado pelo Legislativo.

As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Jean-Jacques Rousseau: “são atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.

O ideário acima exposto, expressando qual a lei que a todos submete, porque decorrente da vontade geral do povo detentor da Soberania e surgida graças ao contrato social, pode ser encontrado em obras ainda recentes, tal qual o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros.

Às páginas 37, lê-se:

"Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral"; (...)

Ponto final.


honoriodemedeiros@gmail.com
@honoriodemedeiros
Imagem: Honório de Medeiros