* Honório de Medeiros
“Um dom dado por Deus”.
Assim Seu Chico Honório começou a me falar de sua amizade com o grande cantador de viola e repentista Ercílio Pinheiro, de quem foi amigo próximo.
Nascido em Luiz Gomes, Rio Grande do Norte, no Sítio Arapuá, no dia 13 de novembro de 1918, e morto prematuramente em 9 de abril de 1958, aos quarenta anos de idade, Ercílio, desde pequenino, versejava batendo em uma lata, “desafiando” sua irmã.
Cedo aprendeu as técnicas de sua arte através de Inocêncio Gato, com quem fez sua primeira cantoria. E cedo, também, veio morar em Mossoró, onde exerceu a atividade de locutor da Rádio Tapuyo até se entregar totalmente à viola.
Seu Chico recorda suas próprias e primeiras cantorias – com Antônio de Lelé, na casa de Zé Honório, em São João do Sabugi; com Justo Amorim, na casa de Cabo Palmeira, patrocinada por Zuza Patrício; com Chico Monteiro na fazenda de Sinhozinho Crisóstomo, a cinco léguas de Alexandria, todas tiradas a cavalo, no novenário de Santo Izidro.
Eu o deixo divagar mergulhado nas lembranças de quase setenta anos atrás. Ele, entretanto, não demorou a repetir: “Ercílio foi uma dádiva de Deus.”
“Hospedei Ercílio e Dimas Batista em Mossoró. Ercílio era um homem correto, digno, honesto. Transpirava honestidade. Morreu dezessete dias antes de você nascer. Foi o melhor cantador de viola do Brasil em sua época. Respeitava todos seus companheiros, mas, os superava em muito”.
“A grande teima, naqueles anos, era qual dos dois cantadores era o melhor: Ercílio ou Dimas. Houve um desafio célebre, na década de cinquenta, entre os dois, um desafio real, não esses de hoje, onde tudo é combinado, que começou de tarde, varou a noite e ganhou a madrugada e somente parou por que o juiz da cidade – Taboleiro do Norte, Ceará – deu por encerrada a peleja, dando-a como empatada”.
“Ercílio era irmão de João Pinheiro e seu sócio no bar “Irmãos Pinheiro” aqui em Mossoró. Esse bar é tradicional ponto de encontro de comerciantes, políticos, advogados, ainda hoje, mas a maioria de seus familiares mora em Taboleiro do Norte, no Ceará. Ele tinha entre um metro e setenta e um a um metro e setenta e seis. Era muito magro. Branco, calvo, cabelos finos, usava óculos com grau muito forte porque era quase cego em consequência de uma miopia. Fumava cigarro de palha ou de fumo cortado”.
“Eu o conheci quando era chefe de trem na linha Mossoró-Sousa. Como era seu admirador, terminamos criando amizade por conta das viagens que ele fazia para ir cantar”.
“Na verdade, devo a Ercílio minha vinda para a Igreja Católica. Um dia, quando já estávamos perto de Mossoró, ele me perguntou: Chico, você já fez sua Páscoa? Respondi-lhe que nunca tinha me crismado, nem feito Páscoa. Ele me ofereceu os livros que eu tinha que estudar e me disse que ia me levar a Frei Luis. Esse Frei Luis era um terror. No dia seguinte fui me confessar com Frei Luis, a mando de Ercílio, e lhe disse que nunca tinha me confessado. Levei um grande carão e ganhei uma penitência de sete padres-nossos de joelho. Até que não foi muito pesada. A segunda confissão foi com Frei Damião. Ercílio foi quem encaminhou. Novo carão e novas penitências”.
“Quando Ercílio vinha a Mossoró eu já sabia: de manhã, lá pelas dez horas, nós nos encontrávamos e a outros amigos na praça do Pax, para conversar sobre cantoria, repente, cantadores, viola”.
“Ele era muito admirado, entre outras qualidades, por ter o que os entendidos chamam de “pulmão limpo”, ou seja, sem pigarro, um canto claro e bonito. Uma vez, não me contive: Ercílio, quem é o cantador que você teme em uma disputa? Não temo ninguém, respondeu. Aliás, continuou, não disputo com ninguém, só comigo mesmo. Mas eu sempre me fiz respeitado na minha profissão. Agora respeito e sou respeitado por Dimas Batista”.
“Assim é o gênio”, concluiu Seu Chico. “Estudou à luz de lamparina, mas seu dom, esse não tem como aprender, nasceu com ele.”
PS.
“Honório, relendo agora o relato do seo Chico Honório sobre o meu pai o qual encontra-se no livro que escrevi, cada vez mais dou importância as verdadeiras amizades.
Me emociono sempre quando leio ou escuto comentários sobre ele porque me orgulha muito ter tido um pai que só deixou coisas bonitas para que repitam, não só do poeta como do homem.
Não tive ainda o prazer de conhecê-lo, mas sou grande admiradora do seu pai, ele é uma pessoa encantadora.
Estive com ele antes do lançamento do livro, e ele me prometeu que viria, mas, desistiu em virtude do estado de saúde da sua mãe.
Logo que for a Mossoró o visitarei e desta feita levarei a viola do meu pai, que ele sempre me fala que tem vontade de revê-la.
Você sabe que esta, foi um presente do seu pai ao meu? Muito obrigada, adorei seu blog. Lua Pinheiro.”
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